Antônio da Silva Prado

O FUTURO PREFEITO

Ligeira entrevista

IDEIAS GERAES DE ADMINISTRAÇÃO

Devendo ser hoje empossada a camara municipal eleita a 30 de outubro do anno passado para o triennio de 1899 a 1902, e, correndo com certo fundamento, que para o lugar de prefeito deverá ser escolhido o conselheiro Antonio Prado, o Correio paulistano julgou que seria de bom aviso ouvir esse illustre cidadão sobre pontos diversos da administração local que s. exa., parece, vai superintender.

Nessas condições, pedimos a um de nossos melhores amigos que nos fizesse approximar do futuro prefeito afim, de que, em entrevista ligeira, pudessemos conhecer o programma que s. exa. pretende expor á corporação municipal de S. Paulo.
Não foi difficil a tarefa, já porque s. exa. accedeu promptamente aos nossos desejos, já porque não teve duvida em fallar-nos com a maior franqueza, como se verá.
Ás 8 12 da noite de hontem, procuramos o conselheiro Antonio Prado no bello palacete da alameda que tem o seu nome.
Fomos introduzidos em elegante peça onde s. exa. tem o seu escriptorio.
Um quadrilatero, temdo em uma das paredes estante de carvalho com 3 corpos. Ahi se encontravam volumes diversos em pequena bibliotheca.
Ao lado duas estatuetas de bronze sobre pedestaes de madeira preta.
Fronteiramente, secretária com artistica pasta e objectos varios para moveis dessa natureza.
Em outros planos, largo bureau ministre, ainda de carvalho, ladeado por duas columnas sustentando jarrões de porcellana azul.
A um canto divan inglez, tendo inferiormente uma pelle de onça, debruada casimira encarnada.
Custosas e ricas cortinas, pequenas e finas cadeiras, poltronas, etc., completam a ornamentação da confortavel peça.

013 Conselheiro Antonio Prado acervo iconografico usp

O futuro prefeito não se demorou em apparecer-nos, dando-nos pouco tempo para maior inspecção do local onde foramos introduzidos.
Trajava costume leve de casimira escura e recebeu-nos com toda a gentileza.
Feitas as apresentações pelo illustre cavalheiro que nos approximára de s. exa., trocados os devidos cumprimentos, sentamo-nos e conversamos, é o termo, sobre o motivo que alli nos levára.
E essa conversa passada em tom inteiramente amistoso publicamol-a em dialogo, como se deve acontecer ás entrevistas, mesmo de caracter intimo.


– Sei, disse o nosso representante, que não é extranho a v. ex. o motivo da minha visita.
– É exacto. O nosso amigo, que está presente, tinha-me avisado; mas, com pesar o digo, não posso satisfazer o seu pedido, pois não sou o prefeito municipal da capital de S. Paulo.
– Perfeitamente. Mas, sei-o-a em poucas horas e nessas condicções poderia adiantar-me alguma cousa. A reportagem tem indiscrições e, si eu cometter alguma, v. ex. tenha a bondade de ordenar que eu não prosiga.
– Mas, eu não tenho plano algum de administração, não tenho programma, preciso conhecer bem a actual organisação municipal, as leis, regulamentos, etc., para então operar com conhecimento de causa.
– Sim: senhor. Mas permitta-me perguntar a v. exa. Qualquer administrador, que vai hoje começar um serviço não terá ideias assentadas sobre questões economicas e financeiras, assumpto palpitante e de actualidade.
– De certo. E eu devo declarar-lhe. Fui presidente da Camara de S. Paulo ha 20 annos, quando as rendas attingiam a 200:000$; hoje vão a 2.500:000$. Penso que poderão em pouco tempo chegar a 4.000:000$ e para isso basta o seguinte, e que farei: dedicar-me especialmente ao estudo de lançamento e arrecadação dos impostos, base principal da reorganisação a estabelecer-se.
– E quanto a despezas?
– Ah! Terei de cingir-me á lei do orçamento votada. Não poderei certamente occupar-me de grandes melhoramentos, pois as verbas orçamentarias são exiguas. Pretendo, porém, rever o quadro de empregados, cortar despezas inuteis, aproveitar elementos bons e gastar apenas o essencial, fazendo as maiores economias.
– E naturalmente levará isso a cabo, pois v. exa. não tem ligações politicas que lhe offereçam obstaculos…
– De certo. Pretendo mesmo pedir o auxilio de todos os municipios para que se interessem pelos assumptos locaes, nomeando comissões particulares para estudo de materias diversas. Pedirei o concurso de todos, e assim acho facil a minha tarefa.
– Acha facil?
– Acho. O meu programma é administrar bem. Desde que a maior parte dos serviços que deveriam ser municipaes se acham a cargo do Estado, basta, para chegar a resultado satisfactorio, que eu peça ao governo estadual execução das disposições legaes, nunca provocando attritos. O serviço da municipalidade não é para espantar ninguem. Desde que um administrador tenha bôa vontade e bons auxiliares, pode contar que levará a cabo a tarefa, a contento geral. E quando eu vir que se me antolham obstaculos que não possar vencer, voltarei á tranquilidade de minha casa, porque, o sr. deve saber, acceitei, a inclusão do meu nome na chapa de vereadores, desinteressadamente, com um unico fito: servir o meu paiz e o Estado onde nasci.

