Tragédia do Edifício Joelma – 45 Anos

O fogo, o desespero, o salto para a morte

De repente, o grito de pânico: – Fogo!
As mais de mil pessoas que ocupavam os escritórios e apartamentos do Edifício Joelma, na Praça das Bandeiras, em São Paulo, sentiram que estavam ilhadas pela morte, numa repetição da dolorosa experiência da tragédia do Edifício Andraus, dois anos antes, quando 16 morreram e mais de 400 ficaram feridos.

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O edifício Joelma, na Praça da Bandeira. À esquerda, a Câmara dos Vereadores, o ponto de apoio para o salvamento. Fonte: O Cruzeiro 1974.

Vinte minutos depois do início do fogo, as chamas já atingiam grande parte do prédio, para desespero de centenas de pessoas, que procuravam chegar ao terraço em busca da salvação. Lá embaixo, cartazes e megafones pediam calma, enquanto os bombeiros tentavam chegar até aos andares superiores. De repente, a multidão, horrorizada, viu despencar no espaço um homem, vencido pelo desespero. Em questão de segundos, seu corpo estava no asfalto.

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Fonte: O Cruzeiro, 1974.

A morte começava a vencer a luta contra a vida, e um cheiro de tragédia se espalhava pela manhã paulistana. Minutos depois, mais dois corpos despencavam no ar, aumentando o horror da multidão e o desespero dos que lá em cima, procuravam manter um fio de esperança na salvação que cada vez parecia mais distante.

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Uma pessoa jogou-se do 19º, caiu sobre a escada a que se atirara do 16º e derrubou uma terceira na escada. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

O prédio, sem qualquer condição de segurança – não havia escadas de emergência nem heliporto -, estava se transformando, pouco a pouco, num túmulo gigante para mais de uma centena de pessoas.

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Quando o helicóptero descia, várias macas eram levadas para transportar sobreviventes. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

As sirenas dos bombeiros e das ambulâncias cortavam o ar e muitos já começavam a ser salvos. Outros, porém, iam ficando pelo caminho, carbonizados ou pisoteados pela avalancha do desespero em busca de uma chance de sobrevivência. E o foto continuou ardendo e matando, durante todo o dia. O centro da cidade parou, o tráfego congestionou e a confusão, aliada ao desespero, em cima e embaixo, aumentava a cada minuto a negra estatística da morte. Os hospitais se enchiam de vítimas e o IML de corpos. À tarde, o número somava mais de 100. Perto de duas mil pessoas se aglomeravam em frente ao Instituto Médico legal em busca de parentes. Outras procuravam os hospitais das Clínicas e da Municipalidade para doarem sangue. Bombeiros, policiais, médicos, enfermeiros, motoristas de táxis e os homens anônimos das ruas uniam-se na tentativa de salvar o maior número possível de vidas.

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Muitas pessoas esperaram socorro até durante quatro horas nos andares mais altos. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.
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Helicóptero ajudou na retirada dos que subiram ao terraço, onde muitos tiraram a roupa. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

No final da noite, o IML anunciava o trágico número de mortos recolhidos às suas dependências: 188. Mas só hoje, após o resfriamento do prédio, é que se saberá, de fato, quantos morreram. São Paulo acordou com a tragédia, parou durante todo o dia para tentar salvar muitas vidas e foi dormir chorando seus mortos.

É bom que ninguém esqueça.

Jornal da Noite, Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 1974.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Galeria de Imagens

ATENÇÃO: Algumas imagens são fortes e inapropriadas para pessoas sensíveis.  Siga por sua conta e risco!

Fontes das imagens:

Revista O Cruzeiro, 13 fev. 1974
Folha de S. Paulo, 1 fev. 1974.
O Jornal, 2 fev. 1974.
Jornal do Brasil, 3 fev. 1974.
Revista Veja, 6 fev. 1974.
Revista Manchete, 16 fev. 1974.
Diário de Notícias, 2 fev. 1974.

Acervos consultados:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervo Folha de S. Paulo
Acervo VEJA

Cidade abandonada

Embora pareça exagero, tem muita razão o paulistano quando afirma que a metropole bandeirante é uma cidade abandonada. Tantos são os motivos de queixa dos municipes contra as falhas da administração que a impressão de abandono chega mesmo a impressionar. Não falemos da buraqueira das ruas, que essa avulta aos nossos olhos por onde quer que volvamos a vista e é sentida materialmente nos solavancos dos onibus, nas avarias dos veiculos, nos acidentes quase diarios provocados pelas manobras precipitadas dos que, em alta velocidade, se vêem, de repente, diante de um buraco maior, sem espaço para evitar o impacto do trambolhão. Desnecessario será destacar o tremendo perigo que os buracos da pavimentação representam nos dias de chuva, quando ficam cobertos pelas aguas da enxurrada: aí a ameaça não é apenas para os automoveis, mas tambem para os pedestres, principalmente as crianças.

