O Jiu-jitsu de Géo Omori

Constituiu acontecimento de singular expressão para quasi todo o país o estranho caso ocorrido com o atleta japonês Géo Omori, que se celebrizou em “rings” brasileiros como bravo lutador de “jiu-jitsu”. Acometido, subitamente, de impressionante, enfermidade, que o deixou prostrado, cego, surdo, mudo e louco, sobre o leito de um manicomio, esteve quasi sete dias sem fazer o menor movimento, em angustiante imobilidade, sem embargo dos desesperados recursos da ciencia para fazê-lo voltar á razão.
E mais impressionante se fazia a molestia por ser até agora de origem desconhecida, conquanto prevaleça até hoje a primeira hipotese formulada, de que o mal sobreviera a dificuldades financeiras, grandes, que atormentavam o espirito do “fighter”.

TRESENTOS CONTOS QUE SE DESBARATAM

Realmente, quem conhece a vida passada de Omori, desde que chegou ao Brasil, pode avaliar a triste situação em que ele hoje se encontra, vivendo apenas do dinheiro que lhe advem do emprego de zelador do aquario da Feira Permanente de Amostrar de Belo Horizonte. Omori, ao deixar sua partia, o Japão, dirigiu-se aos Estados Unidos. Já era então um grande campeão, detentor da “faixa preta”, que no Imperio do Sol Nascente classifica o lutador que jámais foi vencido em combate. Ia disposto a fazer fortuna. E fê-la.

Na temporada que realizou na terra dos dollars, propícia a toda sorte de lutadores, conseguiu juntar bastante dinheiro, a ponto de dispôr de mais de tresentos contos de réis, ao saltar no Rio, para onde então se encaminhara disposto a descansar.

Onde procurava descanso, entretanto, só encontrou trabalho. Decidido a abandonar o violento sport a que dedicara toda a sua vida, resolveu tentar outra sorte de ocupação e foi assim que, de campeão de jiu-jitsu, se transformou em modesto comerciante. Estabeleceu-se em São Paulo, com uma casa de peixes raros e de fantasia. Já em sua patria mostrava predileção por essa especie de negocio, tão conforme, aliás, ao seu temperamento sossegado, um tanto apatico, amigo do silencio.

Foi infeliz. O estabelecimento não lhes correspondeu á expectativa. Deu prejuizo. Pessoas que privavam de sua intimidade por essa época dizem que Omori não demonstrou ser bom negociante. O cliente lhe fazia mais exigencias que Omori a ele. E o japonês acabava por ser convencido, desfazendo-se do que tinha mais para satisfazer aos que procuravam que para ganhar dinheiro. Coração bonissimo, revelava-se incapaz de uma exigencia teimosa, pertinaz.
Por outro lado, o genero de comercio que escolhera era dos mais ingratos. Morriam-lhe os delicados peixinhos ás duzias. Faliu por fim.

NO RIO

Um dia Omori apareceu no Rio. O jiu-jitsu era praticamente desconhecido entre nós. O campeão não quis aproveitar a excelente oportunidade logo. Antes de nada, cuidou de sua velha paixão. Estabeleceu-se com os peixinhos, no antigo edificio de “O País”, na avenida Rio Branco. A “guigne” o perseguia. Os maus negocios continuaram. E novamente Géo Omori faliu, com prejuizos ainda maiores e mais graves.

Novamente foi para São Paulo e novamente se estabeleceu. Era já uma mania. Reconhecia ser o ambiente ingrato. Poucas pessoas visitavam seu estabelecimento, e assim mesmo querendo levar por preço baixo as preciosidades que Omori colecionava com verdadeira paixão. Os tresentos contos se desbaratavam, iam pouco e pouco desaparecendo. Um dia chegou a penuria, a triste penuria do campeão. para não passar por privações, voltou ao sport, aceitando o convite que lhe fazia a administração do Circo Irmão Juliriolo.

RESSURGE O LUTADOR!

O aparecimento de Omori em “rings” brasileiros foi um acontecimento de extraordinaria expressão sportiva. Modalidade de sport quasi ainda sem cultores no país ‒ existiam apenas os irmãos Gracie ‒ conquistou a simpatia, o entusiasmo popular. As primeiras exibições de Omori o consagraram.
Longo tempo de retraimento, de ausencia dos “rings” não tinham arrefecido o vigor do campeão. Era ainda o bravo, o inconfundivel Omori, o homem da “faixa preta”.

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Os cronistas esportivos dedicaram-lhe longas colunas de noticiario, glosando a excelencia de seus conhecimentos tecnicos. Foi um sucesso. Em São Paulo não se falava de outro “sportsman”. Decoraram-lhe o nome até as crianças, embevecidas diante daquelas quédas espetaculares, emocionante, do campeão.
No Rio os irmãos Gracie introduziram a novidade do jiu-jitsu. Omori foi convocado a participar da temporada que se inaugurava. Veiu, venceu e consagrou-se. A fortuna sorriria-lhe novamente. Mas…

Enquanto lutava, só tinha uma preocupação: o comercio dos peixinhos. Assim que pôde, começou a examinar as possibilidades de reabrir o estabelecimento. Em São Paulo, com os quatros contos que lhe pagava o circo, tinha prosseguido nos negocios, perdendo sempre. Lutador de fibra, achou, porém, que ainda devia insistir. E foi assim que surgiu novamente o comerciante Omori. Sua casa, na rua Gonçalves Dias, tornou-se o ponto de atração dos “sportsmen” e cronistas. Falava-se ali mais de jiu-jitsu que de peixes…

Vieram patricios de Omori, tambem lutadores de jiu-jitsu, atraidos pelo sucesso que ele alcançava. E os “rings” cariocas vibraram ao rumor daqueles “matches” emocionantes. O sport niponico empolgou a cidade. Os irmãos Gracie abriram uma academia, na rua Marquês de Abrantes. Não se falava de outra coisa. E até o malandro do morro ia deixando o “rabo de arraia” ao abandono, desprezando a “rasteira” secular e legitimamente brasileira, para tentar aprender “tesouras”, “chaves de braço”, “gravatas”, etc.

A velha tapona, incisiva, contundente, humilhante, cedeu logar á aristocratica chave de braço, á discreta pancadinha sobre os rins, que ninguem se pejava de conhecer, mesmo nos salões elegantes.
Parlamentares austeros, sizudos, iam ás escondidas presenciar o espetaculo. E até um sacerdote, não menos digno que os mais, que conciliava os interesses da Igreja com os da Politica, se permitiu a liberdade de anunciar publicamente que iria aprender o “jiu-jitsu”, afim de resolver quaisquer embaraços que porventura surgissem no harmonioso ritmo de sua carreira pela Camara dos Deputados…

GLORIA

Omori, Gracie, Miaki, Iano e tantos outros constituiram então a pleiade maravilhosa. Ditadores da simpatia publica, viam seus nomes enchendo paginas dos jornais e a boca do povo. Em qualquer rincão da cidade que se citasse um desses nomes todos o conheciam. E o primeiro, principalmente, se cercava de uma verdadeira aureola.
Mas… a casa dos peixinhos continuava. Ponto de atração dos lutadores niponicos, lá ia como barquinho de papel pela vida fóra.

Muitas vezes os jornalistas surpreendiam por detrás do balcão um rosto feminino, sempre sorridente. Não dizia uma palavra em português, mas sorria tão á brasileira que todos a compreendiam.
Cetuko, a esposa de Omori. Meiga, carinhosa, não abandonava jamais o companheiro. Quando Géo tinha negocios a resolver fóra, lutas a combinar, ela alí permanecia, vigilante, sorrindo apenas para os que chegavam e saiam.

Géo se considerava feliz. A tempestade lhe levara tudo ‒ mas a vida não estava alí, á sua frente, ainda risonha? Lutaria, procuraria conseguir a prosperidade passada. Forças não lhe faltariam.
Para cumulo de contentamento, dois olhinhos de amendoas num rosto palido e mimoso vieram encher o lar do lutador ‒ Kimika, florzinha graciosa que brotara daquele amor tão constante.

