Alcântara Machado e os monumentos de São Paulo

À sensibilidade modernista de Alcântara Machado repugnavam a arquitetura e os monumentos de São Paulo.

Tome-se a Catedral, cujas obras aliás vinham sendo tocada sem ritmo ainda mais pachorrento do que o de costume. Resolve-se fazê-la. A decisão é correta. “Mas a quem encomendam o projeto? A um alemão. E o alemão já sabe: surge com uma coisa em estilo gótico.”

sé 25-10-1939 - benedito j duarte tesouros de sp.JPG
Catedral da Sé em construção. B. J. Duarte, 25-10-1939. Fonte: Tesouros de São Paulo

O Palácio da Justiça que se projetava construir, para em boa hora começar a dispensar as improvisadas instalações até então ocupadas pelo Poder Judiciário, “será mais um exemplar da engraçada arquitetura oficial”.

palácio da justiça 30-09-1938 - bj duarte tesouros.JPG
Palácio da Justiça. B. J. Duarte, 30-09-1938. Fonte: Tesouros de São Paulo

O Palácio das Indústrias “não tem jeito de nada e sua divisão interna chega a dar raiva”.

palácio das indústrias 1937 sebastião de assis ferreira tesouros.JPG
Palácio das Indústrias. Sebastião de Assis Ferreira, 1937. Fonte: Tesouros de São Paulo

O recém-inaugurado edifício dos Correios “é ignóbil: foi feito para fábrica e é assimétrico como um bandido lombrosiano”.

correio geral - COL. THALES RIBEIRO DE MAGALHÃES - CTRM  - 05-06-1923 fmp.jpg
Prédio dos Correios. Autor desconhecido, 05-06-1923. Fonte: Fundo Museu Paulista

O Theatro Municipal “não tem equilíbrio”.

theatro 1920s g prugner postal fmp.jpg
Theatro Municipal, sem data. Cartão Postal G. Prugner. Fonte: Fundo Museu Paulista

Quanto aos monumentos que vinham sendo espalhados pela cidade… O de Bilac, no fim da avenida Paulista, é “hediondo”.

monumento a olavo bilac sd fmp.jpg
Monumento a Olavo Bilac. Autor desconhecido, sem data. Fonte: Fundo Museu Paulista.

O de Giuseppe Verdi, no Anhangabaú, é “o horror mais absurdo”.

praça do correio e mon verdi 22-11-1942 bj duarte tesouros.JPG
Monumento a Giuseppe Verdi na Praça do Correio. B. J. Duarte, 22-11-1942. Fonte: Tesouros de São Paulo

O da Independência, no Ipiranga, apresenta, entre outras aberrações, “um Tiradentes ginecomasto”.

DR. AFFONSO TAUNAY ENTRE AS PESSOAS 1922 fmp.jpg
Dr. Affonso Taunay entre pessoas. Autor desconhecido, 1922. Fonte: Fundo Museu Paulista

O de José Bonifácio, o Moço, no largo de São Francisco, fez desse ilustre poeta e professor da Faculdade de Direito “outra vítima da posteridade”.

MONUMENTO A JOSÉ BONIFÁCIO, O MOÇO NO LARGO SÃO FRANCISCO sd fmp.jpg
Monumento a José Bonifácio, O Moço, no Largo São Francisco. Autor desconhecido, sem data. Fonte: Fundo Museu Paulista

E o que celebra a fundação da cidade de São Paulo, no largo do Palácio — obra do mesmo italiano Amedeo Zani que fez o monumento a Verdi —, só está lá porque Anchieta, ao fundar a cidade, não previu que haveria um monumento à fundação. Se previsse, “não fundava nada”.

VISTA PARCIAL DO PÁTIO DO COLÉGIO 1924 theodor preising.jpg
Monumento Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo. Theodor Preising, 1924. Fonte: Fundo Museu Paulista

O aspecto geral da cidade, ele assim descreveu: “São Paulo é uma batida arquitetônica. Tem todos os estilos possíveis e impossíveis. E todos eles brigando com o ambiente. Quer os edifícios públicos, quer as casas particulares, aberram do solo em que se levantam. A cidade tem assim um arzinho de exposição internacional”.

Fonte: TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da vertigem: uma história de São Paulo de 1900 a 1954 / Roberto Pompeu de Toledo. ‒ 1. ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

 

Como ligar as duas collinas do Parque Anhangabahù?

Construir um novo viaducto ou levantar um aterro? ‒ Os projectos apresentados estão sendo estudados pela Prefeitura

Durante algumas semanas estiveram expostos, no saguão do Theatro Municipal, os desenhos e projectos apresentados ao concurso instituido pela Prefeitura referente a ligação das duas colinas que margeiam o Anhangabahu, no local onde se acha actualmente o Viaducto do Chá.

I0002583-30Alt=000510Lar=000755LargOri=000755AltOri=000510.JPG
Fonte: B. J. Duarte (1935)

Com o encerramento da exposição as plantas foram removidas dali afim de serem entregues á Secção de Urbanismo, que irá decidir sobre a escolha do projecto em que se baseará a execução do serviço.
Os projectos apresentados, apesar de interessantes e bem cuidados, são passiveis de critica. Analysando-os sob o triplice aspecto: solução de trafego, economia e esthetica, apresentam vantagens e inconvenientes. Procurou-nos hontem o sr. José Gargione que, permittindo-se fazer alguns reparos, nos disse o seguinte:
‒ “Devo confessar, principalmente, que me animei a criticar os trabalhos dos concorrentes, unicamente na qualidade de estudioso que sou em materia de architectura, á qual me dedico ha varios annos. Pretendia mesmo apresentar um projecto, que ficou sómente num simples esboço por haver se esgotado o prazo para inscripção antes que o concluisse.

Comtudo, despretenciosamente me animo a apresentar algumas sugestões que talvez aproveitem á commissão que irá decidir em definitivo sobre o assumpto. De inicio me declaro contrario á execução de um aterro no valle, que destruiria em parte a beleza do local, aggravando sobremaneira o escoamento das aguas pluviaes que ficariam represadas pela barragem. As aguas da chuva, que correm naturalmente para o Tieté, formariam ali um verdadeiro lago.

Além desses inconvenientes, que saltam logo aos olhos, ha os referentes ao transito. Procura-se descongesionar o trafego de vehiculos e com isso só as aggravaria a situação. As rampas que forçosamente crearia o aterro prejudicariam enormemente a passagem dos vehuiculos por ali.

Em favor de construcção do aterro só ha um factor: a economia. Claro é que ficaria num preço inferior ao viaducto, mas teria mais tarde graves inconvenientes, que redundariam em prejuizos muito maiores.

I0002586-30Alt=000505Lar=000763LargOri=000763AltOri=000505.JPG
Fonte: B. J. Duarte (1935)

UM VIADUCTO ‒ FONTE DE RENDA

‒ “O projecto apresentado com o pseudonymo de “Itá” ‒ classificado em primeiro lugar ‒ preconiza um viaducto cujas partes inferiores seriam aproveitadas para a construção de salões, destinados a servir de local para conferencias, exposições e mesmo para um cinema com capacidade de 3.000 pessoas. Seria, assim, uma fonte de renda para a Municipalidade.

Nesse caso, se o objectivo é de ordem financeira seria melhor converter-se o parque todo em terreno para edificação de predios, o que daria notavel resultado… A obra realizada não seria um viaducto propriamente dito, mas uma grande caixa metallica, cujas paredes attenderiam contra a esthetica da cidade, tirando a belleza do Anhangabahu.

A renda da locação dos espaços sob o viaducto não compensaria a propria despesa, que seria enorme para a adaptação do local ás exigencias da construcção, além dos defeitos já enumerados.

I0002594-30Alt=000514Lar=000760LargOri=000760AltOri=000514.JPG
Fonte: B. J. Duarte (1935)

UMA CONSTRUCÇÃO DE CONCRETO ARMADO

A construcção que seria aconselhavel para um viaducto das proporções requeridas, deveria ser, na minha opinião, de concreto armado e não de aço unicamente. O concreto, seguindo as qualidade que lhe são inherentes, se acha em melhores condições de soffrer mudanças bruscas e accentuadas da atmosphera, como sóe acontecer nos terrenos baixos.

O viaducto de concreto teria tres grandes arcos, conforme as construcções classicas e mediria 25 metros de largura. Essa dimensão seria sufficiente para comportar duas vias carroçaveis, superiores, de oito metros cada uma e mais dois passeios lateraes de dois metros e meio cada. Isso seria sufficiente para a boa distribuição do trafego no local. O escopo principal dessa disposição seria evitar a derrubada desnecessaria da ala de palmeiras que embelleza o parque. Uma largura exaggerada para o viaducto poria em conflicto com relação á rua Barão de Itapetininga, a harmonia de linhas que terá de manter com aquella via publica.

I0002589-30Alt=000514Lar=000762LargOri=000762AltOri=000514.JPG
Fonte: B. J. Duarte (1935)

A QUESTÃO DO TRANSITO

‒ “Mais um dos pontos criticaveis é o relativo á questão do trafego de vehiculos.
A circulação de bondes, pelo viaducto, seria grandemente facilitada com a creação, na praça da republica, de um ponto terminal, a exemplo do Rio de Janeiro, onde nem todas as linhas terminam no coração da cidade. A praça da Republica por sua situação e pelo espaço que offerece, facilitaria a construcção de abrigos publicos, tão necessarios a uma cidade que dia a dia augmenta de população.

Com a creação desse ponto final, os bondes deixariam de trafegar pelo viaducto, ou melhor, sómente um numero limitado passaria por elle. Isso constituiria mais um passo dado no sentido de se evitar o congestionamento de vehiculos, notadamente de automoveis e auto-omnibus, cujo numero cresce vertiginosamente na capital paulista.

O trafego, no centro da cidade, seria desafogado consideravelmente. O movimento de pedestres, com o augmento que se verifica na densidade da população, terá por isso, de augmentar. Os pontos terminaes do centro serão, por certo, abolidos. O congestionamento que se observa actualmente no viaducto não é resultado unicamente de sua pouca largura. Tudo depende da capacidade de trafego da totalidade das ruas que desembocam na praça do Patriarcha. Se se nota actualmente grande numero de vehiculos parados no viaducto é porque a rua Libero, estreita como é, não dá vasão ao grande numero de vehiculos que por ella transitam.

Muito se fala, quando se toca em urbanismo, em exemplos estrangeiros. Em entrevistas concedidas á Imprensa, um dos concorrentes falou mesmo nas “avenidas de Nova York”, plethoricas de massas humanas e vehiculos… e citou o “subway”, ou em outra linguagem o “trem subterraneo”, onde não existem cruzamentos em niveis… Não é preciso ir tão longe para se falar dos acesos problemas. O Brasil é ainda um vasto paiz e não soffre do mal da super-população… Além disso termos, á mão, obras de engenheiros de nomeada, que são verdadeiros modelos de technica e arte. Não é preciso copiar o que ha no estrangeiro.

Abandone-se,  portanto, a mania de só se observar o que há lá fóra. Sigamos, para nosso proveito, o que magistralmente se escreveu no monumento de Ramos de Azevedo: ‒ “Age quod agis”…

Correio de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1935.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Destruir o Ester, a ilógica opção

1º exemplo da arquitetura racionalista

O edifício Ester, considerado por muitos como um dos melhores exemplos da arquitetura moderna do Brasil, é olhado como um marco, e por mais de uma razão. Foi concebido e projetado por Alvaro Vital Brasil, um paulista que estudou e trabalhou muitos anos no Rio, considerado um solitário, porque seus contemporâneos Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Carlos Leão trabalhavam em equipe.

1975-11-21 demolição do esther 2.png

Álvaro Vital Brasil projetou o Ester – o primeiro exemplo de arquitetura racionalista brasileira – com Ademar Marinho. A construção terminou em 1938, dois anos antes que se concluissem as obras do Ministério da Educação, feito por aquele grupo carioca a partir de um “croquis” de Le Corbusier, de 1936.
O Ester, alem de ser também o primeiro edifício comercial do Brasil com estrutura livre, fixou o gabarito de dez andares da Praça da República, em sua época.
Despertando desde logo a atenção dos habitantes da São Paulo logo que foi concluído, nele moraram e moram muitos intelectuais e artistas, nos andares superiores (os primeiros andares são ocupados por escritórios comerciais). Ali mora o poeta e escritor Francisco Luis de Almeida Salles, e moram, durante muitos anos, o pintor Di Cavalcanti e a pintora Noemia Mourão.
Álvaro Vital Brasil nasceu em São Paulo em 1909, e formou-se em 1934 na Escola Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro).

esther4

NO PRÉDIO

A reação de alguns proprietários e moradores do edifício Ester, localizado na esquina da rua 7 de Abril com a avenida Ipiranga, diante da possibilidade do prédio ser desapropriado para dar lugar à Estação República do Metrô, foi de total perplexidade.
A maioria dos entrevistados não havia sequer ouvido falar em desapropriação, e não foram poucos os que disseram que o prédio já faz parte do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, pois sua arquitetura foi um marco para a época em que foi construído.
Segundo o sindico Elis Antunes, o edifício Ester, tem 38 anos de vida útil, e foi construído pela família Coutinho Nougueira para moradia e para abrigar os escritórios da Usina Ester, de sua propriedade.
“A partir de 1963 o prédio passou a condomínio, e desde essa época, cerca de vinte apartamentos do 1º ao 5º andar, funcionam como escritórios comerciais, e cerca de trinta, do 5º ao 11º, são residências particulares.”
Elis Antunes foi um dos primeiros moradores do prédio; ele mora há 31 anos no apartamento 805. No entanto, ele se tornou proprietário somente há onze:
“Trabalhei a vida toda como contador da Usina Ester, no próprio prédio, e em 1964 consegui comprar o apartamento onde morava naquele ano paguei Cr$ 10 mil pelo imóvel, e hoje acredito que esteja valendo cerca de Cr$ 350 mil.”

esther3.JPG

JÁ DESCONFIAVA

O síndico afirmou ontem que nunca ouviu nenhum boato sobre uma possível desapropriação, mas desconfiou de alguma coisa quando os engenheiros do Metrô estiveram, por duas vezes, no prédio para examiná-lo e estudar as plantas.
O síndico não entende porque o Instituto de Educação Caetano de Campos não pode ser demolido e dar lugar à Estação do Metrô, como o prefeito havia anunciado.
“O prédio é tão velho, e na minha opinião não tem valor histórico nenhum porque já foi reformado duas vezes. O prédio tem um arquitetura confusa além de não ser original”.
Falando sobre o edifício Ester, Elis Antunes disse que o prédio sofreu apenas uma reforma externa: as placas de vitrolite (espécie de mármore vitrificado) da fachada foram trocadas por placas de concreto.
As coisas que o síndico mais admira no prédio são as colunas de mármore – importado – do hall de entrada, as escadarias de mármore e os corrimões de bronze. Segundo ele, a construção do prédio custou quase Cr$ 10 milhões antigos em 1938.

esther2.JPG
Autor: B. J. Duarte 8/4/1938

DESESPERO

Manoel Brodskyn, sem dúvida, foi a pessoa que ficou mais desesperada com a idéia da desapropriação: “Não pode ser, é brincadeira do prefeito – não acredito”. Todo o seu desespero é provocado pelo fato de já ter gasto uma fortuna na reforma da joalheria onde é gerente: a Sauer Joalheiros, filial da loja do mesmo nome.
Para ele, o prejuízo será “monstruoso, incalculável”, pois tem certeza de que o preço pago pela desapropriação não chegará “nem à metade do valor real do imóvel, sem contar os investimentos feitos na reforma”.
Ele diz que a reforma da loja começou há cerca de quatro meses, e os engenheiros prometeram entrega-la pronta em dez dias. Porém, com a possibilidade da desapropriação, ele já não sabe o que fazer:
“Tenho vontade de mandar os operários pararem de trabalhar”.

esther5.JPG

DISPARATE

Para Sten S. Detthow, advogado com escritório no prédio, a desapropriação do edifício Ester é o maior absurdo que já ouviu:
“É um disparate tão grande que não sem nem como reagir; não entendo como é que podem desapropriar um prédio que já faz parte do Patrimônio Histórico do Estado”.
O advogado também não se conforma com o tombamento do Instituto de Educação Caetano de Campos, apesar de ter sido aluno da escola há 57 anos:
“É um prédio velho, feio e grande demais para a área que ocupa, além de ter menos importância arquitetônica que o Ester”.

Folha de S. Paulo 21 de novembro de 1978.

Fontes:
Acervo Folha
Arquivo Arq