Para melhorar o tráfego na Av. Rangel Pestana (1948)

Imponente viaduto de concreto transporá o leito da ferrovia

Terá a largura da artéria e 220 metros de comprimento, sendo de suave elevação – Apresentar-se-á num bloco de grande suntuosidade, sem causar a menor dificuldade de ordem técnica

O sr. Pedro de Andrade Lemos, chefe dos Serviços de Eletrificação dos Subúrbios de S. Paulo projetou uma forma de solução para o tradicional problema do Brás, as porteiras da avenida Rangel Pestana.

Na tarde de ontem o prefeito Paulo Lauro reuniu em seu gabinete os representantes da imprensa da Capital a fim de demonstrar a maneira de resolver o grave problema de trânsito e a ligação entre o Brás e o centro da cidade de S. Paulo. Exibindo mapas e fotografias da “maquette” do projeto que mandara realizar, esclareceu que será ele prontamente enviado à Câmara Municipal, como medida preliminar para a sua execução.

UM VIADUTO DE CONCRETO

Não quis os sr. Paulo Lauro que S. Paulo assistisse mais uma passagem de aniversário sem que tivesse sido encontrada uma fórmula definitiva para esse tão velho e grave problema. Dessa forma apressou a elaboração do projeto, agora concluído. S. Paulo, cidade de viadutos e das largas e novas avenidas, terá em breve mais um grande viaduto de concreto, que, com rampas em suave elevação, transporá o leito de ferrovia, em toda a largura atual da avenida Rangel Pestana.

Nada menos que 220 metros terá a nova realização arquitetônica, e com a largura de 30 metros e um alinhamento a outro. O Viaduto “Adhemar de Barros”, pois esse será o seu nome de batismo, terá três vãos livres, sendo um central, de 22 metros de largura e seis de altura, abrangendo todo o espaço presentemente utilizado pela Estrada Santos-Jundiaí, e dois vãos de 17 metros de largura por 8 de altura, para o trânsito das ruas laterais e paralelas ao leito da estrada.

NENHUMA DIFICULDADE DE ORDEM TÉCNICA

Em seguida o governador da cidade passou a examinar a questão de problemas de ordem técnica que por ventura deveriam surgir. Explicou pormenorizadamente à reportagem, que a forma de solução para o problema não apresenta senão vantagens: não dificultará nem impedirá o sistema de redes de força elétrica dos trens e bondes; não modificará o atual sistema de transportes naquela artéria, pois os veículos poderão transpor com facilidade as rampas suaves, sem interrupção do tráfego; nenhum problema surgirá no que diz respeito ao sistema de águas pluviais e esgotos, e isso em virtude de poder ser o viaduto aterrado nas duas terças partes iniciais, a leste e oeste, dado o seu declive de 7,5 por cento, apenas; seus três vãos livres de abertura mínima de utilização exigem estrutura simples e permitir a construção das dependências laterais em alvenaria de tijolos e colunas de concreto, independentes do sistema do conjunto.

MAIS SUNTUOSIDADE E BELEZA AO LOCAL

Prosseguindo na sua exposição, disse o sr. Paulo Lauro que o Viaduto “Adhemar de Barros”, além da sua grande utilidade, concorrerá para dar maior suntuosidade e beleza ao local, pois, com as desapropriações das faixas laterais, poderá ser visto em conjunto e em toda a sua grandeza, como acontece com o Viaduto do Chá. Os terrações das dependências laterais do viaduto constituirão um excelente mirante sobre a zona baixa da cidade.

Falando das vantagens da utilização do Viaduto “Adhemar de Barros”, salientou o prefeito da Capital que as faixas laterais de 30 metros, ocupando terrenos a serem desapropriados, viriam a facilitar o acesso de veículos à Estação Roosevelt, assim como o retorno de veículos dentro das leis do trânsito dirigido. A largura do viaduto, igual à da Avenida Rangel Pestana, não apresentaria congestionamento, dando livre transposição aos veículos e pedestres.

Além de todas as suas vantagens, acrescentou o sr. Paulo Lauro, há a possibilidade da instalação de um posto de Radio Patrulha e Assistência Pública na parte inferior, para atender às necessidades da zona além-ferrovia, de uma agência de Correios e Telégrafos, agência de informação dos sistemas de transportes estadual e urbano, e instalações sanitárias, amplas e higiênicas.

Diário da Noite, São Paulo, 24 de janeiro de 1948.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Nada de anormal, apenas o tráfego (1947)

Pouca pessoas terão idéia suficiente do nosso tráfego. Pelo menos, à primeira vista, com estas duas fotografias, vão imaginar que se trata de um desastre. Mas não é desastre nenhum. Isto acontece em S. Paulo.

As fotografias foram tiradas num dia qualquer da semana, numa esquina vulgar da cidade, a esquina das avenidas Ipiranga e S. João, e retrataram um aspecto comum da desordem do tráfego, que ocasiona congestionamentos desesperadores, e uma barulheiras de businas ainda mais desesperante.

São automoveis, bondes, ônibus, caminhões, até a tração animal, bicicletas, tudo num redemoinho danado nas esquinas da cidade. E o paulistano nem suspeita que está testemunhando uma complicação de tal ordem. Quando repara é o que está aí nesses flagrantes: um foi feito ás 11,30 horas, o outro ás 12,08 minutos, sob a luz do meio-dia.

Não está semelhante estado de coisas a exigir uma solução?

Diário da Noite, 17 de fevereiro de 1947.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original foi mantida em sua integralidade preservando as regras ortográficas vigentes à época.

Está exigindo uma reforma o velho Museu do Ipiranga

Não está em condições de receber visitas, o imponente edifício – Até hoje, não foi dotado de eletricidade

A administração paulista através da Comissão do IV Centenário, já está dando providências no sentido de revestir de brilho os festejos que assinalarão a passagem do quarto século de fundação da cidade de São Paulo. Verbas têm sido votadas nas casas legislativas, inclusive a necessária para a instalação da Comissão que cuidará de orientar as comemorações. Tudo indica, pois, que São Paulo, embora não com a suntuosidade esperada – que se tornaria descabida numa época de economia como a atual – irá festejar, condignamente, o seu quarto centenário.

ESQUECIDO

Ao que parece, porém, dos melhoramentos previstos para as cerimônias cívicas que então serão assinaladas, o Museu do Ipiranga está sendo totalmente esquecido. Entretanto, trata-se de um setor que os responsáveis não deveriam olvidar, por ser tratar de local onde se encontram depositadas verdadeiras jóias não só da história de São Paulo, mas também, do Brasil.

LASTIMAVEL

O estado atual do Museu do Ipiranga – qualquer pessoa o poderá constatar – é deploravelmente lastimavel. Dir-se-ia estar relegado ao mais completo abandono. Ao que parece, a atual administração do Museu luta com a falta de verbas e, consequentemente, ver-se-ia tolhida, na tarefa de cuidar como devia das relíquias que lhe foram confiadas. A exposição das mais interessantes peças da nossa história é desordenada, não obedecendo à técnica de Museu. A etiquetagem é velha e lacônica. muitas peças expostas não possuem sequer etiquetas explicativas ou simplesmente elucidativas. Tem, o visitante, a impressão de que nada se faz no sentido de preservar os objetos históricos da ação do tempo.
Uma simples vista de olhos pela sala de armas confirmará a assertiva. A generalidade dêsses objetos está tomada pela ferrugem e não se nota qualquer demonstração de cuidado para evitar a ação corrosiva.

ABANDONO

Observou a reportagem que no porão do edificio, atualmente em reforma, estão relegados ao abandono verdadeiras reliquias. Vêem-se ali quadros, celas e até ferragens com as quais, na época da escravatura, os fazendeiros prendiam os escravos. Assim, encontram-se amontoados a um canto do porão, correntes, pesos e algemas, documentos vivos de uma época da história. Esse material talvez permitisse a organização de uma “Sala da Abolição”, por exemplo.

Ainda no porão do Museu, onde a reportagem penetrou sem ser pressentida, vêem-se ferragens antigas ali depositadas sem o menor cuidado

IRREGULARIDADES

Embora muita gente o ignore, o edificio do Museu do Ipiranga não é dotado de luz elétrica! Os funcionarios, geralmente, são obrigados a deixar o serviço pouco depois das 16 horas, quando o dia começa a escurecer, pois, dada a falta de luz, o trabalho se torna impossivel.

Para clarear parte do edificio, existem varias claraboias. A principal, colocada bem ao centro do prédio, sobre uma escada de mármore – autêntico mármore de Carrara o mais fino em matéria de mármores – está completamente quebrada. Quando chove, o alvo mármore fica completamente alagado e os funcionários penam para retirar dele a ferrugem desprendida do teto estragado.