OCASO

Não ha gloria sem ocaso. O de Omori veiu por fim. Teve de passar o negocio adiante. As lutas escassearam. A idade pesava-lhe e outros concorrentes apareciam na liça, a disputar-lhe a popularidade. Raro em raro, o nome vinha nos jornais. Era a “debacle”.

NOS ESTADOS

O tempo correu, fazendo crescer as dificuldades. Desesperançado de reconquistar a boa situação passada, Omori resolveu sair do Rio. Foi para os Estados, realizar lutas avulsas. E assim se encontrava agora em Belo Horizonte, quando o colheu a fatalidade.

LOUCO, CEGO, SURDO E MUDO!

Na capital mineira deram-lhe o emprego de zelador do aquario da Feira de Amostras Permanente, com 1:400$000 mensais. Era ainda a velha paixão ‒ de que nunca pôde livrar-se. Para um outro qualquer, o ordenado satisfaria. Mas para Omori, era uma tortura. Apagado, sentia estiolar-se naquela vida pacata e pouco rendosa. Não lutava quasi e, lembrando-se da esposa que ficara no Rio, a tristeza aumentava-lhe, tomava-lhe todo o coração.

Morava com um companheiro dos tempos aureos. Mossoró, “sportsman” português, que se afeiçoara intensamente ao antigo campeão. Era o unico confidente daquela magua, que, entretanto, pouco transparecia. Na infelicidade, Omori conservava a reserva de sempre. Sorria ainda, mas, quem lhe pudesse ver a alma, se assombaria com o esforço de que resultava aquele sorriso.

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Um dia, ao recolher-se, Mossoró passou pela Feira de Amostras. Preocupado com a tristeza do amigo, queria vê-lo acompanhá-lo á pensão em que residiam. Não o viu no logar costumeiro. Procurou e foi então encontrá-lo estirado, inerte, sobre um banco.
Inquietou-se. Chamou pelos outros empregados da Feira e soube que havia mais de seis horas o campeão se achava alí deitado, sem um movimento siquer. Sacudiram-no. Não se mexeu. Falaram-lhe. Não respondeu. Puseram-no de pé. Ia caindo, se o não amparam.
Angustiado, Mossoró pegou Omori ao ombro e saiu a correr com ele até á pensão. E chamou imediatamente medicos, que fossem soccorrer os companheiros.

NO MANICOMIO

Os proprios medicos se impressionaram com o que se passava. Omori estava louco, cego, surgo e mudo! Por que? Aplicaram-lhe injeções, deram-lhe massagens, inutilmente. A imobilidade, pavorosa, persistia.
Não havia outro recurso sinão remover incontinenti o lutador para um hospital, o Instituto Raul Soares. O diretor, Dr. Galba Moss Veloso, julgou o caso singularissimo. A que se devia? A libação alcoolica? A demasiado esforço no “ginr”? A desgostos profundos?

CETUKO E KIMIKA

Cetuko e Kimika, avisadas do doloroso fato, foram correndo a Belo Horizonte. Nada puderam fazer. As lagrimas da esposa de nada valeram para o lutador adormecido. Não ouviu as meigas palavras, sussurradas, em angustia, aos seus ouvidos.
Foi Cetuko quem esclareceu aos medicos a causa do mal de Omori. Atribuia-o mesmo ás dificuldades financeiras. E, por intermedio de Iano, o lutador niponico que tambem estava á cabeceira do enfermo, revelou que ha muito notara aquele acabrunhamento no companheiro, cada vez mais intenso. Omori não se conformava com a situação que o destino lhe reservara. Depois de ter tanto dinheiro, a salvo de quaisquer privações, via-se reduzido a viver do proprio ordenado, a cortar as despesas com a familia. E então, o cerebro o traiu, fazendo-o tombar imovel, cego, surgo, mudo e louco.

A MORTE

Omori, o formidavel lutador, o homem de musculos elasticos e possantes, que derrubara centenas de mestres na sua arte, cujo coração resistira aos mais tremendos embates, jazia no leito, abatido, destroçado. Era uma grande criança inerme, sem vontade definida e, ademais, desprovido de seus mais preciosos atributos físicos. Os medicos tudo fizeram para salvá-lo. Assistiram-no desveladamente, com empenho especialissimo, tanto mais que não puderam caracterizar com segurança rigorosa, sua molestia.

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Então, veiu o fim. Omori, aos 40 anos de idade, morreu, deixando viuva e a filhinha orfã. Omori, invencivel campeão, perdeu em luta com uma molestia fulminante, arrasadora. Venceu-o a morte por golpe inapelavel.
Honra a Géo Omori, lutador leal, perfeito cavalheiro, bom esposo e otimo pai.

A Noite – Ilustrada, 1938.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

 

 

A “Gazeta” dá a volta ao mundo, sem sair de São Paulo!

Em 1927, o jornal A Gazeta, sob a premissa de que os imigrantes se agrupavam em pequenas versões de suas terras natais na cidade de São Paulo, publicou uma série de artigos que pretendiam explorar tais comunidades.

Os artigos construíam uma narrativa fantasiosa, simulando uma verdadeira viagem ao redor do planeta, em que o “avião” da equipe jornalística passeava por vários países, quando na verdade se tratava de um mero passeio pela cidade de São Paulo.

Em sua visita ao Japão, ou melhor, ao bairro da Liberdade, o jornal A Gazeta descreve suas impressões da comunidade japonesa em um período em que esta comunidade ainda lutava para buscar seu espaço na sociedade paulistana.

Sinalizando a falta de conhecimento por parte da equipe jornalística que foi encarregada de realizar a matéria à época, o fruto dessa visita à Liberdade é um artigo cheio de preconceitos e concepções equivocadas acerca do povo japonês, e pode ser conferido abaixo:

“O temor de encontrarmos o Japão devorado por um imprevisto terremoto faz com que o nosso roteiro seja alterado — Preferimos ir de Roma a Tokio para depois voltarmos a Beyrouth — A terrivel travessia: Braz-Conde de Sarzedas — O Japão examinado com oculos de augmento

Os ultimos acontecimentos do nosso raide á volta do mundo foram extraordinarios. Ás 5 horas da tarde levantamos vôo de Roma com destino a Beyrouth, com o “Chevrolet-Ford” em perfeito estado e pesado de gazolina. A temperatura estava magnífica e tudo nos fazia prevêr um esplendido vôo noturno.

Uma hora depois de estarmos no ar, um pensamento diabolico nos assaltou: iamos para a Syria. Mas si durante o tempo a despender com essa escala — o Japão, a nossa seguinte parada, fosse devorado por um terremoto?

A idéa foi tomando vulto, foi crescendo, e quando contamos nos dedos os ultimos onze terremotos e maremotos do Celeste Impedio — resolvemos alterar, embora com grandes sacrificios, o roteiro que seguiamos, rumo á Syria. E confiando demasiadamente na complacencia dos nossos motores, decidimos fazer a travessia directa Roma-Tokio, aperfeiçoando a aventura do grande De Pinedo, para depois regressar-mos ao Monte-Libano.

OS IMPREVISTOS

É verdade que chegamos á Capital do Japão. Mas só Deus sabe como se deu essa travessia através de todo o continente asiatico! Lá em cima — ninguem para indicar o caminho; em baixo um povo exquisito e barbaro, chinezes, tartaros, gente que não explica sinão por grunhidos impenetraveis. Felizmente a Providencia veiu a tempo em nosso auxilio, mandando que um nordeste violentissimo nos arrastasse mais para o norte. Em Irkust percebemos os trilhos da Estrada de Ferro Transiberiana, que faz o trajecto Berlim-Tokio. Era um milagre!
Seguindo o leito da maior ferrovia do mundo, chegamos á China, atravessamos o canal que o trem atravessa em “ferry-boat” e cahimos no Japão, em Tokio, com o tanque de gazolina completamente secco!
A nossa chegada foi um reboliço! Milhares de japonezes cercavam o apparelho e gritando, pareciam applaudir a nossa façanha.

O JAPÃO

O Japão é uma ilha pequenina, mas repleta de gente. Só tem uma rua bonita, essa mesma num declive medonho: a rua Conde de Sarzedas. O resto é tudo villas e becos sem sahidas, mas de um pittoresco inegualavel.

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O Japão é um paiz impressionante. Impressionante sobretudo, porque é completamente diferente do resto do mundo. Nós estivemos em Portugal, na Hespanha, na Allemanha e na Itália. Todos esses paizes parecem entre si. É a mesma civilização assombrosa, o mesmo progresso, o mesmo espirito, a mesma cultura e quasi a mesma lingua.
As cidades todas são eguaes, com as mesmas avenidas largas, os mesmos palacios e os mesmos monumentos. Nada as differe.
Mas o Japão não é assim. Tudo é diverso, bizarro e exquisito.
A cidade de Tokio é um declive, como ja dissemos (é por isso que todo o japonez soffre do coração e é corcunda de tanto subir a sua rua). As casas são uma “pagodeira”… Pequenas, de pouco fundo, nellas residem dezenas de familias. Cada qual abriga seguramente trinta pessoas. Em verdade a gente do Japão é pequena. Mas trinta pessoas occupam consideravel espaço, mormente quando estão na posição horizontal, que (parece paradoxo!) é posição de dormir dos japonezes, tambem.
Cada casa, portanto, é um cortiço, geralmente abaixo do nível da rua. Nos dias de chuva a inundação é inevitavel. O japonez, porém, educado na resignação perante o Senhor, que lhe dá mensalmente dois ou tres terremotos ou catastrophes ainda peores, o japonez quando vê que o seu quarto está transformado numa lagôa — não se incomoda. Vira para o canto e dorme tranquilamente. A agua desapparecerá com o sol no dia seguinte ou dahi ha um mez…

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O NIPPONICO

é um typo estranhamente interessante. Pequeno e forte, de cabellos duros como arame e pretos com azeviche de olhos obliquos, de amendoa, e dentes amarellos e cavallares — o filho do Celeste Imperio é uma figura incommodativa ao viajar que lhe desconhece as virtudes do coração bonissimo.
Fala em grunhidos desafinados, ora sibilando a lingua entre os dentes, ora soltando as palavras pelo nariz ou ainda guturalmente as pronunciando pela bocca.
E não se percebe uma unica palavra, é excusado affirmar.
Vive o mais sollitariamente possivel no seu Tokio paulistano, com a familia geralmente grande e não tem amigos que não sejam seus patricios.
As profissões que mais convêm ao japonez: a de copeiro, “chauffeur” ou fabricante de artefactos de madeira ou papel de seda.
Como copeiro é maravilhoso porque não fala com os demais criados da casa e porque, carregando sempre uma physionomia inalteravel, dá a impressão de ser surdo a tudo quanto se fala ao seu lado.

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AS IMPRESSÕES DE VIAGEM

Apenas desembarcámos, avistámos a “Pensão Yocohama”, que fica logo no começo da rua principal de Tokio. É pequena, mas parece ser a mais importante pensão do lugar.
O almoço foi execravel o nosso estomago. depois de uma prataria de arroz brando e com pouco sal, veiu picadinho de carne de porco misturado com uma verdura muito parecida á nossa serralha, muito mais amarga, porém. Em seguida um pastelão que não era positivamente feito com gordura ou manteiga naturaes… Sobremesa: banana de mistura com uma substancia salgada e parda que não podemos comer porque ficámos todos indispostos…

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Logo após a refeição, passeámos longamente com o consul japonez, um perfeito cavalheiro, de finas maneiras e vasta cultura. Falou-nos demoradamente do problema immigratorio, as suas vantagens, a adaptação do japonez na lavoura e a sua resistencia physica para o trabalho.
Na verdade o japonez se dedica quasi exclusivamente á lavoura. O littoral está cheio delles, que no plantio do arroz e da batata são peritos
Só vivem nas cidades quando a sua manutenção alli é garantida. Mas não apreciam mesmo o movimento de uma cidade cujos costumes, linguas e até a physionomia dos outros, differem absolutamente da sua patria.

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Existem neste Japão cerca de cincoenta mil nipponicos. Na Capital não ha mais do que dois mil habitantes. O resto está para a roça. Mas existem aqui dois esplendidos jornaes: o “Nipack-Chinbum”, e o Noticias do Brasil”, além de uma “Revista de Agricultura”, todoas eles editados em japonez e com tiragem bastante satisfactoria.
Á tarde, dirigiamos-nos ao aerodromo para regressar a Beyrouth com dois nossos velhos amigos: o prof. Alfredo Paulino e o dr. Raul do Valle, dois brasileiros que vivem pacatamente no Japão ha mais de 40 annos, sempre com immensas saudades da terra onde canta o sabiá…”.

A Gazeta, 4 de junho de 1927.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

Uma imagem pornô para o Cine Jóia

A partir do próximo dia 27, o público interessado no cinema japonês perde uma sala de exibição. O cine Jóia, que há vinte anos, através do circuito Serrador, exibia as produções da Toho, mudou sua orientação, anunciando que dedicará a sala às pornochanchadas, com programa triplo e preços populares.

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Há muito tempo essa situação já estava sendo adivinhada, desde que o rigor dos mecanismos protecionistas, adotados pela Embrafilme para fortalecer o cinema nacional, passou a ser sentido com mais intensidade. Ficou claro – explicam os exibidores – que as imposições da Embrafilme só poderiam ser atendidas pelas exibidoras norte-americanas, fechando o marcado para filmes com certificados de outras nacionalidades.
Depois do Cine Nikkatsu, na rua São Joaquim, que durante algum tempo funcionou com o nome de Cine Álamo, o primeiro a ser vencido pelas dificuldades impostas pelo Governo foi o cine Jóia, na Praça Carlos Gomes.
Agora, apenas duas salas, o cine Niterói na avenida da Liberdade e o cine Nippon, na rua Santa Luzia, exibirão filmes japoneses.

Francisco Sanchez, gerente do Jóia e funcionário da exibidora Serrador desde setembro de 1945, admite que o movimento no cinema há muito tempo deixa a desejar: ontem à tarde, desde o início das sessões, haviam vendido apenas 400 ingressos.
Poucos transeuntes, que passavam pela praça Carlos Gomes, davam atenção aos cartazes, anunciando o filme da semana – “O Fantástico Renegado” – série com Wakayama Tomisaburo, que deve encerrar a programação japonesa do cinema. Para os exibidores isso é consequência direta das restrições colocadas pela Embrafilme para a importação de filmes estrangeiros, cujas exigências acabam só podendo ser satisfeitas pelos produtores norte-americanos, detentores de um mercado exibidor compensador.
Francisco não está muito preocupado com o fim do cine Jóia, lembrando que dentro em breve deverá se aposentar. Com 75 anos, já é difícil para ele lembrar datas com exatidão, mas não nega que a casa teve melhores tempos.
O cine Jóia exibia filmes japoneses há vinte anos, logo depois que Hajime Sakai, diretor da Toho, veio ao Brasil em 1956 e assinou um contrato com a Serrador para distribuir seus filmes.

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Cine Jóia nos anos 1950. Acervo: Alexandre Kishimoto

Durante muito tempo, relativamente pequeno para o público que o procurava, o cinema teve a lotação praticamente tomada a cada novo filme que colocava em cartaz. No entanto, de dois anos para cá, com os problemas criados pela Embrafilme, a exibição de novos filmes se tornou cada vez mais difícil e os exibidores recorreram às reapresentações, vendo o público diminuir.
Há tempos, os interessados no cinema japonês já previam o problema e explicavam suas causas.
Segundo funcionários das distribuidoras de filmes japoneses, que evitam se identificar, há quase um ano os seus cinemas só exibem reprises, pois as barreiras para a importação de um filme são “excessivas”. Quando o certificado de Censura dos filmes ainda disponíveis vencer, não haverá mais filmes e os cinemas terão de fechar as portas
Nas distribuidoras das empresas Shochiku (cine Nipon), Toei (cine Niterói) e Toho (cine Jóia), o clima é de desalento e inconformismo. mas seus diretores procuram não criticar a ação da Embrafilme e se negam até a dar entrevistas.
“Há um clima de medo, de que a situação piore ainda mais, pois a ação da Embrafilme é ditatorial”, comenta um funcionário.
Recentemente, a Toho Filmes, que importou quase todos os filmes do mais famoso diretor japones Akira Kurosawa, fechou seu escritório, que mantinha na avenida da Liberdade. Seu diretor-presidente foi chamado de volta ao Japão e seus interesses no Brasil passaram a ser defendidos por um antigo funcionário da empresa, que se instalou numa modesta sala da rua dos Estudantes, também no bairro da Liberdade.

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Cine Jóia nos anos 1950. Acervo: Alexandre Kishimoto

Um crítico especializado no assunto reconhece que o cinema japonês encontra-se há muito tempo em completa decadência, devido à forte concorrência da televisão. Os grandes diretores, que fizeram do cinema do Japão um dos melhores do mundo, na década de 60, como Heinosuke Gosho, Tadashi Imai, Hiroshi Inagaki e Keisuke Kinoshita deixaram de trabalhar há muito tempo, desiludidos com a queda no nível de produção.
“Mas – ressalta – existe uma produção independente bastante ativa, que se não oferece filmes de alto nível, como há anos, tem feito obras polêmicas, revelando diretores novos e de bastante talento. Como as distribuidoras internacionais não se interessam por filmes desse tipo, de escassas possibilidades comerciais, a única saída era a importação através de empresas japonesas. Mas nas atuais condições isso está difícil, pois com o alto custo da importação, as distribuidoras preferem, quando podem, trazer filmes de karatê ou policiais, que têm bilheteria certa”.
Segundo o crítico, no caso do cinema japonês os mecanismos protecionistas da Embrafilme funcionam como uma faca de dois gumes. Isso porque, pela legislação atual de proteção aos laboratórios nacionais, os distribuidores japoneses são obrigados a fazer no Brasil uma cópia de todos os filmes que importam. “Como eles precisam de apenas uma cópia, para exibição no cinema da colônia, acabam vendendo a outra a preço baixíssimo para um distribuidor brasileiro qualquer. Com isso, um filme japonês, que teoricamente deveria ser exibido apenas num cinema especializado, vai para as salas comuns, do centro, fazendo concorrência com a produção nacional”.

Esse expediente, que vinha sendo usado pela Toho Filmes, com seus filmes de guerra e de monstros espaciais, não serve para a Toei Filmes, que controla o cine Niterói. Pelo contrato celebrado no Japão, a produção da Toei importada pelo cine Niterói só pode ser exibida nesse cinema da colônia. Os direitos para a exibição no resto do Brasil pertencem à multinacional americana CIC (Cinema International Corporation).
Para um crítico a única forma de evitar o fechamento dos cinemas japoneses de São Paulo é a criação de uma regulamentação específica para os cinemas da colônia. A Embrafilme poderia baixar a taxa e dispensar a copiagem brasileira de qualquer filme de exibição restrita, proibindo-se a projeção no circuito comercial comum. Dessa forma, um filme japonês somente poderia ser exibido nos cinemas da colônia (Nipon e Niterói). E, quem sabe, os cinemas poderiam exibir filmes de melhor qualidade.

“Não somos contra o cinema brasileiro, diz o funcionário de uma distribuidora. mas achamos que os japoneses, que contribuíram para o progresso do Brasil, têm o direito de continuar a assistir aos filmes produzidos em seu País”.

Folha de S. Paulo, 21 de novembro de 1978.
Fontes:
Acervo Folha
SP da Garoa

 

 

Panorama do mundo em 1938

1939-01-01 cp panorama do mundo em 1938 img11938 principia bem. A Hollanda recebe, com alegria, uma pequena princeza (1). No Egypto, realiza-se a cerimonia do casamento do seu jovem rei. (2)
Mas, isso era, apenas, o preludio. Nos bastidores, preparavam-se os grandes lances da politica internacional.

Em meiados de fevereiro, Eden pede demissão, (3) em signal de protesto contra a politica exterior de Chamberlain. Alguns dias depois, o Kansier federal da Austria, Schuschnigg, pronuncia, importante discurso, (4) que é seguido de um convite, por parte de Hitler, para que o visitasse, em Berchtesgaden.

Os acontecimentos succedem-se rapidamente.

A Allemanha mobiliza grandes contingentes de forças militares, e, em meiados de março, Hitler faz a sua entrada em Vienna (5), annexando, assim, a sua antiga patria ao grande imperio allemão.

O pequeno reino albanez celebra, nos ultimos dias de abril, (6) as bodas do rei Zogu. A guerra civil, na Hespanha, continua com grande violencia. O telegrapho annuncia, constantemente, tremendos ataques aéreos (7) e ainda não se divisa quando terá termo a associação do formoso paiz e o soffrimento do seu povo heroico.

Como um attestado da solidariedade entre os dois paizes, os soberanos inglezes retribuem a visita do primeiro magistrado da França á Grã Bretanha, no mez de julho (8). Na Palestina, (9) o odio, entre judeus e arabes, inflamma-se de novo, e, até o fim do anno, a situação se mantem inalterada.

Póde-se dizer o mesmo da invasão japoneza na China (10). As tropas chinezas tiveram de ceder, muitas vezes, ante a estrategia do Japão – mas, até agora, não se tem em mira decisão alguma.

Uma vez ainda, durante o anno, a Hollanda se torna alvo da attenção dos povos: a rainha Guilhermina commemora, no dia 6 de setembro, o seu 40º anniversario (11).

Faz-se cada vez mais grave a tensão entre a Allemanha e a Tchecoslovaquia. Na Bohemia, os allemães sudetos principiam a movimentar-se. Hitler promette-lhes, se necessario, auxilio militar. A Europa, em setembro, teme, duranta alguns dias, de angustiosa expectativa, a explosão de uma nova guerra, de consequencias muito mais desastrosas que a de 1914.

O primeiro ministro Chamberlain visita Hitler repetidas vezes, de avião. Mas, antes, no dia 29, em Munich, Chamberlain, Daladier, Mussolini e Hitler (12) assignam um convenio, segundo o qual fica decidido o destino da Tchecoslovaquia. O presidente Benes é expatriado. E, finalmente, no dia 3 de outubro, Hitler consegue fazer a sua entrada na Allemanha dos sudetos. Os marcos das fronteiras são derrubados (13).

Pouco depois, a Polonia e a Hungria tomam conta de novos territorios.

Emquanto isso, o anti-semitismo toma corpo em varias regiões da Europa. Os judeus do mundo todo são testemunhas da grande tragedia dos seus companheiros de raça.

Tudo isso enerva tanto um jovem judeu-polaco, que no dia 7 de novembro, na legação allemã, em Paris, dispara um tiro certeiro sobre Ernesto von Rath (14). O assassino é preso. No dia 9 de novembro, von Rath morre, em consequencia do ferimento. No dia seguinte, ante a estupefação do mundo todo, flammejam os incendios em todas as synagogas da Allemanha (15).

Na Turquia, morre Ataturk, sendo o seu posto occupado por Ismet Inonu (16).

Nos Estados Unidos, as eleições são, até certo ponto, desfavoraveis ao presidente Roosevelt, que, mais tarde, se dedica, com grande energia, á actual questão dos judeus na Europa (17).

Os judeus e as colonias na Africa são os problemas mais graves que o anno que findou deixa para 1939.

Correio Paulistano, 1 de janeiro de 1939.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

A grafia original foi mantida.