O fim do mundo… (1926)

Na rua Augusta um bonde espatifou um automovel, por causa dos “nove pontos”…

O lamentavel estado do auto n. 2.258

Positivamente, si continuarmos como vamos, dentro em pouco, em S. Paulo, não mais existirá um homem vivo, mas em compensação, nem um automovel em perfeito estado. Todos os dias temos a registrar mortes e desastres gravissimos, quando não, por lastima, o escangalhar de um carro de luxo, que foi de encontro a um bonde ou a um pedestre sonso, que não sabe o seu lugar e pouca dá pela integridade de um auto de alto preço…

Agora, tambem os bondes deram para espatifar os automoveis. Ante-hontem, foi na rua do Gazometro, e hontem, na rua Augusta.

Por volta das 20 1/2 horas, rebocando a Chevrolet n. 3.317, descia o caminhão Ford n. 2.258, aquella via publica, guiado pelo motorista Nicolino Nogueira. Porque trazia os pharóes do reboque apagados, numa esquina, foi intimado a parar pelo “grillo” Americo Moura. A explicação foi immeditamente dada; os pharóes do reboque se achavam apagados porque o carro estava quebrado, e o Ford que o puxava tinha as suas luzes sufficientemente claras, para evitar qualquer desastre.

Essas explicações todas estavam sendo dadas, quando, subindo a rua Augusta, em desabalada carreira, surgiu o bonde 1.112, da linha “Augusta”, que avançou para o miseravel Ford, atirando com elle e mais o seu reboque, para o meio do passeio, completamente em pedaços.

Foi tão violento o choque, que o estribo do bonde saltou a uma distancia de dez metros!

Felizmente o “chauffeur” e o “grillo”, vendo a velocidade do bonde e sabendo que não podiam salvar os dois vehiculos, trataram de saltar rapidamente para o lado, nada mais soffrendo que um formidavel susto.

O desastrado motorneiro foi preso em flagrante.

A Gazeta, São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 1926
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira.

*A grafia original foi mantida em sua integralidade preservando as regras ortográficas vigentes à época.

O “conto do telephone”

Um malandro nas mãos da policia

‒ Prompto! Quem fala?
‒ Emporio da rua Duque de Caxias.
‒ Aqui é da rua Visconde do Rio Branco. Mande uma lata de conservas e troco para 200$000.

‒ Alô! De onde falou?
‒ Emporio. Rua Visconde do Rio Branco.
‒ Mande na rua General Osorio uma garrafa de moscato e troco para 50$000…

A Padaria Ayrosa, no largo Paysandú, uma confeitaria da rua Aurora e um estabelecimento da rua Conselheiro Nébias receberam pedidos identicos. Todos attenderam para verificar logo depois que haviam sido victimas de um malandro que lhes ficára com a mercadoria e com o troco… Os prejuizos orçavam em rs… 50$000.

Foi dada queixa á delegadia de Furtos e os inspectores Bentes e Valente sahiram em procura do pirata.

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Antonio Silveira, empregado á rua Direita, 7-A, é um camarada que gosta immensamente de se divertir em prejuizo da bolsa alheia. Conhecendo bem os recursos dos malandros, elle se decidiu a ensaiar o “conto do telephone”. Queria experimentar até que ponto chegava a ingenuidade dos commerciantes. O facto é que o Silveira, dessa forma, logrando na primeira investida, gostou e continuou a pedir mercadorias e troco pelo telephone.

Afinal cahiu nas mãos da policia e foi interrogado pelo dr. Brasiliense Carneiro, delegado interino de Furtos, sendo em seguida recolhido ao xadrez.

A Gazeta, São Paulo, 29 de dezembro de 1933.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

O Box na Guarda Civil

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Esse “peso pesado” que o nosso “cliché” apresenta não é outro sinão o popular Benedicto, instructor de box da Guarda Civil de São Paulo, apanhado em flagrante quando, hontem, realizava uma demonstração do violento sport, perante os directores da Associação Commercial, em vista á séde daquela corporação policial.

Correio Paulistano, São Paulo, 24 de outubro de 1928.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Destruir o Ester, a ilógica opção

1º exemplo da arquitetura racionalista

O edifício Ester, considerado por muitos como um dos melhores exemplos da arquitetura moderna do Brasil, é olhado como um marco, e por mais de uma razão. Foi concebido e projetado por Alvaro Vital Brasil, um paulista que estudou e trabalhou muitos anos no Rio, considerado um solitário, porque seus contemporâneos Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Carlos Leão trabalhavam em equipe.

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Álvaro Vital Brasil projetou o Ester – o primeiro exemplo de arquitetura racionalista brasileira – com Ademar Marinho. A construção terminou em 1938, dois anos antes que se concluissem as obras do Ministério da Educação, feito por aquele grupo carioca a partir de um “croquis” de Le Corbusier, de 1936.
O Ester, alem de ser também o primeiro edifício comercial do Brasil com estrutura livre, fixou o gabarito de dez andares da Praça da República, em sua época.
Despertando desde logo a atenção dos habitantes da São Paulo logo que foi concluído, nele moraram e moram muitos intelectuais e artistas, nos andares superiores (os primeiros andares são ocupados por escritórios comerciais). Ali mora o poeta e escritor Francisco Luis de Almeida Salles, e moram, durante muitos anos, o pintor Di Cavalcanti e a pintora Noemia Mourão.
Álvaro Vital Brasil nasceu em São Paulo em 1909, e formou-se em 1934 na Escola Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro).

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NO PRÉDIO

A reação de alguns proprietários e moradores do edifício Ester, localizado na esquina da rua 7 de Abril com a avenida Ipiranga, diante da possibilidade do prédio ser desapropriado para dar lugar à Estação República do Metrô, foi de total perplexidade.
A maioria dos entrevistados não havia sequer ouvido falar em desapropriação, e não foram poucos os que disseram que o prédio já faz parte do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, pois sua arquitetura foi um marco para a época em que foi construído.
Segundo o sindico Elis Antunes, o edifício Ester, tem 38 anos de vida útil, e foi construído pela família Coutinho Nougueira para moradia e para abrigar os escritórios da Usina Ester, de sua propriedade.
“A partir de 1963 o prédio passou a condomínio, e desde essa época, cerca de vinte apartamentos do 1º ao 5º andar, funcionam como escritórios comerciais, e cerca de trinta, do 5º ao 11º, são residências particulares.”
Elis Antunes foi um dos primeiros moradores do prédio; ele mora há 31 anos no apartamento 805. No entanto, ele se tornou proprietário somente há onze:
“Trabalhei a vida toda como contador da Usina Ester, no próprio prédio, e em 1964 consegui comprar o apartamento onde morava naquele ano paguei Cr$ 10 mil pelo imóvel, e hoje acredito que esteja valendo cerca de Cr$ 350 mil.”

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JÁ DESCONFIAVA

O síndico afirmou ontem que nunca ouviu nenhum boato sobre uma possível desapropriação, mas desconfiou de alguma coisa quando os engenheiros do Metrô estiveram, por duas vezes, no prédio para examiná-lo e estudar as plantas.
O síndico não entende porque o Instituto de Educação Caetano de Campos não pode ser demolido e dar lugar à Estação do Metrô, como o prefeito havia anunciado.
“O prédio é tão velho, e na minha opinião não tem valor histórico nenhum porque já foi reformado duas vezes. O prédio tem um arquitetura confusa além de não ser original”.
Falando sobre o edifício Ester, Elis Antunes disse que o prédio sofreu apenas uma reforma externa: as placas de vitrolite (espécie de mármore vitrificado) da fachada foram trocadas por placas de concreto.
As coisas que o síndico mais admira no prédio são as colunas de mármore – importado – do hall de entrada, as escadarias de mármore e os corrimões de bronze. Segundo ele, a construção do prédio custou quase Cr$ 10 milhões antigos em 1938.

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Autor: B. J. Duarte 8/4/1938

DESESPERO

Manoel Brodskyn, sem dúvida, foi a pessoa que ficou mais desesperada com a idéia da desapropriação: “Não pode ser, é brincadeira do prefeito – não acredito”. Todo o seu desespero é provocado pelo fato de já ter gasto uma fortuna na reforma da joalheria onde é gerente: a Sauer Joalheiros, filial da loja do mesmo nome.
Para ele, o prejuízo será “monstruoso, incalculável”, pois tem certeza de que o preço pago pela desapropriação não chegará “nem à metade do valor real do imóvel, sem contar os investimentos feitos na reforma”.
Ele diz que a reforma da loja começou há cerca de quatro meses, e os engenheiros prometeram entrega-la pronta em dez dias. Porém, com a possibilidade da desapropriação, ele já não sabe o que fazer:
“Tenho vontade de mandar os operários pararem de trabalhar”.

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DISPARATE

Para Sten S. Detthow, advogado com escritório no prédio, a desapropriação do edifício Ester é o maior absurdo que já ouviu:
“É um disparate tão grande que não sem nem como reagir; não entendo como é que podem desapropriar um prédio que já faz parte do Patrimônio Histórico do Estado”.
O advogado também não se conforma com o tombamento do Instituto de Educação Caetano de Campos, apesar de ter sido aluno da escola há 57 anos:
“É um prédio velho, feio e grande demais para a área que ocupa, além de ter menos importância arquitetônica que o Ester”.

Folha de S. Paulo 21 de novembro de 1978.

Fontes:
Acervo Folha
Arquivo Arq