 


E a essas ultimas palavras do illustre cidadão, levantamo-nos, pois que alguma cousa haviamos obtido sobre o assumpto que nos levára ao palacete Prado.
Despedimo-nos de s. exa. que tão gentilmente nos recebera, renovando os protestos de agradecimento, que ainda uma vez aqui deixamos consignados.

Correio Paulistano, 7 de janeiro de 1899.
Fontes:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervo Iconográfico USP

Os Prefeitos Imperiais

Os primeiros Prefeitos de São Paulo surgiram na década de 1930. Entretanto, não era o povo quem os elegia, e sim o presidente da província (espécie de governador, nomeado pelo imperador), que os nomeava, juntamente com os sub-prefeitos.

rafael
Rafael Tobias de Aguiar

Em decreto do então presidente da província, Rafael Tobias de Aguiar, foram informadas as atribuições dos prefeitos:

Decreto.

Rafael Tobias de Aguiar Presidente da Provincia de S. Paulo. Faço saber a todos os seus Habitantes, que a Assembléa Legislativa Provincial Decretou, e eu sanccionei a Lei seguinte.

Art. 1º Haverá n’esta Cidade, e em cada uma das Villas um Prefeito, que durará em quanto bem servir: contudo passados quatro annos poderá escusar-se do Emprego, e só depois de outros quatro poderá ser constrangido a tornar a servir. O Prefeito, que deixar de o ser não será mais obrigado a exercer qualquer outro encargo Municipal, salvo se for Emprego de jurisdicção.

Art. 2 A sua nomeação, suspensão, e demissão será feita pelo Governo, prescedendo informação da Camara respectiva quer sobre a idoneidade das pessoas de maior consideração do Municipio, em quem possa recahir tal Emprego, quer sobre os defeitos, ou crimes do que o estiver excreando, que o torne inhabil de continuar no exercicio.

Art. 3 O Prefeito usará de farda semelhante á do Secretario do Governo; e em todos os actos publicos terá as considerações devidas á importancia do seu Emprego, e o logar de maior distinção, excepto concorrendo a Camara Municipal ou o Juiz de Direito, que terão preferencia.

Art. 4 Ao Prefeito compete:

  1. Executar, e fazer executar todas as Ordens do Governo, que lhe forem transmittidas por Portarias, e instruccções, as quaes o devem dirigir no exercicio do seu Emprego.
  2. As Instrucções, que o Governo dér ao Prefeito, serão por aquelle remettidas á Camara, para que esta as faça publicar por Edital; e só desd’então obrigará aos Cidadãos do Municipio a obediencia ao Prefeito sobre o objecto d’ellas.
  3. Inspeccionar todos os Empregados do Municipio, excepto os que residirem na capital, para certificar-se se cumprem com os seus deveres, exigindo delles informações sobre os objectos de que houver queixa, ou denuncia; recommendando este a execução da Lei, quando haja reconhecida negligencia; ou determinando ao promotor Publico, que promova sua responsabilidade, remettendo-lhe para isso os documentos, e informações, que tiver; ou participando documentadamente ao Governo, como entender mais conveniente.
  4. Participar cada mez ao Governo, ou ainda antes, se for necessario, tudo quanto convenha, que elle saiba sobre a conducta dos Empregados Publicos; estado de segurança, e tranquillidade do Municipio.
  5. Ter debaixo do seu commando, e ordem a Guarda Policial; nomeando para ella os Commandantes necessarios; distribuindo o serviço com igualdade, e justiça; ordenando o numero de patrulhas Policiaes, dando-lhes instrucções, a fim de que a tranquilidade, e segurança se conserve segundo as Leis, e Posturas.
  6. Cummulativamente com as Auctoridades Policiaes fazer prender os delinquentes, quando a Lei determina; e tomar conhecimento das pessoas, que de novo entrarem para o Municipio. Sendo estas suspeitas, aquelles presos, os remetterá á Auctoridade Policial competente com a necessaria informação.
  7. Executar, e fazer executar todas as Posturas confirmadas, e as Deliberações da Camara, que não forem manifestadamente contrarias ás leis, e suas attribuições. Para este fim lhe serão transmittidas officialmente, e com termos não imperativos, pela Camara as suas Posturas, e Deliberações; ficando ella na intelligencia, de que somente lhe compete deliberar, e nunca executar; mas fiscalisar a boa execução de suas Posturas, e Deliberações, pedindo informações ao Prefeito: e no caso de responsabilidade, dirigindo representações documentadas ao Governo, para que este a faça effectiva, quando ella tenha logar.
  8. Servir-se do Procurador da Camara seu Secretario, e Officiaes, quando não estejao legitimamente impedidos, nos negocios relativos ás Posturas, e Deliberações da mesma; e estando impedidos pedir á camara que nomes quem interinamente os deve substituir.
  9. Assistir a abertura de cada Sessão trimestral da Camara, e n’ella propor as medidas, que julgar convenientes á commodidade, segurança, e tranquillidade do Municipio; e participar a execução, que tem promovido das Posturas, e Deliberações, que lhe farão communicadas: os obstaculos, ou inconvenientes, que tiver encontrado, e os meios de os remover. N’essa occasião será recebido á porta da rua pelo Secretario, e á porta da Sala das Sessoes por mais dois camaristas, levantando-se todos ao elle entrar pela sala: terá assento igual, e á direita do Presidente: fallando sentado, e será despedido com as devidas formalidades, Não podendo porem elle parecer pessoalmente por motivo legitimo, remetterá com Officio o seu relatorio, para ser lido pelo Presidente da Camara.
  10. Receber da Camara em aberto, para remetter a Auctoridade Superior as Posturas, Contas, e Orçamentos, que ella dirigir, dando sobre todos esses objectos sua informação, e parecer, que remetterá conjunctamente à Auctoridade superior.
  11. Exigir de qualquer Auctoridade do logar os esclarecimentos e, informações, que precisar pendentes ao serviço publico, que se lhe não tiver jurisdicção.

Art. 5 O Prefeito não poderá conjunctamente exercer qualquer outro Emprego, excepto se este não tiver jurisdicção.

Art. 6 O Prefeito proporá ao Governo tantos Sub-Prefeitos, quantas forem as Freguezias, e Cappelas Curadas do Municipio, sendo pessoas de probidade, e que gosem de consideração no Districto.

Art. 7 Os Sub-Prefeitos, depois de confirmados pelo Governo, serão juramentados, e impossados pela Camara. Sua duração, suspensão, e demissão será na forma dos Artigos primeiro, e segundo, com a differença de não ser necessaria a informação da Camara, mas a do Prefeito, a quem serão subordinados; e por quem poderão ser suspensos interinamente nos casos de negligencia habitual, ou manifesta prevaricação, até que o Governo delibere definitivamente, a quem o Prefeito dará parte na primeira occasião oportuna.

Art. 8 Serão das attribuições do Prefeito aquellas, que o Governo marcar nas Instrucções, que lhe der, e que devem ser publicas por Edital da Camara. Terão a mesma farda, e gosarão da mesma consideração; e preferencia dentro do seu Districto.

Art. 9º O Sub-Prefeito da Freguezia cabeça de Termo não terá exercicio; se não na falta, ou legitimo impedimento do Prefeito; e então gosará de todas as attribuições, prerogativas, e considerações devidas á este.

Art. 10 Faltando qualquer Sub-Prefeito, ou achando-se legitimamente impedido, o Prefeito designará quem o deve substituir interinamente.

Art. 11 Os Inspectores de Quarteirões são subordinados aos Prefeitos, e Sub-Prefeitos para cumprirem suas Ordens dentro do Quarteirão; e todo o Cidadão é obrigado á obedecel-os, quando for chamado para auxilial-o, ou cooperar para execcução de Ordens, ou sobre objecto de suas attribuições.

Art. 12 Os Prefeitos, e Sub-Prefeitos, sendo injurados, ou desobedecidos, procederão na forma do Artigo duzentos e quatro do Codigo do Processo Criminal.

Art. 13 Os Fiscaes do Municipio serão livremente nomeados, e demittidos pelo Prefeito, e serão os Executores de suas Ordens relativamente ás Posturas, e deliberações da Camara Municipal.

Art. 14 Ficão revogadas todas as disposições em contrario.

Mando por tanto a todas as Auctoridades, a quem o conhecimento, e execução da referida Lei pertencer, que a cumprão, e fação cumprimir tão inteiramente, como n’ella se contem. O Secretario d’esta Provincia a faça imprimir, publicar, e correr. Dada no Palacio do Governo de S. Paulo aos onze dias do mez de Abril de mil oito centos e trinta e cinco.

Raphael Tobias de Aguiar

O Paulista Official, 6 de maio de 1835.

O posto de Prefeito de São Paulo, durante o período regencial, foi ocupado, inicialmente, por Luis Antônio de Sousa Barros. Assumiram o cargo, em um curto espaço de tempo, ainda mais quatro homens, sendo dois deles interinamente.

Luiz_Antônio_de_Sousa_Barros
Luis Antônio de Sousa Barros

Os cinco prefeitos imperiais foram:

  • Luis Antônio de Sousa Barros – Período de governo: 5 de maio de 1835 a 21 de novembro de 1835.

Seus Interinos:

  • Joaquim Lopes Guimarães – Período de governo: 12 de outubro de 1835 a 5 de novembro de 1835.
  • Miguel Antunes Garcia – Período de governo: 5 de novembro de 1835 a 21 de novembro de 1835.

Seus sucessores:

  • Joaquim José de Morais e Abreu – Período de governo: 13 de fevereiro de 1836 a 21 de fevereiro de 1836.
  • Pedro Gomes de Camargo – Período de governo: 22 de fevereiro de 1836 a 28 de fevereiro de 1838.

Após resistência dos vereadores, a função foi extinta em 1838, voltando a existir apenas no final do século, já na República.

Fontes: Hemeroteca Digital Brasileira / Câmara Municipal de São Paulo