Esta é a claraboia central do edifício do Museu do Ipiranga, que não é dotado de energia elétrica. Está com os vidros quebrados, por onde penetra chuva, que vai manchar a alva escada de autêntico mármore de Carrara

Durante a administração anterior, foram construidos varios reservados sanitarios para uso dos visitantes. Atualmente, esses aparelhos sanitarios, embora em bom estado, foram interditados inexplicavelmente, causando, não raro, embaraços a muitas pessoas, especialmente crianças, que visitam o Museu.

PROVIDENCIAS

Do conjunto, ressalta que é deploravel a situação do Museu do Ipiranga, ponto dos mais importantes para a visita do turista, em 1954. Se providencias adequadas não forem tomadas em tempo, ali estará uma fonte de comentarios desairosos sobre a nossa capacidade de avaliar nossas obras históricas.

O Museu do Ipiranga não está em condições de ser visitado agora, quanto mais em 1954, a continuar nesse estado. Aliás, o próprio govêrno, segundo parece, já se apercebeu da situação.

Diário da Noite, São Paulo, 3 de dezembro de 1951.

*A grafia original foi mantida em sua integralidade preservando as regras ortográficas vigentes à época.

Quando São Paulo chegará a ser assim?

O assumpto que tem merecido da imprensa os mais zelosos commentarios tem sido, de um anno para cá, aquelle que se refere á solução do problema de transito na cidade. Com o repentino augmento dos vehiculos em poucos mezes tivemos a opportunidade de assistir a um phenomeno imprevisto: o atravancamento do centro da cidade, que desde logo assumiu proporções asssutadoras e é hoje a chronica dôr de cabeça da nossa Inspectoria de Vehiculos. Longe, porém, de nos entristecermos com o problema, devemos nos alegrar, pois elle é o advento de uma éra de engrandecimento.

Os aspectos nova-yorkinos que ha dez annos nos deixavam perplexos – hoje não mais conseguem emocionar os nossos sentidos. Temol-os por aqui, já em formação promissora, aquelles phantasticos congestionamentos, e tanto esperamos, que já conhamos equalal-os um dia…

A Gazeta, São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1926
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira.

*A grafia original foi mantida em sua integralidade preservando as regras ortográficas vigentes à época.

A Estação da Southern São Paulo Railway vai ou não vai abaixo? (1925)

SANTOS, 27 — Apesar de todo o barulho que se tem feito, a barraca que serve de estação á Southern São Paulo Railway, avenida Anna Costa, continua de pé. É um escarneo, realmente, o que se verifica. Numa das mais movimentadas arterias da cidade, não é natural que tal absurdo se verifique, o que têm interesses ligados á zona servida por aquella estrada.

Como já tivemos opportunidade de referir, a Camara Municipal, por diversas vezes, tem abordado o palpitante assumpto, sendo unanime a condemnação dos srs. vereadores ao [ilegível] barracão, que afeta a avenida Anna Costa. Ha pouco, ainda, o sr. vereador Alfaya propoz que fosse aquella estação demolida, sem mais formalidades, uma vez que a Southern tem desrespeitado diversas intimações da Camara.

No emtanto, nada tem adeantado as providencias tomadas.
A Companhia persiste no seu proposito de não demolir a estação. E lá permanece, para escarneo geral, aquella indecencia.

Não póde haver duas opiniões a respeito do assumpto. A Estação precisa ser demolida, por constituir um aleijão. Além do mais, as pessoas que precisam embarcar para Juquiá e outros logares, em dias de chuva, não tem, siquer, onde se abrigar.

Não póde, pois, persistir tal estado de coisas. É necessário que o barracão seja demolido. A Camara deve fazer cumprir as suas determinações.

A Gazeta, São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 1925
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira.

*A grafia original foi mantida em sua integralidade preservando as regras ortográficas vigentes à época.

Estação da Southern São Paulo Railway em 1925.

Já pensou em um bairro onde a avenida principal é assim? Ele existe.

Fica na Zona Norte. Tem um córrego imundo, ratos que mordem até crianças, uma pedreira que está sempre ameaçando acabar com as casas, quando explode. E não tem escola. É Vila Iara.

A Vila Iara é um bairro que se localiza na Zona Norte da cidade, entre a Freguesia do Ó e Pirituba/Perus, e apesar de já existir há 40 anos e contar com mais de vinte mil habitantes, não possui as mínimas condições de saneamento básico. Nem escola Vila Iara tem. A avenida principal não é pavimentada e os buracos causam inúmeros problemas ao trânsito da região.

A avenida principal não é pavimentada

Um dos moradores mais antigos de Vila Iara é Paulo Fillinto da Silva, que mora na rua São Urbano, conhecedor profundo dos problemas do bairro e que diz:

Em primeiro lugar, nós estamos pleiteando a instalação de uma escola. Essa é uma velha aspiração, desde 1973 estamos pedindo e até agora nenhuma providência foi tomada, por parte das autoridades, para sanar esse sério problema. A escola mais próxima que temos fica na Vila Morro Grande já na Freguesia do Ó, e é distante dois quilômetros daqui. Além disso, nesta escola não existem vagas e muitas crianças em idade escolar ficam sem poder estudar. No ano passado meu filho de sete anos não estudou por falta de vaga. A diretora da escola alega que as classes estão superlotadas

A escola mais próxima está a dois quilômetros e nunca tem vaga

Paulo afirma que todo ano é o mesmo problema. E outro grave problema: o córrego Iara.

Temos aqui o córrego Iara que é uma imundície. Como nós não temos rede de esgotos e nem fossa, pois os terrenos da região estão num baixada, então só nos resta jogar os detritos no córrego. Já enviamos vários abaixo-assinados pedindo a canalização do córrego sem termos sucesso. Em decorrência disto, insetos de todas as espécies surgem e ameaçam os moradores, sendo frequentes baratas, ratos, moscas e principalmente ratazanas, que invadem as casas e destroem roupas, alimentos, objetos domésticos e até atacam as pessoas, principalmente crianças pequenas.

Paulo Fillinto da Silva, morador antigo de Vila Iara, afirma que dentre os principais problemas está o da falta de uma escola no bairro e o córrego Iara no qual são despejados os esgotos, o que ocasiona a presença de insetos de todas as espécies, e também ratos enormes.

Talita dos Santos diz que sua casa tem buracos de rato e que foi obrigada a tapá-los com cimento.

Tem rato tão grande que come até patinhos novos. Uma vez meu irmão puxou o pato e o rato veio junto, agarrado nele.

Maria Carmen Ferreira acentua que sendo o nível da rua mais alto que o das casas, qualquer chuva mais forte faz com que as águas invadam as residências, estragando os móveis e o sinteko do chão.

Maria Carmen Ferreira diz que qualquer chuva mais forte faz com que as águas invadam as residências, estragando os móveis e causando sérios transtornos às pessoas.

Outra moradora, Marilene Oliveira Silva, mostra a frágil pinguela que os moradores construíram para poderem atravessas o córrego e diz que muitas pessoas já escorregaram e caíram dentro dele, machucando-se seriamente. Diz ela:

O córrego já tirou uma boa parte do meu quintal, pois com as inundações ocorre a erosão e a terra desbarranca. No inverno o mau cheiro piora, porque chove menos e as águas ficam mais paradas, com uma cor negra.

Marilene Oliveira da Silva ressalta a inexistência de uma ponte sobre o córrego e diz que muitas pessoas já escorregaram e caíram da pinguela frágil que os moradores construíram.

A Pedreira Morro Grande S. A. detona quatro vezes por dia e essas explosões causam abalo nas casas. 90% delas apresentam rachaduras nas paredes e abalos nas estruturas. Maria Carmen foi obrigada a fazer escoramento em sua casa, pois ela estava correndo perigo de desabar.

A TUSA é a única empresa particular que serve o bairro e mantém poucos ônibus nas linhas Morro Grande-Lapa e Morro Grande-Hospital das Clínicas. O pessoal tem que esperar até uma hora pelos ônibus e são obrigados a pegá-los no ponto inicial, uma vez que eles vão superlotados e não param nos pontos de percurso.

A coleta do lixo é feita duas ou três vezes por semana e isto somente quando o tempo está bom, pois em dias de chuva eles não passam nas ruas. A avenida Eliseo Teixeira Leite, principal via de acesso ao bairro, que foi a primeira estrada de São Paulo, é de terra, toda esburacada, apresentando muitas dificuldades para o trânsito de veículos.

José Bernardes da Silva, jornaleiro há quatro anos na Vila Iara, cita inúmeros problemas, entre eles a falta de orelhões:

[…] tem somente um e ele vive constantemente quebrado, quando funciona, formam-se longas filas para telefonar.

