VITIMA DE BARBARO LATROCINIO A CONHECIDA LIDER DIVORCISTA
Anita Carrijo, uma das mulheres mais conhecidas em todo o Brasil pelas suas campanhas em favor do divorcio, foi assassinada, na madrugada de domingo ultimo, em seu apartamento, na rua Braulio Gomes, 131, 1º andar, onde residia há algum tempo e onde mantinha seu consultorio dentario.
Filha de José Leite Carrijo, nascida em São Paulo, a cirurgiã-dentista Anita Carrijo era desquitada do sr. Adalberto Carllsen, com quem se casou em 26 de abril de 1935, tendo obtido o desquite em 1949.
Desde então Anita dedicou-se a uma campanha de carater nacional visando obter leis que permitissem o divorcio no Brasil, tendo, nesse sentido, feito dezenas de conferencias em varias capitais e cidades do pais, fato que a tornou conhecida em todas as camadas sociais.
Mulher de vida mais ou menos agitada, escritora e conferencista, dedicava-se a sua profissão, de cirurgiã-dentista, tendo boa e selecionada clientela.
Anita Carrijo foi encontrada morta, na manhã de ontem (segunda-feira), no interior de seu apartamento, revestindo-se o crime de misterio.
O ALARMA
Na manhã de ontem, por volta das 9,30 horas, como era do seu habito, d. Irma Sargentelle, enfermeira, residente na rua 13 de Maio, 166, que vinha trabalhando como auxiliar de d. Anita há pouco mais de três meses, como possuisse a chave de entrada do apartamento onde a dentista residia, ali entrou, dirigindo-se, imediatamente, ao consultorio a fim de fazer a devida limpeza e prepara-lo para os trabalho normais do dia.
Ao entrar naquela dependencia, entretanto, d. Irma percebeu que algo de anormal tinha ocorrido no seu interior, de vez que, sobre o solo, aberta e com papeis espalhados, estava uma bolsa de d. Anita e sobre uma mesinha, encontrava-se uma outra bolsa, maior, tambem com papeis espalhados.
Apanhada de surpresa d. Irma, durante alguns segundos, ficou conjeturando, procurando decifrar o que poderia ter ocorrido ali, durante a noite anterior. Foi quando seus olhos depararam com um lugar vazio, exatamente onde deveria estar o aparelho de diatermia que não se encontrava no seu lugar.
Como a porta do quarto da dentista estivesse fechada por dentro, sem que a chave se encontrasse no lugar, d. Irma procurou olhar para seu interior, vendo, então, que d. Anita estava caida no chão. Não podendo atinar com o que sucedera, d. Irma procurou o sr. Higino Hermitice, zelador do predio, a quem relatou o sucedido.
O CADAVER
Subindo até o apartamento, o guarda-civil, usando a chave da porta interior que dá para o quarto da dentista, entrou no quarto deparando, então com um quadro tetrico. D. Anita Carrijo estava morta, com os braços e as pernas fortemente amarrados às costas, caida em decubito ventral. A cabeça estava inteiramente coberta por panos ensanguentados. Uma das meias, a da perna direita, fôra arriada e suas vestes, vestido, sai e combinação, estavam na altura do ventre.
O quarto encontrava-se inteiramente remexido. Papeis e roupas espalhados pelo assoalho e as gavetas abertas, em completo desalinho.
CABELOS DO ASSASSINO NAS MÃOS DA VITIMA
O desarranjo quase total em que se encontravam alguns pequenos moveis do interior do quarto não deixam duvidas de que ela antes de ser morta, lutou com os assassinos, tanto que em sua mão direita, fortemente fechada, foram encontrados fios de cabelos, provavelmente arrancados de um dos assassinos durante a luta de vida e de morte que a infeliz dentista travou com seus algozes.
ESPARADRAPO NA BOCA
Como estivesse coma cabeça inteiramente envolta em pedaços de pano, estes tintos de sangue, ao serem arrancados verificou-se, para espanto geral, que d. Anita Carrijo tinha a boca inteiramente tapada por fortes pedaços de largo esparadrapo. Os pedaços desse adesivo, que foram colocados, uns sobre os outros, iam de orelha a orelha e do queixo até os olhos.
No frontal havia um ferimento provocado por um instrumento corto-contundente, de uns cinco centimetros de comprimento, por menos de meio centimetro de largura e de onde jorrara sangue em abundancia.
MORTA POR ASFIXIA MECANICA
O medico Marcio Santa Lucia, horas depois do encontro do cadaver, procedeu à autopsia, concluindo que d. Anita foi morta por asfixia mecanica, isto é, teve sua respiração impedida.
Peritos do Instituto de Policia Tecnica conseguiram varios levantamentos de impressões digitais deixadas quer no quarto da vitima, quer em seu consultorio dentario.
CONHECIDO DA VÍTIMA [?]
O autor ou autores do bárbaro homicídio – o crime, em suas características deve ter sido cometido por mais de uma pessoa – não podiam deixar de ser conhecidos da vítima, de acordo com as investigações realizadas pela reportagem.
D. Anita Carrijo, segundo sua própria enfermeira, costumava recolher-se tarde da noite, ficando no leito, quase todos os dias, até 10 ou 11 horas da manhã, quando então era acordada para iniciar seus trabalhos rotineiros.
Todos os dias, quando arrumava as coisas da casa e do consultório, encontrava sobre a mesa da cozinha dois copos e duas xícaras, aqueles com restos de vinho e estas com restos de café.
Irmã Sargentelle
Outras pessoas do prédio, ouvidas pela reportagem adiantaram que d. Anita levava uma vida normal, recebendo em seu apartamento amigos e clientes, com os quais, muitas vezes ficava palestrando até altas horas da madrugada.
As circunstâncias de que se revestiu o crime levam a levantar-se a hipótese de que somente pessoas suas conhecidas poderiam ter entrado no seu apartamento para assassiná-la.
Os autores do homicídio conheciam tão bem o apartamento de d. Anita Carrijo, que não tiveram dúvidas em desligar a força elétrica no lugar onde esta fora ligada, não faz muito tempo, por um eletricista contratado pela vítima, ligação essa que se encontrava escondida por detrás de um móvel existente na sala de espera de sua residência.
E mais ainda: no corredor de entrada do primeiro andar, ao lado direito da escada do prédio, existe a caixa do telefone, onde foram feitas 13 ligações de aparelhos espalhados em todo o prédio. Os assassinos tiveram o cuidado de desligar, no interior dessa caixa, os fios do telefone do apartamento da vítima, que foram facilmente encontrados no emaranhado de outros fios ali existentes. Donde se conclui que os autores do homicídio não só conheciam perfeitamente d. Anita Carrijo, hipótese aceita preliminarmente pelos delegados de Segurança Pessoal, como sabiam onde se encontravam as ligações elétricas e telefônicas, que foram cortadas para evitar qualquer surpresa.
ESTEVE NUMA FESTA DE CASAMENTO
Irma Sargentelle, enfermeira da vítima, esclareceu ao reporter que na tarde de sábado último, por volta das 17 horas, ela e a vítima foram a um casamento, na Igreja de S. José do Belem. Posteriormente, ambas dirigiram-se à casa da mãe da noiva, d. Maria das Dores M. Ferreira, à rua Lucio Miranda, 46, no Ipiranga onde houve uma recepção aos convidados.
Segundo suas declarações, d. Anita Carrijo ficou na festa, enquanto que ela, por volta das 21 horas, se retirou para sua residência.
SAIU SEM SER VISTA
D. Maria das Dores M. Ferreira, ouvida posteriormente pela polícia, esclareceu que realmente a vítima esteve na festa de casamento de sua filha, tendo ficado, durante algum tempo, numa área existente em sua casa e onde se serviam bebidas. Por volta das 23 ou 24 horas é que algumas pessoas deram pela falta da dentista, que saíra da festa, ao que parece, sem despedir-se de quem quer que fosse.
Interrogada sobre se Anita Carrijo deixou sua casa acompanhada, não soube explicar, afirmando que, ao que parece, ninguém que ali se encontrava viu quando ela deixou a festa, tanto que ao darem pela sua ausência, estranharam o fato.
MORTA COM A MESMA ROUPA
Prestando outras informações, Irma Sargentelle esclareceu que a dentista foi encontrada morta, em seu apartamento, trajando as mesmas roupas com que esteve, no sábado ultimo, no casamento da filha de d. Maria das Dores M. Ferreira.
IA PUBLICAR UM LIVRO
Na manhã de ontem, quando os trabalhos de levantamento do local estavam sendo iniciados pelas autoridades policiais da Delegacia de Segurança Pessoal, surgiu, no apartamento da vítima, o argentino Nicassio Manuel Corvalon, que interrogado, alegou ter entregue à d. Anita vários volumes de livros especializados em odontocirurgia e que estava acertando, com ela, a publicação de um livro, também especializado, de sua autoria.
O SEPULTAMENTO
Familiares da vítima informaram que d. Anita Carrijo seria sepultada no dia 13 de maio de 1957, às 14 horas.
CONSTERNAÇÃO
D. Anita Carrijo, que era uma das lideres nacionais do movimento divorcista, tinha largo circulo de amizades, tendo sua morte causado consternação geral entre seus amigos.
Trechos extraídos do Diário da Noite (São Paulo), edição n. 9.906 de 13 de maio de 1957
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira