Trotes e Logros do 1º de Abril (1951)

ORIGEM DA EXPRESSÃO ‒ O “POISSON D’AVRIL” ‒ LENDAS E MITOS QUE SE ESPALHAM PELO MUNDO

Mentira, instituição nacional ‒ Inverdades de todos os tipos: oficiais e oficiosas, federais, estaduais e municipais

Reportagem de FAGUNDES DE MENEZES

1951-04-01 Diario de Noticias foto 1 de abril

É sabido que somos um país relativamente pobre de tradições, de mitos e de lendas. O que decorre ‒ e não vai nenhuma novidade na afirmativa ‒ de sermos uma nação ainda nova.
Se nesse terreno já possuimos alguma coisa genuinamente nossa, a maioria dos mitos, das lendas, dos costumes veio-nos, como se sabe de povos e culturas mais antigos.

Tem sido de lamentar que, em virtude da nossa relativa pobreza em matéria de tradições e mitos, venham de há muito tempo surgindo entre nós os fabricantes de lendas e mitos, os fazedores de histórias com aparência de folclore, os esnobes transplantadores de usos e festas, hábitos e comemorações inteiramente incompatíveis com o que é brasileiro. Tudo isso se manifestando na literatura, na música, na pintura, na arquitetura.

Não poderá haver nada de mais estúpido do que, no nordeste do país, existirem jardins e praças públicas com arborização apropriada a regiões da Suíça e da Escandinávia, árvores desnudas e esguias, sem possibilitarem um mínimo de sombra, nas horas do sol brabo, tão frequente em cidades do Rio Grande do Norte, do Ceará, de Pernambuco, da Paraíba. Nem coisa que se apresente mais ridícula do que, como existe em Natal, no bairro de Petrópolis (reparem no pedantismo do nome do bairro, por si só a estragar um dos pontos mais bonitos da capital potiguar), casas com telhados absolutamente iguais aos de moradias das regiões alpinas, telhados caindo quase verticalmente sôbre as paredes, para evitar… o acúmulo de neve.

Há também o Papai Noel, coitado, enfrentando o terrível calor do Rio, metido em sua roupa apropriada aos países em que a temperatura vai abaixo de zero gráu.
E mais as árvores de Natal, tão inexpressivas quanto as flores de papel, simbolizadas, através de vegetais estranhos à nossa flóra.
Mas, em meio a essa desabrida e constante importação de usos, hábitos, festividades, é natural que haja alguma coisa que chegando aqui se ambiente, se faça de casa, se incorpore ao que é nosso de tal maneira, ao ponto de, passando muitos anos sòmente meia dúzia de estudiosos conhecer sua origem.
Coisas que chegam aqui e se tornam cem por cento nossas, como o café, a cana de açúcar, os pardais.

Lendas e mitos que se espalham pelo mundo

Também há comemorações, lendas, mitos (outra vez afirmamos que não estamos dizendo qualquer novidade) que, nascidos em determinado lugar, em determinada região, em algum país, assumem um poder de irradiação e penetração, adquirem uma capacidade de se adaptarem às terras mais diversas, à índole dos povos de formação mais diferenciada, que terminam constituindo um patrimônio comum a tôda a humanidade.

O 1º de Abril

Assim aconteceu com o 1º de Abril, o chamado dia da mentira.
Admite-se que o dia da mentira haja surgido na França pelos fins do século XVI. É o “poisson d’avril” dos franceses.
Narra a história que o rei Carlos IX, de França, durante uma viagem ou uma estada de repouso que fêz no Castelo de Rousillon, em Dauphiné, no ano de 1564, baixou um decreto, determinando que o ano passaria a começar a 1º de janeiro, e não mais a 1º de abril*, como até então ocorria.
Depois dêsse decreto real, teria a data em que antigamente começava o ano passado a ser dedicada às brincadeiras, aos mil artifícios para enganar o próximo.

*Na verdade o ano se iniciava em 25 de março, no entanto, as comemorações acabavam no dia 1º de abril.

Origem da expressão francesa

Dão várias origens à expressão “possion d’avril”. Uns dizem que se trata de alusão à pesca, de vez que a pescaria na França quase sempre começa no mês de abril, sem grandes resultados.
Alguns afirmam que a denominação decorre da circunstância de, nesse mês, o sol atingir o signo zodiacal dos peixes.
Ainda outros asseveram que o “poisson d’avril” vem do seguinte fato: um príncipe de Lorraine, que Luís XIII mantinha prisioneiro no Castelo de Nancy, escapou dos seus carcereiros, no dia 1º de abril, atravessando a nado o rio Meurthe. Dêsse fato surgiram comentários jocosos, dizendo-se nas rodas populares que haviam dado aos franceses um peixe para guardar.

De acôrdo com a opinião de outros, “poisson’, no caso, é corruptela de “passion” ‒ uma pilhéria herética, alusiva a um dos episódios da paixão de Cristo, a qual geralmente ocorre em abril.
Durante seu julgamento, Cristo foi de Anás a Caifás, de Pilatos a Herodes e, finalmente, de Herodes a Pilatos.
Ir e vir, ir pra lá, vir pra cá, dando motivo a risos e apupos, eis a comparação estabelecida entre a paixão de Cristo e as brincadeiras do 1º de abril.
Pode-se dar certo crédito a essa versão, pois no século XVI era frequente o aproveitamento em cenas cômicas, pelas casas de espetáculo, dos trechos mais sérios do Novo e do Velho Testamento.

Ainda se opina que a expressão foi traduzida para o francês, tendo sua origem no tempo das perseguições aos cristãos, à época em que êstes se reuniam subterrâneamente, nas catacumbas, impossibilitados de pregar abertamente suas idéias religiosas e tolhidos mesmo de pronunciar em público o nome de Cristo. E quando os cristãos se referiam a Cristo, pronunciavam “ichtus” (peixe em grego) monograma entendido pelos adeptos do Cristianismo, formado com as iniciais das seguintes palavras: Iêsous, Christos, Theou, Uios, Sôter, que quer dizer: Jesus Cristo, de Deus Filho, Salvador.

O mesmo sentido em tôda parte

Generalizado possivelmente em todo o mundo, apesar das peculiaridades que apresenta em cada região, das variações com que decorre a data, de país para país, o 1º de abril tem a mesma significação e o mesmo sentido em tôda parte. A mesma finalidade de enganar, ludibriar, de pregar peças aos amigos, aos parentes e até a estranhos.

Na França, é comum ordenarem às crianças que vão buscar uma corda para amarrar o vento, ou um cesto para carregar água.
Em Portugal, reunem-se varios rapazes, conseguem prender ao solo uma cédula ou moeda e depois ficam à espera do “felizardo” que irá “encontrar” o dinheiro.
Na Alemanha também há os recados falsos, as notícias mentirosas. Quando o que foi vítima da brincadeira percebe o lôgro em que caiu, o autor da pilhéria recita-lhe um verso que podem ser traduzidos livre e resumidamente assim:

“Abril, abril, abril,
Neste mês cada um faz o que quer”

Versos que correspondem ao nosso “Hoje é 1º de Abril!”, dito também a quem se deixa enganar por qualquer brincadeira.
Conta-se êste fato ocorrido na Inglaterra; o “Evening Star”, em 31 de março de 1846, noticiou que no dia seguinte, pela manhã, haveria uma excelente exposição de asnos, a qual seria aberta no salão da Agricultura, de Islington.
No dia e à hora marcados, o salão encheu-se de curiosos e interessados. Houve uma prolongada espera e nada de aparecerem os animais. Afinal, os que acorreram ao salão acabaram se convencendo de que os burros que se encontravam no salão eram êles próprios.

Mentira, instituição nacional

No Brasil, se dá o mesmo cunho à brincadeira. Mente-se com alegria, criam-se histórias de tôda natureza, enviam-se cartas com notícias falsas, há os convites telefônicos para almoços e jantares, feitos em nome de outros.
Entretanto, sòmente no 1º de abril a mentir ocorre entre nós, de um modo assim saudável e inofensivo. Porque a rigor, no Brasil, não existe “dia da mentira” e sim “ano da mentira”, que vai de 1º de janeiro a 31 de dezembro.

A mentira, em nosso país, é uma instituição nacional, tão arraigada quanto o jôgo do bicho, o carnaval, o futebol.
Há tôdas as modalidades de mentira e tôdas elas quotidianas, constantes, ininterruptas, infalíveis: mentiras oficiais, e oficiosas, públicas e particulares, parlamentares e administrativas, radiofônicas e jornalísticas, comerciais, mundanas e domésticas, federais, estaduais e municipais.
Para constatar isso é bastante trazer-se à memória tudo o que se tem lido e visto num curto período, que não precisa ser de quinze anos.

Toma o cidadão um bonde e encontra letreiros chamando-lhe a atenção: “É proibido fumar nos três primeiros bancos”. E mesmo ao seu lado, há um passageiro soltando no ar, ou melhor, jogando-lhe na cara, densas baforadas de charuto.
Se se dispões a viajar de ônibus, o que ‒ para afirmar como um juiz desta capital, referindo-se ao ato de atravessar as ruas do Rio ‒ também constitui um ato de bravura, encontra o passageiro, logo acima da cabeça do chauffeur esta advertência:
“É proibido conversar com o motorista”.
Mas quantos bate-papos animados os homens do volante não mantêm com seus amigos, conhecidos ou companheiros de trabalho.

Mente-se muito, mente-se desadorada e cinicamente no Brasil.
São as plataformas de govêrno, os planos administrativos, as entrevistas de encomenda, as satisfações ao povo dados pelas autoridades.
Surge uma irregularidade, um desfalque numa repartição pública, um alcance numa autarquia, um crime qualquer?
‒ Vem o alarma da imprensa, no Parlamento, os representantes da oposição formulam requerimentos, elevam protestos. Depois aparecem as notas oficiais:
“Será aberto rigoroso inquérito (o qualificativo aí é bem significativo da frouxidão e da desídia reinante, como se fôsse possível estabelecer-se uma gradação nas medidas para apurar crimes de quem quer que seja) e os culpados serão punidos”

A mentira do peixe abundante ainda está fresca: é da Semana Santa. A verdade é que a maioria dos cariocas teve de se contentar, durante a páscoa, com sardinha enlatada e bacalhau.
A carne verde sem osso é vendida a Cr$14,00.
E já estamos em perspectiva de mais um espetacular 1º de abril ‒ o da carne barata, a preços populares…
E, por aí vai.

Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1º de abril de 1951.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Tragédia do Edifício Joelma – 45 Anos

O fogo, o desespero, o salto para a morte

De repente, o grito de pânico: – Fogo!
As mais de mil pessoas que ocupavam os escritórios e apartamentos do Edifício Joelma, na Praça das Bandeiras, em São Paulo, sentiram que estavam ilhadas pela morte, numa repetição da dolorosa experiência da tragédia do Edifício Andraus, dois anos antes, quando 16 morreram e mais de 400 ficaram feridos.

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O edifício Joelma, na Praça da Bandeira. À esquerda, a Câmara dos Vereadores, o ponto de apoio para o salvamento. Fonte: O Cruzeiro 1974.

Vinte minutos depois do início do fogo, as chamas já atingiam grande parte do prédio, para desespero de centenas de pessoas, que procuravam chegar ao terraço em busca da salvação. Lá embaixo, cartazes e megafones pediam calma, enquanto os bombeiros tentavam chegar até aos andares superiores. De repente, a multidão, horrorizada, viu despencar no espaço um homem, vencido pelo desespero. Em questão de segundos, seu corpo estava no asfalto.

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Fonte: O Cruzeiro, 1974.

A morte começava a vencer a luta contra a vida, e um cheiro de tragédia se espalhava pela manhã paulistana. Minutos depois, mais dois corpos despencavam no ar, aumentando o horror da multidão e o desespero dos que lá em cima, procuravam manter um fio de esperança na salvação que cada vez parecia mais distante.

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Uma pessoa jogou-se do 19º, caiu sobre a escada a que se atirara do 16º e derrubou uma terceira na escada. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

O prédio, sem qualquer condição de segurança – não havia escadas de emergência nem heliporto -, estava se transformando, pouco a pouco, num túmulo gigante para mais de uma centena de pessoas.

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Quando o helicóptero descia, várias macas eram levadas para transportar sobreviventes. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

As sirenas dos bombeiros e das ambulâncias cortavam o ar e muitos já começavam a ser salvos. Outros, porém, iam ficando pelo caminho, carbonizados ou pisoteados pela avalancha do desespero em busca de uma chance de sobrevivência. E o foto continuou ardendo e matando, durante todo o dia. O centro da cidade parou, o tráfego congestionou e a confusão, aliada ao desespero, em cima e embaixo, aumentava a cada minuto a negra estatística da morte. Os hospitais se enchiam de vítimas e o IML de corpos. À tarde, o número somava mais de 100. Perto de duas mil pessoas se aglomeravam em frente ao Instituto Médico legal em busca de parentes. Outras procuravam os hospitais das Clínicas e da Municipalidade para doarem sangue. Bombeiros, policiais, médicos, enfermeiros, motoristas de táxis e os homens anônimos das ruas uniam-se na tentativa de salvar o maior número possível de vidas.

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Muitas pessoas esperaram socorro até durante quatro horas nos andares mais altos. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.
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Helicóptero ajudou na retirada dos que subiram ao terraço, onde muitos tiraram a roupa. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

No final da noite, o IML anunciava o trágico número de mortos recolhidos às suas dependências: 188. Mas só hoje, após o resfriamento do prédio, é que se saberá, de fato, quantos morreram. São Paulo acordou com a tragédia, parou durante todo o dia para tentar salvar muitas vidas e foi dormir chorando seus mortos.

É bom que ninguém esqueça.

Jornal da Noite, Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 1974.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Galeria de Imagens

ATENÇÃO: Algumas imagens são fortes e inapropriadas para pessoas sensíveis.  Siga por sua conta e risco!

Fontes das imagens:

Revista O Cruzeiro, 13 fev. 1974
Folha de S. Paulo, 1 fev. 1974.
O Jornal, 2 fev. 1974.
Jornal do Brasil, 3 fev. 1974.
Revista Veja, 6 fev. 1974.
Revista Manchete, 16 fev. 1974.
Diário de Notícias, 2 fev. 1974.

Acervos consultados:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervo Folha de S. Paulo
Acervo VEJA