José Bernardes da Silva trabalha como jornaleiro há quatro anos na Vila Iara e diz que faltam orelhões e o único que existe está sempre quebrado.
Comparação: Vila Iara em 1958 e 2021. Fontes: Geoportal Memória e Google Maps

Diário da Noite, São Paulo, Sábado, 17 de fevereiro de 1979.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Garotas e Drinks (1946)

– Garção, dê-me um uísquei, uísquei com soda. Não, não, dê-me mesmo sem soda. Olhe, pensei melhor, dê-me com soda. Não, não, dê-me sem soda. Escute aqui, ponha bastante soda nesse negócio. Olhe, garção, não ponha soda nesse uísquei. Nem ponha uísquei. Ah, aquêle bandido!

– Garção, faça-me um coquetel de uísquei, gin, gengibirra, vig, vat 69, coloque uma gôta de moscatel, um pouco de champanha rosada e uma gotinha de parati. Não, não bote cerveja por favor, senão eu me embriago.

Mais um drinque com as garôtas. Algumas gotas de essência etílica no fundo de uma taça e começam a vir à tona todos os ocultos vestígios psíquicos de que, mais do que o homem, a mulher descende do macaco.

– Você viu a Lúcia? Tomou 18 coquetéis na festa da Nadir.
– Também, minha filha, não é de se espantar. Ela já tinha bebido 15 em cada da Amélia.

– Onde você vai com êsse guarda-chuva aberto, querida?
– Não sei, menina, não sei. Só sei que o coquetel em casa da Alzira estava ótimo.

– Chiquinha, Chiquinha, você nem pode sonhar como estava gentil o Marcelo ontem. A princípio se portou comigo com certa indiferença. Mas depois que eu bebi o décimo terceiro coquetel senti que êle cedia a tudo que eu queria.

Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1946.
Desenhos e legendas de Alceu.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Atinge a violência o movimento anti-semita surgido em S. Paulo (1960)

Forçaram a porta, atingiram o patio, mas foram rechaçados — Intranquilidade na colonia israelita desta Capital — Policia oferece garantias: policiadas as sociedades judaicas e guarnecidas as sinagogas — Os episodios de ontem são uma negação à história e a à tradição do povo brasileiro

Um grupo de dez a quinze jovens invadiu a sede da Congregação Israelita Paulista na madrugada de ontem, depois de pintar slogans anti-semitas na parede externa do edifício.

De acordo com as declarações de Antonio Angelino da Silva, porteiro da entidade, e que foi ouvido ontem no Departamento da Ordem Politica e Social, os manifestantes forçaram a porta da rua e alcançaram o patio interno do predio, mas foram rechaçados, fugindo num automovel. Disse que os reconhecerá se a Policia os puser à sua frente.

Antonio Angelino da Silva, quando prestava declarações no DOPS

O fato ocorreu por volta das 3,30 horas da madrugada e às 8 horas foi comunicado ao diretor administrativo da Congregação, sr. Hans Feuereisen, que entrou logo em contato com a policia politica.

A polícia oferece garantias à porta dos templos e de entidades israelitas

O delegado Italo Ferrigno determinou que se efetuassem investigações em torno do caso e obteve completo esclarecimento, segundo adiantou à reportagem, recusando-se entretanto a revelar nomes “por ser prejudicial ao andamento das diligencias”. Para garantir templos e entidades judaicas de São Paulo e do ABC, foram designados 22 investigadores. Oito viaturas da Radio Patrulha guarnecem as sinagogas, a fim de evitar que se reeditem os acontecimentos de ontem.

A CRUZ GAMADA

A cruz gamada, símbolo do nazismo, apareceu nas inscrições pintadas na parede da Congregação, numa sinagoga da Bela Vista e nos tapumes de uma construção na rua Brasilio Machado, esquina com Baronesa de Itu, bairro de Santa Cecília. Ao lado da “swastica”, liam-se frases terroristas tais como: “Morte aos judeus”,, “São lobos, não são ovelhas”, ou simplesmente “Vá pra casa, judeus”.

A “swastica”, simbolo do nazismo anti-semita, amanheceu ontem na parede da Congregação Israelita Paulista. Ao lado, a inscrição hostil: “Vá pra casa, judeu”

PRISÃO DE UM PINTOR

Em São Bernardo do Campo, proximo a uma sinagoga, investigadores detiveram um individuo que passava sobraçando material para pintura. Provou que era pintor (por ironia, a mesma profissão de Hitler) e se dirigia para o trabalho, sendo posto em liberdade.

O delegado Italo Ferrigno acredita que o movimento não recrudescerá em São Paulo. “O fato deve ter origem na irresponsabilidade de alguns mocinhos que não pensaram estar brincando com a coisa tão séria”, ponderou aquela autoridade. Lembrou contudo que deve haver um “cabeça” que organizou tudo e que tentará repetir a façanha”.

Já o presidente do Conselho da Federação Israelita, sr. Moisés Kaufmann, mostrava-se apreensivo com os acontecimentos: “Estamos indignados com esse atendimento vergonhoso. Querem implantar no Brasil um estado de coisas lamentavel, de melancolica memoria: a perseguição racista, coisa que nunca se viu neste país”.

O presidente do Conselhos da Federação fazia-se acompanhar ainda do sr. Ernesto Kock, presidente da Congregação Israelita Paulista, do sr. Romeu Mindlin, filiado a essa entidade, e do deputado Jacob Zveibel.

TERRORISTAS E NÃO “PLAY-BOYS”

— “Lamentamos não somente por nós, mas tendo em vista o povo que nos acolheu e nos deu um lugar para viver em plena liberdade e gozo dos direitos democraticos” disse o sr. Hans Feuereisen, presidente da Congregação Israelita Paulista, solicitado a se manifestar sobre o assunto na sede da entidade de que é diretor administrativo. Esclareceu que os autores da provocação anti-judaica chegaram a violar o recinto da Congregação, conforme atestou o porteiro da noite. “Isso prova” sentenciou “que não se trata de mera brincadeira de gaiatos”.

Sr. Hans Feuereisen: “As hostilidades ultrapassam os limites da aventura inconsequente”

Aduziu que se a intenção dos manifestantes não tivesse um fundo preconcebido e perigoso, eles teriam pintado a parede às escondidas. O fato de haverem invadido o patio da entidade, forçando a porta, é indicio de que seus objetivos ultrapassavam os limites da pura e simples aventura de vandalos inconsequentes”.

Informou ainda que reinava grande inquietação no seio da coletividade israelita e a expectativa e apreensão estendiam-se a cerca de setenta entidades existentes em São Paulo que, juntamente com as do Rio, reunem 75 por cento da população judia do Brasil, constituida de cerca de 150 mil pessoas. “Certamente há o que temer”, acrescentou. “Vejamos os proximos dias… ou noites”.

RENASCE O TERRORISMO

Rabino Menahem W. Diesendruck: “Não adianta punir os malfeitores. Os fatos se repetirão. Urge uma campanha de esclarecimento”

“Minha interpretação desses fatos resume-se numa unica ideia”, afiançou-nos o rabino Menahem W. Diesendruck. “O germe venenoso do nazismo não foi ainda extirpado na Alemanha. Remanescentes da ditadura do Fuherer ainda hoje ocupam posições especialmente no ensino. No Brasil, tal não acontece, mas essas explosões de odio anti-semita podem ser atribuidas a um movimento internacional. Nos dias de hoje, Adenauer esforça-se por apagar essa pagina dolorosa que Hitler escreveu. O nazismo pretende renascer e com ele o terrorismo internacional para desmoralizar a desnazificação da Europa. As provocações continuarão enquanto não se empreender uma campanha de esclarecimento da juventude, ensinando os moços a ler na Historia o horror deflagrado pela paixão militarista do regime implantado na Alemanha por Hitler. Parece que o holocausto de seis milhões de judeus ainda não serviu para advertir o mundo das tragicas consequencias que poderão advir dessa onde de perversidade que ameaça varrer de novo o continente europeu e avançar contra o mundo. “Em relação ao Brasil, não adianta caçar os malfeitores. Esse movimento é dirigido por um interesse internacional facilmente identificavel e voltado para o exterminio da raça judaica. Casos semelhantes têm-se registrado no Chile, Inglaterra, Finlandia e deverão repetir-se na America do Sul”, concluiu.

TELEFONEMAS ANONIMOS E CARTAS AMEAÇADORAS

O recrudescimento das violências anti-semíticas na Europa e em alguns países da América do Sul, tem colocado em sobressalto os judeus radicados em São Paulo. O delegado Italo Ferrigno recebeu queixas de elementos da colonia israelita, que estão sendo vítimas de provocações através de telefonemas anônimos e de outras formas não menos ameaçadoras. O Círculo Israelita de São Paulo recebeu cartas, assinadas por “um integralista”, vazadas em termos rancorosos, em que o remetente acusa judeus de horripilantes crimes contra a humanidade.

Diário da Noite, São Paulo, 7 de janeiro de 1960.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original foi mantida, bem como quaisquer erros de acentuação, pontuação etc.

A morte do carvalho do largo do Palacio (1929)

Succumbiu ao martyrio lento a que o submetteu o prefeito Pires do Rio ‒ Desappareceu, assim, um vegetal contemporaneo do velho São Paulo

Já não existe mais o velho carvalho do largo do Palacio. O machado da Prefeitura Municipal, empenhada cada vez mais em aformosear a cidade, remodelando tudo sob o criterio lunar do sr. Pires do Rio, deu afinal cabo da arvore vetusta, que ali no historico planalto nos falava de um outro S. Paulo, bem diferente do S. Paulo de hoje.

O bello e venerando vegetal, que era conhecido por “carvalho da Republica”, dava ao tranquillo recanto da cidade em que Anchieta ergueu o collegio dos Jesuitas, um ar mais tranquillo ainda, arredondando sobre o asphalto um circulo de sombra acolhedor e refrigerante…

Mas a administração do municipio, que admitte por ahi verdadeiros monstrengos urbanos, achou que o antigo carvalho era inconveniente e indesejavel ás leis do transito, pois que se levantava quasi ao centro da extincta via publica, que se chamou Travessa da Fundição…

Mas antes de destruir a arvore do largo do Palacio, o sr. Pires do Rio resolveu submettel-a a um lento martyrio. Isolou-a, com surdos rancores. Matratou-a, com podas irracionaes. Circumdou o tronco numa áreazinha de terra secca, além da qual era só asphalto e parallelepipedo…

Agora, o jardineiro que cuida das plantas rachiticas da esplanada governamental, recebeu ordem de dar o golpe de misericordia no pobre carvalho.

Lá está elle, pois, com os ramos decepados; o tronco escalavrado, na base, rente com o sólo; as raizes á mostra pela excavação recente que lá fizeram. Nada mais resta da arvore imponente, que representava uma verdadeira tradição paulistana. O que lá está, neste momento, desafiando a curiosidade dos transeuntes, é uma triste reminiscencia vegetal. Sem cópa, parece sem cabeça. E continúa de pé. Imaginem o que seria um homem sem cabeça, tentando dizer qualquer cousa aos que passam…

“CARVALHO DA REPUBLICA”

Sempre ouvimos dizer que a velha arvore era o “carvalho da Republica”. Da Republica por que? Teria se dado ali, sob a sua fronde amiga, algum acontecimento de vulto que se relacionasse com a Republica brasileira? Ou seria uma designação sugerida apenas pela proximidade nem sempre recommendavel do palacio do governo?

Para pôr tudo isto a limpo resolvemos ouvir qualquer pessôa conhecedora de S. Paulo de outros tempos e estudiosa de nossas cousas. Lembramo-nos do dr. Aureliano leite, advogado e jornalista nesta capital. Telephonamos-lhe, perguntando-lhe o motivo do nome popular “carvalho da Republica”, dado ao vegetal do largo do Palacio.

‒ Aquella arvore deve ser mais antiga que a Republica ‒ respondeu-nos o dr. Aureliano Leite. Lembra-me que em 1900 ella já era adulta, e o carvalho em 10 annos ‒ que era o quanto contava então a Republica, ‒ não attinge áquellas proporções. Eu, quando garoto, catei ao pé della muita bolóta, que ella então já produzia sem usura… Mas isto é pouco. Vou colher mais alguma informação a este respeito e o que houver lhe transmittirei com muita satisfação.

1908 (data do carimbo), sem editor. Fonte Delcampe
Cascata do Palácio, 1908 (data do carimbo), sem editor. Extraído de site de leilões.

O HISTORICO DA VELHA ARVORE

De facto, dahi a momentos o dr. Aureliano Leite nos convidava a uma visita á sua residencia, onde nos relataria o que tinha colhido com referencia ao extinto carvalho. Recebeu-nos com deferencia e nos disse:
‒ Para completar o que eu sabia a proposito da arvore do largo do Palacio me communiquei com o dr. Affonso de Freitas, que é, sem contestação, das maiores autoridades em historia paulistana. Trocando impressões, reavivando factos, chegámos á conclusão de que o nome de “carvalho da Republica”, dado ao mais bello especime vegetal do planalto em que assenta o palacio do governo de S. Paulo é uma criação fantasiosa. Elle foi mandado plantar pelo conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, quando presidente da provincia. Era contemporaneo da fonte que alie existe ou existia e do remodelamento do palacio e dos jardins da cidade.

Por esse tempo, apreciavam-se as plantas exoticas e só a esse criterio obedeceu o plantio de carvalhos, plátanos, etc., em S. Paulo, em detrimento de nossas arvores, como a quaresmeira, o ipê, o pau Brasil, e outras arvores, hoje grandemente aproveitadas.