1963-02-21 buraco na frei gaspar x hipodromo
Quase coube”, buraco na rua Frei Gaspar com a do rua do Hipódromo

O pessimo estado dos passeios, inclusive na area central da cidade, contribui para impressionar mal os forasteiros e é outra evidencia do desleixo reinante na cidade, por parte da Prefeitura. Sabe-se que a conservação da faixa do passeio cabe aos proprietarios dos imoveis, não movendo o governo municipal uma palha nesse sentido. Cabe-lhe, isso sim, fiscalizar e intimar os responsaveis a proceder aos reparos necessarios ou a construir os passeios nas ruas providas de guias. Essa fiscalização não existe e se existir os fiscais amolecem o corpo, deixando de cumprir o seu dever, em prejuizo da cidade.

E há mais: nessa questão, a propria Prefeitura concorre para a devastação dos passeios ao deixar de consertar as extensas faixas utilizadas para canalização de aguas, telefones, etc. conforme acordos existentes e jamais cumpridos.

O abandono se patenteia tambem ao observar-se o numero consideravel de mendigos, marreteiros, desocupados e quitandeiros que ocupam os melhores pontos do centro da cidade e obstruem o transito, perturbam a tranquilidade da vizinhança, espalham lixo e imundicies em torno, sem que surja um guarda, um inspetor, alguem com parcela de autoridade disposto a expurgar os logradouros dessa forma infestados.

Não é preciso que se fale dos malandros, muitos deles conhecidissimos da Polícia, que exercem sua atividade criminosa como batedores de carteira nos pontos de tomada de coletivo, aos olhos dos agentes da Delegacia Especializada destacados para esses locais. Nem se faz necessario acrescentar os bandos de “play-boys” atrevidos, das corridas de automoveis e lambretas, pelas vias mais movimentadas da metropole, altas horas da noite, com apoteose de taças e curras nos confins do Morumbi.

Cidade abandonada, mesmo.

Correio Paulistano, São Paulo, 6 de fevereiro de 1963.

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia e ortografia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

²A imagem não possui relação direta com o texto, possuindo caráter meramente ilustrativo.

Legenda e fonte da imagem:

“Quase coube”, buraco na rua Frei Gaspar com a do rua do Hipódromo
Folha de S. Paulo, São Paulo de 21 de fevereiro de 1963.

 

 

Imitando os homens!

Um casal de cães assenhoreia-se de uma sala de visitas

Ella dorme, elle véla carinhosa e valentemente

1914-01-24 a noite cães invasores foto
A casa da rua Sete “tomada” pelos cães. A sala onde elles se accommodaram está marcada na gravura.

O solicitador Sr. Diogo Ramirez reside com sua familia no 2º andar da casa n.101 da rua Sete de Setembro.
Hoje, logo ás primeiras horas, quando uma criada ia penetrar na sala de visitas do Sr. Ramirez, teve seus passos embargados por um respeitavel molosso. Justamente amedrontada, a criada deu alarme, acudindo outras pessoas da casa, inclusive o Sr. Ramires, os quaes tambem não conseguiram entrar na sala, taes eram as disposições do enorme cão e sua companheira, uma cadella de proporções não menos respeitaveis.

Intrigados com as informações acima, fomos pessoalmente á casa em questão. Num corredor que leva á peça occupada pelos cães achava-se a familia do Sr. Ramirez, que nos convidou a ver com os nossos olhos os seus importunos hospedes.
E, nós vimos: junto a um sofá, commodamente escarrapachado e a nos olhar curiosamente, estava um enorme cão amarello; a seu lado dormia calmamente a sua companheira, tambem de côr amarella. Para experimentar demos dous passos á frente, mas recuámos de prompto, tal o olhar severo e o feroz rugido do “salvador” da casa do Sr. Ramirez.

– E então? – perguntámos ao “oligarcha” deposto.
– É o que o senhor vê. Esses cães subiram ás 6 horas com o lixeiro; temos feito varias, mas vãs tentativas; primeiro, ameaçando-os com uma bengala, ao que elles se dispunham a reagir temerosamente, e depois acenando-lhes até com postas de carne.
– E o que pretende fazer?
– Não os quero matar a tiros. Espero que elles se dignem desoccupar, quando entenderem, a minha sala. Isso até logo mais, quando pedirei auxilio da limpeza publica.

E o Sr. Diogo Ramirez lá se ficou pacatamente, aguardando melhores disposições dos seus estranhos assaltantes.

A Noite, Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1914
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira