Calçamento da Capital (1937)

Nunca, como agora, a cidade de S. Paulo andou mais esburacada.

Raras são as ruas e avenidas onde não se encontra um enorme buraco para a construcção de galerias para aguas pluviaes, para passagem de cabos telephonicos ou para remoção do antigo calçamento, que deve ser substituido pelo moderno asphalto.

Acompanhamos com attenção e bôa vontade a obra de embellezamento da cidade. S. Paulo era uma cidade de aspecto feio e triste. As obras para substituição do velho calçamento de parallelepipedos pelo asphalto, são, pois, dignas dos maiores encomios. Com duas coisas, entretanto, não estamos de accôrdo. A primeira dellas é a falta de criterio da Prefeitura, que abre innumeras ruas ao mesmo tempo, revolvendo o revestimento, sem ter material e mão de obra sufficiente para atacar varios serviçoes ao mesmo tempo. Seria muito mais acertado começar uma rua por vez e, terminado o serviço nessa via publica, dar, então inicio a outra.

Os prejuizos decorrentes dos serviços de concertos em certas ruas são incalculaveis. São os commerciantes que se prejudicam. São os particulares que ficam sem acesso facil ás suas residencias, até para si, quanto mais para os seus vehiculos. Um exemplo frisante disso é o que está acontecendo, actualmente, com a avenida Rangel Pestana. Ha mais de um anno que essa importante arteria está intransitavel, o commercio paralysado e os particulares fazendo acrobacias para attingir suas residencias. E com essa rua nesse Estado, a Prefeitura abre a avenida São João e tambem a transforma em montanha russa.

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Avenida São João. Autor: B. J. Duarte, 1937.

A segunda objecção que fazemos é referente á falta de conservação das ruas já calçadas de novo, e das de antigo revestimento. A rua da Consolação, por exemplo, ha bem pouco asphaltada, já ostenta innumeros buracos, feitos para ligação de canos d’agua. As valletas ficam ali durante mezes e mezes, e quando a conserva chega, já encontra uma grande parte do calçamento abalado.

Junto dos trilhos de bondes deveria haver um serviço permanente de reparação. As aguas pluviaes que se infiltram pelas frestas deixadas ao longo dos trilhos vão fazendo ceder o terreno e, em pequeno prazo, está a linha cheia de depressões e saliencias, onde esse vehiculo sacóde, horrivelmente, fazendo saltar uma larga área de revestimento.

No Rio de Janeiro, ha varios caminhões da Prefeitura que transportam turmas de conserva e material necessario, correndo sempre a cidade. Qualquer anormalidade encontrada é logo reparada, ficando o serviço muito mais rendoso e barato. É assim tambem, em Nova York, em Buenos Aires e outras grandes metropoles.

Calçar ruas inteiras, fazendo um trabalho carissimo, para depois abandonal-as, é pôr dinheiro fóra. Cuide mais a Prefeitura da conservação do calçamento e não comece obra nova nenhuma emquanto não terminar as iniciadas, são os votos que fazemos e, por certo, os de toda a população paulista.

Correio Paulistano, São Paulo, 29 de dezembro de 1937.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original do texto foi mantida.

Os “gangsters” paulistanos estão em scena

Um inspector de policia gravemente ferido pela turma do “quebra tudo”

No ambiente policial, notava-se hoje desusada effervescencia. Um inspector de policia, aggredido pelas costas, cerca das 4 horas da madrugada de hoje, tombou gravemente ferido em plena avenida São João sendo, despojado das armas, dinheiro e da capa que levava no hombro.
Todos os collegas do policial – que se encontra recolhido ao leito em estado melindroso – traziam o cenho carrancudo e só pediam uma cousa aos chefes, um revide em regra.

Os autores da façanha são os mesmos que ha tempos aterrorizam os centros bohemios da capital: a turma do “Quebra Tudo”. Hoje o chefe é outro: o “Rosquinha”, elementos de pessimos antecedentes se bem que pertença á burguezia da nossa “urbs”…
Verdadeiros “gangsters”, dispostos a qualquer crime, dedicam-se a treinos… suaves, assaltando, espancando, depredando. Uma verdadeira vergonha que deve cessar.

Cabe á nossa policia empregar um drastico immediato para acabar com esse cancro social que perambula, saturado de cocaina, pelas ruas do centro, altas horas da madrugada.
Nenhuma contemplação para os “quebra-tudo”. É necessario combatel-os sem treguas, fazendo-os expiar o mal que praticam.

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Largo do Paissandu, 1935

UMA AGGRESSÃO COVARDE

O inspector da Delegacia de Ordem Politica e Social, Affonso Mendes, n. 106, ás 4 horas da madrugada de hoje, depois de ter effectivado uma diligencia, encaminhava-se para a sua residencia. Para tanto, teve que atravessar a avenida São João. Nas proximidades do largo do Paysandú, foi abordado por dois rapazes, elegantemente trajados. Enquanto o inspector respondia a uma pergunta de um delles, outros individuos se lhe acercaram desferindo-lhe, na nuca, uma fortissima pancada. Atordoado, o inspector cahiu ao solo. Então o grupo saciou a sanha, esbordoando impiedosamente a victima, que teve todos os dentes partidos e o osso do nariz fracturado. Em seguida arrancaram o revolver do policial e o ordenado que ha pouco tinha recebido. Não contentes com isso, carregaram uma capa gabardine.
Unica testemunha do caso foi um padeiro que ouviu perfeitamente dizer:
– Mata esse… É um “tira”!

INSPECTORES QUE PEDEM UMA LICENÇA “SUI GENERIS”

Sentindo justissima revolta contra o attentado que victimou um companheiro, os inspectores da Delegacia de Ordem Politica e Social pediram ao delegado uma licença “sui generis”: carta branca para “quebrarem” os valentes. Havia lagrimas nos olhos dos rudes inspectores, quando fizeram o pedido. Sentiam grande ansia para revidarem á altura o covarde attentado.
O dr. Costa Ferreira recommendou calma, fazendo ver que, sem se recorrer á violencia, os culpados seriam punidos. Uma communicação do succedido foi enviada ao major Cordeiro de Faria que determinará quaes as medidas a serem tomadas contra os criminosos que formam o grupo de assaltantes.

Folha da Noite, 21 de novembro de 1931.
Fontes:
Acervo Folha
Acervos da Cidade