O “assassinio” do velho carvalho ‒ proseguiu o dr. Aureliano Leite ‒ não resta duvida que foi uma injustiça e um acto de inconsciencia. Ele vinha de 86. Veiu de Portugal, mas se “naturalizou” paulista. Assistiu á evolução da nossa capital na sua fase decisiva. Numa cidade como esta, cuja transformação de aldeia provinciana para o centro cosmopolita que é hoje, foi processada fulminantemente, se devia conservar com maiores razões tudo o que diga do S. Paulo que desappareceu.

Creio que não vae nisto nem um pouco de sentimentalismo, mas uma noção muito pratica da necessidade de se conhecer o que fomos para maior certeza do que seremos… Ha raridades que devem entrar para o nosso patrimonio historico, a augmentar o cabedal dos nossos conhecimentos. A destruição da velha igreja dos jesuitas, por exemplo, que deu lugar á actual secretaria do Interior, não foi obra nem de intelligencia nem de patriotismo. Apesar de todos os argumentos em contrario, estou convicto de que haveria sempre modos de conserval-a como reliquia do passado piratiningano.

OUTROS VEGETAIS ANTIGOS DO LARGO DO PALACIO

Continuando na sua exposição observou o dr. Aureliano Leite: ‒ O carvalho que desappareceu não era o unico vegetal historico do largo do palacio. Nos fundos deste existia, e ainda restam tres exemplares, ‒ um renque de casuarinas mandadas plantar pelo então presidente da provincia, dr. Nabuco de Araujo, em 1853.

Já houve quem attribuisse o plantio da mais velha dellas ao padre José de Anchieta!

“CARVALHO DA MONARCHIA”

‒ Voltando ao carvalho ‒ disse o dr. Aureliano ‒ elle poderia ter sido chamado “Carvalho da Monarchia”, porque della foi contemporaneo e contemporaneo de S. Paulo velho.

De qualquer modo, sua abatida foi impiedosa.

Foram estas declarações do dr. Aureliano Leite, que se mostrou muito interessado pelo assumpto que nos approximou de sua pessoa.

Agora, sabendo da existencia das casuarinas de Nabuco de Araujo, o dr. Pires do Rio, por uma questão de coherencia, deve mandar abatel-as tambem.

Diário Nacional, 2 de janeiro de 1929.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original foi mantida em sua integralidade.

O nome Carlos (1908)

Fala o Jornal do Brasil em pessoas que tudo vêm e procuram coincidencias. Uma dessas pessoas affirmou que a maioria dos reis que no mundo tem usado o nome de Carlos, acabou tragicamente.

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Rei D. Carlos I, de Portugal, preparando-se para um tiro aos pombos.

Folheando ás pressas um Diccionario de Historia, constatamos a veracidade dessa informação e, a titulo de curiosidade, citamos os nomes desses monarchas e dos seus infortunios:

Carlos I, cognominado o bom, rei da Dinamarca foi assassinado em 1127, na egreja Bruges.

Carlos II, o calvo, foi envenenado pelo seu medico Sedecias, em 337.

Carlos III, o simples, morreu encerrado em uma prisão no castello de Perona, em 929.

Carlos VII, o victorioso, temendo ser envenenado por seus filhos, deixou-se morrer de fome, em 1416.

Carlus IX, morreu demente, roido pelos remorsos.

Carlos de França, falleceu preso na torre de Orleans , em 993.

Carlos III, o gordo, morreu desthronado e no abandono universal, em 838.

Carlos V, veiu a fallecer abandonado no mosteiro de S. Justo, na Extremadura Espanhola, em 1558.

Carlos I, da Inglaterra, foi executado na praça publica, deante do palacio de White-Hall, em 1649.

Carlos VII, da Suecia, foi assassinado em 1167 por Canuto Erickson.

Carlos VIII, da Suecia, foi morto, em 1718, deante da fortaleza de Friederieshald.

Carlos IV, da Hespanha, morreu em Roma em 1811, depois de ter sido obrigado a abdicar.

Carlos III, de Napoles e das Duas Cecilias, morreu assassinado por ordem da rainha da Hungria, em 1386.

Provado está, portanto, ter havido 13 reis Carlos mortos violentamente como o magnanimo D. Carlos I, de Portugal, que brasileiros e portuguezes sabiam querer e amar!

Vida Paulista, São Paulo, 1908, Edição 107.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira