Sete famílias moram sob o Viaduto Santa Ifigenia (1946)

UM CADAVER SÔBRE A MESA – SOB A CHUVA, O SOL E O FRIO, MOÇOS E VELHOS VIVEM NA MAIOR DAS MISERIAS – DE PERNAMBUCO A SÃO PAULO A PÉ

Aspecto do local em que vivem as sete familias. Os cacarecos, amontoados desordenadamente pelo chão, e os homens sentados aqui e acolá, oferecem um quadro que entristece e comove. Ao sabor dos caprichos do destino, êstes infelizes sofrem as maiores amarguras e desgraças, mas a dor que os irmana tornou-os apaticos e indiferentes, pouco se importando com isto ou aquilo, com a vida ou com a morte.

Quem se dirigir à ala esquerda do Viaduto de Santa Ifigenia, partindo da Praça do Correio assistirá a um espetaculo que, não fôra a realidade cruciante das suas cenas, nos faria duvidas da propria verdade. Sete familias vivem, ali, as suas amarguras diarias, abandonando-se já a sí mesmas, aos vai-e-vens do destino, esperando de “alguem” ou de “alguma coisa” melhores fados. Já não se importam com a vida, e muito menos com a morte. Tudo lhes é indiferente. Entre o choro das crianças, com fome e com frio, os adultos evidenciam a apatia que deles se apoderou. Tudo é dor, é miseria, é desgraça.

O reporter chegou, atravessou todos aqueles cacarecos que atravancam os baixos do Viaduto Santa Efigenia, que se encontrava naquele momento deserto, e dirigiu-se para um deposito da Prefeitura que ali existe. Avistava-se, de longe, seis velas ardendo sobre uma mesa, e figuras humanas ao seu redor. Muitas crianças rastejavam sobre aquele chão imundo. Aproximamo-nos, e vasculhamos com os olhos o recinto. O cadaver de uma criancinha estava sobre a mesa. Não tinha caixão, e apenas um pano azul, em cujos bordos colocaram alguns pedaços de renda barata, cobria o corpo. Ninguem chorava. Indagamos o que acontecera.
– “Esse é o Antonio Carlos, respondeu-nos uma preta gorda. Tem apenas cinco meses. Estava com tosse comprida, e com a chuva dessa noite morreu. Sua mãe chama-se Neusa, veio de Sorocaba há seis meses. Ficou durante um mês no Albergue Noturno, de onde a enxotaram quando teve a criança. Desde aquela época vivem aqui, sob a “ponte”. O senhor precisa ver, moço, quanto sacrificio foi preciso para trazer o cadaver do pobrezinho aqui pro deposito. O fiscal não queria, sob pretexto algum, que ele ficasse aqui. Durante muito tempo esteve aí jogado no chão. Mas um reporter que esteve aqui fez com que o fiscal mudasse de opinião. Mas ninguem sabe onde é que o menino deve ser enterrado, e nem dinheiro para comprar um caixãozinho para ele nós temos. Estamos angariando auxilio para que, ao menos, ele não seja enterrado assim”.
As palavras da preta velha saiam cansadas, mas com indiferença. A dor tornara-se, entre eles, uma coisa comum e de todos os instantes.

“UM DIA VEIO UM HOMEM”

Indagamos do nome da nossa interlocutora.
– “Maria Cecilia dos Santos. Vem de Porto Feliz, há algum tempo. Moravamos, meu marido e meus filhos […] na rua Diogo de Faria, lá na Vila Mariana. Mas um dia, faz já alguns meses, veio um homem e disse que nós teriamos que mudar. Naquele local ia ser construida uma fabrica. Desde então começou nosso martirio. Procuramos durante muito tempo uma casa, um quarto para morar. Mas a resposta era sempre a mesma: “Com crianças é impossivel, não aceitamos”. Tivemos que vir pra cá, porque nem no Albergue Noturno não se aceitam crianças. E aqui já estamos há varios meses, sujeitos ao frio, ao sol e à chuva, comendo o que Deus nos dá e como os homens querem. Nós vamos ficandi aqui até que nos mandem embora ou então até morrer. Eu só peço a Deus que tenha dó das minhas crianças”.

OS FILHOS SEMPRE OS FILHOS

Irene Maria dos Santos veio de Itajubá no Estado de Minas, há 10 anos, a fim de empregar-se em São Paulo. Trabalhava numa casa de “granfinos”. Mas teve um filho. Isto há três anos. A patrôa disse-lhe que com a criança ela não podia ficar ali, despedindo-a. Deu ao pequeno Wilson, esse é o nome do seu garoto mais velho, a uma comadre, e procurou outro emprego. Há um ano, porem dera à luz mais um bebê. E novamente foi despedida. Seu ultimo recurso foi dirigir-se ao Viaduto. Haveria de arranjar um lugarzinho para si e para o seu David. E assim aconteceu: há seis meses que habita os baixos do Viaduto Santa Ifigenia, irmanada pela dor ás demais familias que ali moram.
– “Que é que eu posso fazer? Quero trabalhar e não posso. O pais dos meninos não liga nem para eles e nem para mim. Eu tenho que ficar aqui até que alguma coisa venha mudar tudo, para melhor ou para pior. A vida é assim mesmo, seu reporter – hoje a gente está aqui, amanhã ali. Nesta vida ou na outra, pouco importa”.

Vitalina Alves dos Santos tambem veio de Minas. De Lambari.
– “Disseram-me que a vida aqui em São Paulo era facil. Que aqui tudo eram bom. E há seis meses que estou na cidade. Há seis meses que estamos, meus filhos e eu, passando fome e miseria. Morando debaixo desse viaduto. Pedi emprego inumeros lugares. Mas ninguem quer empregadas com filhos. A minha filha que tem agora 3 anos, fui obrigada a dar ao meu compadre. Este que está aqui comigo é o Washington Luiz, e tem um ano. De vez em quando arranjo algum servicinho para ganhar algum dinheiro. Mas mandam logo a gente embora, porque não pode dormir no emprego: e dormir na casa do patrão com filhos eles não querem. A gente tem que ir vivendo desse jeito mesmo. Outro remedio não tem”.

“EU VOU VOLTAR PARA O INTERIOR”

Maria Aparecida Ribeiro é jovem ainda. Tem apenas 24 anos. Separou-se do marido, que mora em Piracicaba, e há dois meses que vive sob o viaduto. Dorme com seus dois filhinhos – Salvagete e Maria Eunice, com 6 e 2 anos de idade, num velho e rasgado colchão, que está colocado sobre uns caixões.
– “Trabalhar eu não posso, por causa das crianças. Vou passando como Deus quer. Alguns me dão alguma coisa para comer, outros alguns farrapos para vestir. Mas eu vou voltar para o interior. Lá eu nunca vi familia morar assim na rua, tomando sol, chuva, frio e vento, além de passar fome. Lá os homens possuem melhor coração. Todos ajudam a gente, e tambem se pode trabalhar mesmo com filhos. Aqui ninguem quer saber de crianças – parece que têm medo dos meninos”.

DE PERNAMBUCO A S. PAULO ANDANDO

Um homem moreno, de fisionomia decidida, mas fisicamente abatido, magro, tossindo secamente, estava, com as mãos na cabeça, sentado num caixão. Aproximamo-nos, e ele calmamente levantou-se, oferecendo-nos o lugar. Puxamos conversa. Ele falava pausadamente, mas falava bem. O seu linguajar era nordestino.
– José Correia é o meu nome. Minha mulher chama-se Maria José, assim como aquela menina que está sobre o seu colo e que tem um ano e meio de idade. Esta é minha filha tambem e chama-se Djanira e está com oito anos – diz ele apontando para uma garotinha magra e de olhos muito vivos. Nós somos de Brejeiras, que fica no Estado de Pernambuco. Saimos de lá há 28 dias e viemos a pé. Uma vez ou outra conseguiamos alguma “carona” numa carroça ou caminhão. Mas a maior parte do percurso foi feita andando. E as meninas andavam tambem. Soubemos, lá em Pernambuco, onde eu trabalhava na roça, que em São Paulo se vivia bem. A vida lá no nordeste está dificilima. Resolvemos vir para cá. Chegamos ontem. Procurei inutilmente um quarto ou qualquer outro alojamento no qual pudesse abrigar os meus. Foi impossivel encontrar. Tivemos que vir para cá. E aqui estamos sujeitos ao sol, à chuva e ao frio. Não temos dinheiro e procurei trabalho, ontem, mas nada consegui. Vou tentar novamente. Sei que é dificil. Mas ja estamos aqui e tenho que enfrentar a vida. Ou então morrer e deixar perecer os meus de fome.

UM QUADRO IMPRESSIONANTE

Para se imaginar a tristeza daquele quadro e daquelas vida, bastava observar as fisionomias de todos esses infelizes. Mas tudo o que ali estava reunido traduzia miseria. Os cacarecos esparramados pelo chão, velhas canastras, roupas sujas amontoadas em grandes trouxas, farrapos estendidos pelo chão a guisa de cama, tudo era pauperrimo Duas pedras e, sobre elas, atravessadas duas varetas de ferro serviam de fogão. Quatro deles existiam ali. Três estavam apagados e um fumegava. Olhamos o primeiro: uma espuma suja e gordurosa sobrenadavam a um liquido imundo e de côr de terra. Dentro se podia divisar alguns pés de porco, que ali deviam estar desde ontem. A panela era uma lata velha de banha. Esse seria o almoço e o jantar de toda uma familia. No segundo estavam uns restos de arroz e, ao lado, numa outra lata, pedaços de pasteis e de mortadela podre, que deveriam ser requentados e iriam servir de repasto a uma velha e duas crianças. No terceiro havia somente café – um café ralo e mal cheiroso. No ultimo, um pouquinho de feijão estava sendo requentado. Feijão e nada mais. Sobre uma tábua, proxima ao fogão, uns tomates podres iriam servir para a salada.
Isso é o que aquela gente come. Mulheres e crianças. Moços e velhos. Ali nos baixos do Viaduto Santa Ifigenia no coração de São Paulo.

Diário da Noite, 14 de março de 1946

* A grafia original do texto foi mantida, preservando-se quaisquer erros tipográficos.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

O Assassinato de Anita Carrijo

VITIMA DE BARBARO LATROCINIO A CONHECIDA LIDER DIVORCISTA

Anita Carrijo, uma das mulheres mais conhecidas em todo o Brasil pelas suas campanhas em favor do divorcio, foi assassinada, na madrugada de domingo ultimo, em seu apartamento, na rua Braulio Gomes, 131, 1º andar, onde residia há algum tempo e onde mantinha seu consultorio dentario.

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D. Anita Carrijo fotografada, na França.

Filha de José Leite Carrijo, nascida em São Paulo, a cirurgiã-dentista Anita Carrijo era desquitada do sr. Adalberto Carllsen, com quem se casou em 26 de abril de 1935, tendo obtido o desquite em 1949.
Desde então Anita dedicou-se a uma campanha de carater nacional visando obter leis que permitissem o divorcio no Brasil, tendo, nesse sentido, feito dezenas de conferencias em varias capitais e cidades do pais, fato que a tornou conhecida em todas as camadas sociais.

Mulher de vida mais ou menos agitada, escritora e conferencista, dedicava-se a sua profissão, de cirurgiã-dentista, tendo boa e selecionada clientela.
Anita Carrijo foi encontrada morta, na manhã de ontem (segunda-feira), no interior de seu apartamento, revestindo-se o crime de misterio.

O ALARMA

Na manhã de ontem, por volta das 9,30 horas, como era do seu habito, d. Irma Sargentelle, enfermeira, residente na rua 13 de Maio, 166, que vinha trabalhando como auxiliar de d. Anita há pouco mais de três meses, como possuisse a chave de entrada do apartamento onde a dentista residia, ali entrou, dirigindo-se, imediatamente, ao consultorio a fim de fazer a devida limpeza e prepara-lo para os trabalho normais do dia.

Ao entrar naquela dependencia, entretanto, d. Irma percebeu que algo de anormal tinha ocorrido no seu interior, de vez que, sobre o solo, aberta e com papeis espalhados, estava uma bolsa de d. Anita e sobre uma mesinha, encontrava-se uma outra bolsa, maior, tambem com papeis espalhados.

Apanhada de surpresa d. Irma, durante alguns segundos, ficou conjeturando, procurando decifrar o que poderia ter ocorrido ali, durante a noite anterior. Foi quando seus olhos depararam com um lugar vazio, exatamente onde deveria estar o aparelho de diatermia que não se encontrava no seu lugar.
Como a porta do quarto da dentista estivesse fechada por dentro, sem que a chave se encontrasse no lugar, d. Irma procurou olhar para seu interior, vendo, então, que d. Anita estava caida no chão. Não podendo atinar com o que sucedera, d. Irma procurou o sr. Higino Hermitice, zelador do predio, a quem relatou o sucedido.

O CADAVER

Subindo até o apartamento, o guarda-civil, usando a chave da porta interior que dá para o quarto da dentista, entrou no quarto deparando, então com um quadro tetrico. D. Anita Carrijo estava morta, com os braços e as pernas fortemente amarrados às costas, caida em decubito ventral. A cabeça estava inteiramente coberta por panos ensanguentados. Uma das meias, a da perna direita, fôra arriada e suas vestes, vestido, sai e combinação, estavam na altura do ventre.
O quarto encontrava-se inteiramente remexido. Papeis e roupas espalhados pelo assoalho e as gavetas abertas, em completo desalinho.

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Posição em que foi encontrado o corpo da dentista Anita Carrijo

CABELOS DO ASSASSINO NAS MÃOS DA VITIMA

O desarranjo quase total em que se encontravam alguns pequenos moveis do interior do quarto não deixam duvidas de que ela antes de ser morta, lutou com os assassinos, tanto que em sua mão direita, fortemente fechada, foram encontrados fios de cabelos, provavelmente arrancados de um dos assassinos durante a luta de vida e de morte que a infeliz dentista travou com seus algozes.

ESPARADRAPO NA BOCA

Como estivesse coma cabeça inteiramente envolta em pedaços de pano, estes tintos de sangue, ao serem arrancados verificou-se, para espanto geral, que d. Anita Carrijo tinha a boca inteiramente tapada por fortes pedaços de largo esparadrapo. Os pedaços desse adesivo, que foram colocados, uns sobre os outros, iam de orelha a orelha e do queixo até os olhos.
No frontal havia um ferimento provocado por um instrumento corto-contundente, de uns cinco centimetros de comprimento, por menos de meio centimetro de largura e de onde jorrara sangue em abundancia.

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Quatro metros da cordinha que serviu para que os braços e as pernas da vítima fossem amarrados às suas costas.

MORTA POR ASFIXIA MECANICA

O medico Marcio Santa Lucia, horas depois do encontro do cadaver, procedeu à autopsia, concluindo que d. Anita foi morta por asfixia mecanica, isto é, teve sua respiração impedida.

Peritos do Instituto de Policia Tecnica conseguiram varios levantamentos de impressões digitais deixadas quer no quarto da vitima, quer em seu consultorio dentario.

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Depois de assassinar a dentista Anita Carrijo, os assassinos colocaram sobre sua cabeça, como se fôra um capuz, uma saia da vitima encontrada num dos moveis.

CONHECIDO DA VÍTIMA [?]

O autor ou autores do bárbaro homicídio – o crime, em suas características deve ter sido cometido por mais de uma pessoa – não podiam deixar de ser conhecidos da vítima, de acordo com as investigações realizadas pela reportagem.

D. Anita Carrijo, segundo sua própria enfermeira, costumava recolher-se tarde da noite, ficando no leito, quase todos os dias, até 10 ou 11 horas da manhã, quando então era acordada para iniciar seus trabalhos rotineiros.

Todos os dias, quando arrumava as coisas da casa e do consultório, encontrava sobre a mesa da cozinha dois copos e duas xícaras, aqueles com restos de vinho e estas com restos de café.

Irmã Sargentelle

Outras pessoas do prédio, ouvidas pela reportagem adiantaram que d. Anita levava uma vida normal, recebendo em seu apartamento amigos e clientes, com os quais, muitas vezes ficava palestrando até altas horas da madrugada.
As circunstâncias de que se revestiu o crime levam a levantar-se a hipótese de que somente pessoas suas conhecidas poderiam ter entrado no seu apartamento para assassiná-la.
Os autores do homicídio conheciam tão bem o apartamento de d. Anita Carrijo, que não tiveram dúvidas em desligar a força elétrica no lugar onde esta fora ligada, não faz muito tempo, por um eletricista contratado pela vítima, ligação essa que se encontrava escondida por detrás de um móvel existente na sala de espera de sua residência.

E mais ainda: no corredor de entrada do primeiro andar, ao lado direito da escada do prédio, existe a caixa do telefone, onde foram feitas 13 ligações de aparelhos espalhados em todo o prédio. Os assassinos tiveram o cuidado de desligar, no interior dessa caixa, os fios do telefone do apartamento da vítima, que foram facilmente encontrados no emaranhado de outros fios ali existentes. Donde se conclui que os autores do homicídio não só conheciam perfeitamente d. Anita Carrijo, hipótese aceita preliminarmente pelos delegados de Segurança Pessoal, como sabiam onde se encontravam as ligações elétricas e telefônicas, que foram cortadas para evitar qualquer surpresa.

ESTEVE NUMA FESTA DE CASAMENTO

Irma Sargentelle, enfermeira da vítima, esclareceu ao reporter que na tarde de sábado último, por volta das 17 horas, ela e a vítima foram a um casamento, na Igreja de S. José do Belem. Posteriormente, ambas dirigiram-se à casa da mãe da noiva, d. Maria das Dores M. Ferreira, à rua Lucio Miranda, 46, no Ipiranga onde houve uma recepção aos convidados.

Segundo suas declarações, d. Anita Carrijo ficou na festa, enquanto que ela, por volta das 21 horas, se retirou para sua residência.

SAIU SEM SER VISTA

D. Maria das Dores M. Ferreira, ouvida posteriormente pela polícia, esclareceu que realmente a vítima esteve na festa de casamento de sua filha, tendo ficado, durante algum tempo, numa área existente em sua casa e onde se serviam bebidas. Por volta das 23 ou 24 horas é que algumas pessoas deram pela falta da dentista, que saíra da festa, ao que parece, sem despedir-se de quem quer que fosse.

Interrogada sobre se Anita Carrijo deixou sua casa acompanhada, não soube explicar, afirmando que, ao que parece, ninguém que ali se encontrava viu quando ela deixou a festa, tanto que ao darem pela sua ausência, estranharam o fato.

MORTA COM A MESMA ROUPA

Prestando outras informações, Irma Sargentelle esclareceu que a dentista foi encontrada morta, em seu apartamento, trajando as mesmas roupas com que esteve, no sábado ultimo, no casamento da filha de d. Maria das Dores M. Ferreira.

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D. Irma Sargentelle, que deu o primeiro alarma, era a enfermeira da dentista Anita Carrijo. Na foto, quando prestava informações ao reporter do Diario da Noite.

IA PUBLICAR UM LIVRO

Na manhã de ontem, quando os trabalhos de levantamento do local estavam sendo iniciados pelas autoridades policiais da Delegacia de Segurança Pessoal, surgiu, no apartamento da vítima, o argentino Nicassio Manuel Corvalon, que interrogado, alegou ter entregue à d. Anita vários volumes de livros especializados em odontocirurgia e que estava acertando, com ela, a publicação de um livro, também especializado, de sua autoria.

O SEPULTAMENTO

Familiares da vítima informaram que d. Anita Carrijo seria sepultada no dia 13 de maio de 1957, às 14 horas.

CONSTERNAÇÃO

D. Anita Carrijo, que era uma das lideres nacionais do movimento divorcista, tinha largo circulo de amizades, tendo sua morte causado consternação geral entre seus amigos.

Trechos extraídos do Diário da Noite (São Paulo), edição n. 9.906 de 13 de maio de 1957
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Os “gangsters” paulistanos estão em scena

Um inspector de policia gravemente ferido pela turma do “quebra tudo”

No ambiente policial, notava-se hoje desusada effervescencia. Um inspector de policia, aggredido pelas costas, cerca das 4 horas da madrugada de hoje, tombou gravemente ferido em plena avenida São João sendo, despojado das armas, dinheiro e da capa que levava no hombro.
Todos os collegas do policial – que se encontra recolhido ao leito em estado melindroso – traziam o cenho carrancudo e só pediam uma cousa aos chefes, um revide em regra.

Os autores da façanha são os mesmos que ha tempos aterrorizam os centros bohemios da capital: a turma do “Quebra Tudo”. Hoje o chefe é outro: o “Rosquinha”, elementos de pessimos antecedentes se bem que pertença á burguezia da nossa “urbs”…
Verdadeiros “gangsters”, dispostos a qualquer crime, dedicam-se a treinos… suaves, assaltando, espancando, depredando. Uma verdadeira vergonha que deve cessar.

Cabe á nossa policia empregar um drastico immediato para acabar com esse cancro social que perambula, saturado de cocaina, pelas ruas do centro, altas horas da madrugada.
Nenhuma contemplação para os “quebra-tudo”. É necessario combatel-os sem treguas, fazendo-os expiar o mal que praticam.

1935 paissandu
Largo do Paissandu, 1935

UMA AGGRESSÃO COVARDE

O inspector da Delegacia de Ordem Politica e Social, Affonso Mendes, n. 106, ás 4 horas da madrugada de hoje, depois de ter effectivado uma diligencia, encaminhava-se para a sua residencia. Para tanto, teve que atravessar a avenida São João. Nas proximidades do largo do Paysandú, foi abordado por dois rapazes, elegantemente trajados. Enquanto o inspector respondia a uma pergunta de um delles, outros individuos se lhe acercaram desferindo-lhe, na nuca, uma fortissima pancada. Atordoado, o inspector cahiu ao solo. Então o grupo saciou a sanha, esbordoando impiedosamente a victima, que teve todos os dentes partidos e o osso do nariz fracturado. Em seguida arrancaram o revolver do policial e o ordenado que ha pouco tinha recebido. Não contentes com isso, carregaram uma capa gabardine.
Unica testemunha do caso foi um padeiro que ouviu perfeitamente dizer:
– Mata esse… É um “tira”!

INSPECTORES QUE PEDEM UMA LICENÇA “SUI GENERIS”

Sentindo justissima revolta contra o attentado que victimou um companheiro, os inspectores da Delegacia de Ordem Politica e Social pediram ao delegado uma licença “sui generis”: carta branca para “quebrarem” os valentes. Havia lagrimas nos olhos dos rudes inspectores, quando fizeram o pedido. Sentiam grande ansia para revidarem á altura o covarde attentado.
O dr. Costa Ferreira recommendou calma, fazendo ver que, sem se recorrer á violencia, os culpados seriam punidos. Uma communicação do succedido foi enviada ao major Cordeiro de Faria que determinará quaes as medidas a serem tomadas contra os criminosos que formam o grupo de assaltantes.

Folha da Noite, 21 de novembro de 1931.
Fontes:
Acervo Folha
Acervos da Cidade

O Otário e o Vigarista

Não conseguiu passar o “paco”

Um “otario” com sorte e a prisão, em flagrante, de um vigarista

O scenario da quasi… tragedia, foi a rua do Seminario, arteria movimentadíssima.
Um honesto cidadão, foi inopinadamente abordado por um individuo apalermado, que parecia tonto com o movimento intenso da rua.

– O sr. sabe onde fica a Santa Casa?
– Sei, sim, é aqui pertinho, siga por aqui, dobre acolá, depois suba aquella ladeira e desça uma rampa, assim… assado… e está na Santa Casa.

O primeiro ficou com uma cara espantada. Como encontrar, seguindo aquella rotina, si nem conhecida a cidade? Tinha vindo do interior naquella horinha, unicamente para entregar áquelle instituto beneficente a quantia de… 20:000$000, ultima vontade de um parente fallecido havia dias. Si não fôra parente, elle não teria vindo, pois não conhecia a cidade e tinha muito medo dos “aguias”.

– O sr. não me poderia fazer um favor?
– Podendo…

E “cantou” o otario, offerecendo a “bolada” em troca de uma simples garantia: o que tinha no bolso.
E o otario, ia cahindo, quando appareceram dois inspectores da Delegacia de Falsificações, que tinha, “manjado” tudo e deram voz de pridão ao “malandro”, que não passa de um vigarista profissional.

As personagens do quasi drama, são: Otario: Manoel Pereira dos Santos, residente á rua Cesario Alvim, 100; “vigarista”, Jayme Antonio Ferreira; inspectores: José Maria e Alvaro Amorim.

Na presença das autoridades o “vigarista” disse que é a primeira vez que elle é preso em São Paulo. Trabalhou muito em Buenos Aires e Rio de Janeiro, onde é sobejamente conhecido.

Folha da Manhã, 21 de novembro de 1928.
Foto: Rua do Seminário, 1928 – Aurélio Becherini

Fontes:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervos da Cidade

 

 

Nas favelas do Parque Pedro II

GENTE QUE NEM TRABALHO ENCONTRA PORQUE NÃO TEM ONDE MORAR

Esquecidos dos institutos de aposentadoria – Uma carteira predial que só faz casa para rico – Ligeiro contacto da repórter da “Folha da Noite” com os habitantes de favelas no centro da Capital

Voltamos a focalizar, hoje, o problema de habitação em São Paulo. Não o fazemos, porém, buscando a opinião dos tecnicos ou a sugestão dos entendidos. Fomos diretamente à fonte e dela extraímos o material necessário para expô-lo a quem de direito. Trata-se de material concreto palpável e que salta aos olhos.
Visitamos, com esse propósito, o Parque Pedro II, bem perto da cidade. Ali, as favelas brotam como cogumelos, espantosamente.

AR CONDICIONADO E AGUA CORRENTE

A reportagem da “Folha da Noite” estêve em uma dessas favelas, junto ao centro de diversões Changai.
A primeira vista nota-se logo que esta favela possui ar condicionado às situações climatéricas e água corrente das frinchas das portas, das paredes e dos pseudos telhados.
A umidade que sobe do chão de terra batida e se alastra pelo corpo dos moradores das favelas, manifesta-se num reumatismo, numa paralisia ou numa tuberculose que não conseguem as competentes autoridades descobrir porque ataca quase um terço da população brasileira.

“JAMAIS VERÁS PAÍS ALGUM COMO ESTE”

Vendo que nos dispunhamos a fotografá-los, disse-nos a moradora de uma casinhola:
“Moço, isso vai sair no jornal? Não deixe. Cada vez que um jornalista aparece por aqui, logo depois vem um homem que diz ser de um Instituto de Aposentadoria qualquer e manda a gente embora. Ameaça e diz que se nós não sairmos por bem, os bombeiros vêm por a gente p’ra fora”.
“O dono do nosso quarto vendeu a casa porque precisavam derrubá-la a fim de alargar a rua e assim, tivemos que ir embora. Agora essa gente pensa que somos vagabundos e nos tratam desse jeito” – Aléa Gomes, outra residente da favela.
– “Trabalhei no Almoxarifado do Exército por muitos anos e agora não tenho onde morar. Essa gente derruba tudo quanto é casa de cômodo de cortiço e não põem nada no lugar e, assim, nós vamos ficando na rua. Os quartos que existem são muito caros, as casas também e os apartamentos… Bem, isso nem é para a gente”. – Comentou Maria do Rosario Campos, que ainda encontra tempo para mostrar prendas domésticas, organizando uma pequena horta ao lado de seu casebre, a fim de poupar alguns centavos.

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Em cima os “moradores” de uma “favela” desfilam suas amarguras à repórter, e um casal alojado num quarto. Em baixo: a preta velha conta à repórter como “faz milagre” para ocupar aquele espaço vital… e uma cama que é, também, guarda-roupa e outras coisas

NÃO PODE CONSTRUIR SUA CASA

Um funcionário da Light, também puxou sua prosinha:
“Meu nome é Jeronimo Campos. Estava esperando há muito tempo que a Caixa de Aposentadoria e Pensões de Serviços Publicos de São Paulo de onde sou contribuinte, mandasse me chamar para escolher uma das casas que ela constrói para os seus associados. Mas, qual o que. Nunca chegava a minha vez. Então, fui lá. Na seção da Carteira Predial me informaram que só havia casa para quem ganhasse de Cr$800.00 para cima. O meu ordenado não dava. Mas o caso é que todos os associados devem ter direito a uma moradia, desde que contribuam. Se o preço daquelas é muito alto, façam outras mais pobres… Mas, façam!”.

“POR QUE VOCÊ NÃO TRABALHA, RAPAZ?”

“Moro com minha mãe num desses casebres”. Informou-nos um dos moradores. Ela estava cediada em Vila Mascote, mas fugiu de lá porque não a tratavam bem. Agora está aqui exposta à friagem e a umidade.
“Sou pensionista da Caixa de Aposentadoria e Pensões da Sorocabana, desde que adquiri um reumatismo articular muito forte e assim, sem casa e com uma assistência quase que só nominal da Caixa de Aposentadoria, mal posso manter a nós ambos”.
“Por que você não trabalha, rapaz?”, interrompeu o gerente da fábrica de tecidos vizinha, que havia chegado no momento. Informado de que falava com uma pessoa que não estava em condições de trabalhar, prosseguiu:
– “Nós na fábrica não fornecemos água e nem damos emprego para essa gente. Se fizermos isso, acabamos achando fama de “bonzinhos” e eles não nos largarão mais. Depois se vê o prejuizo que tal vizinhança ocasiona. É de se notar o número de incidentes provocados pelos moradores das favelas clandestinas, com os operários da fabrica sob minha gerência. O Governo precisa inventar um meio de abrigar essa gente. Assim como está, nós estamos sendo constantemente incomodados”, concluiu o gerente da fábrica.

Folha da Noite, 10 de novembro de 1945.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira