Atinge a violência o movimento anti-semita surgido em S. Paulo (1960)

Forçaram a porta, atingiram o patio, mas foram rechaçados — Intranquilidade na colonia israelita desta Capital — Policia oferece garantias: policiadas as sociedades judaicas e guarnecidas as sinagogas — Os episodios de ontem são uma negação à história e a à tradição do povo brasileiro

Um grupo de dez a quinze jovens invadiu a sede da Congregação Israelita Paulista na madrugada de ontem, depois de pintar slogans anti-semitas na parede externa do edifício.

De acordo com as declarações de Antonio Angelino da Silva, porteiro da entidade, e que foi ouvido ontem no Departamento da Ordem Politica e Social, os manifestantes forçaram a porta da rua e alcançaram o patio interno do predio, mas foram rechaçados, fugindo num automovel. Disse que os reconhecerá se a Policia os puser à sua frente.

Antonio Angelino da Silva, quando prestava declarações no DOPS

O fato ocorreu por volta das 3,30 horas da madrugada e às 8 horas foi comunicado ao diretor administrativo da Congregação, sr. Hans Feuereisen, que entrou logo em contato com a policia politica.

A polícia oferece garantias à porta dos templos e de entidades israelitas

O delegado Italo Ferrigno determinou que se efetuassem investigações em torno do caso e obteve completo esclarecimento, segundo adiantou à reportagem, recusando-se entretanto a revelar nomes “por ser prejudicial ao andamento das diligencias”. Para garantir templos e entidades judaicas de São Paulo e do ABC, foram designados 22 investigadores. Oito viaturas da Radio Patrulha guarnecem as sinagogas, a fim de evitar que se reeditem os acontecimentos de ontem.

A CRUZ GAMADA

A cruz gamada, símbolo do nazismo, apareceu nas inscrições pintadas na parede da Congregação, numa sinagoga da Bela Vista e nos tapumes de uma construção na rua Brasilio Machado, esquina com Baronesa de Itu, bairro de Santa Cecília. Ao lado da “swastica”, liam-se frases terroristas tais como: “Morte aos judeus”,, “São lobos, não são ovelhas”, ou simplesmente “Vá pra casa, judeus”.

A “swastica”, simbolo do nazismo anti-semita, amanheceu ontem na parede da Congregação Israelita Paulista. Ao lado, a inscrição hostil: “Vá pra casa, judeu”

PRISÃO DE UM PINTOR

Em São Bernardo do Campo, proximo a uma sinagoga, investigadores detiveram um individuo que passava sobraçando material para pintura. Provou que era pintor (por ironia, a mesma profissão de Hitler) e se dirigia para o trabalho, sendo posto em liberdade.

O delegado Italo Ferrigno acredita que o movimento não recrudescerá em São Paulo. “O fato deve ter origem na irresponsabilidade de alguns mocinhos que não pensaram estar brincando com a coisa tão séria”, ponderou aquela autoridade. Lembrou contudo que deve haver um “cabeça” que organizou tudo e que tentará repetir a façanha”.

Já o presidente do Conselho da Federação Israelita, sr. Moisés Kaufmann, mostrava-se apreensivo com os acontecimentos: “Estamos indignados com esse atendimento vergonhoso. Querem implantar no Brasil um estado de coisas lamentavel, de melancolica memoria: a perseguição racista, coisa que nunca se viu neste país”.

O presidente do Conselhos da Federação fazia-se acompanhar ainda do sr. Ernesto Kock, presidente da Congregação Israelita Paulista, do sr. Romeu Mindlin, filiado a essa entidade, e do deputado Jacob Zveibel.

TERRORISTAS E NÃO “PLAY-BOYS”

— “Lamentamos não somente por nós, mas tendo em vista o povo que nos acolheu e nos deu um lugar para viver em plena liberdade e gozo dos direitos democraticos” disse o sr. Hans Feuereisen, presidente da Congregação Israelita Paulista, solicitado a se manifestar sobre o assunto na sede da entidade de que é diretor administrativo. Esclareceu que os autores da provocação anti-judaica chegaram a violar o recinto da Congregação, conforme atestou o porteiro da noite. “Isso prova” sentenciou “que não se trata de mera brincadeira de gaiatos”.

Sr. Hans Feuereisen: “As hostilidades ultrapassam os limites da aventura inconsequente”

Aduziu que se a intenção dos manifestantes não tivesse um fundo preconcebido e perigoso, eles teriam pintado a parede às escondidas. O fato de haverem invadido o patio da entidade, forçando a porta, é indicio de que seus objetivos ultrapassavam os limites da pura e simples aventura de vandalos inconsequentes”.

Informou ainda que reinava grande inquietação no seio da coletividade israelita e a expectativa e apreensão estendiam-se a cerca de setenta entidades existentes em São Paulo que, juntamente com as do Rio, reunem 75 por cento da população judia do Brasil, constituida de cerca de 150 mil pessoas. “Certamente há o que temer”, acrescentou. “Vejamos os proximos dias… ou noites”.

RENASCE O TERRORISMO

Rabino Menahem W. Diesendruck: “Não adianta punir os malfeitores. Os fatos se repetirão. Urge uma campanha de esclarecimento”

“Minha interpretação desses fatos resume-se numa unica ideia”, afiançou-nos o rabino Menahem W. Diesendruck. “O germe venenoso do nazismo não foi ainda extirpado na Alemanha. Remanescentes da ditadura do Fuherer ainda hoje ocupam posições especialmente no ensino. No Brasil, tal não acontece, mas essas explosões de odio anti-semita podem ser atribuidas a um movimento internacional. Nos dias de hoje, Adenauer esforça-se por apagar essa pagina dolorosa que Hitler escreveu. O nazismo pretende renascer e com ele o terrorismo internacional para desmoralizar a desnazificação da Europa. As provocações continuarão enquanto não se empreender uma campanha de esclarecimento da juventude, ensinando os moços a ler na Historia o horror deflagrado pela paixão militarista do regime implantado na Alemanha por Hitler. Parece que o holocausto de seis milhões de judeus ainda não serviu para advertir o mundo das tragicas consequencias que poderão advir dessa onde de perversidade que ameaça varrer de novo o continente europeu e avançar contra o mundo. “Em relação ao Brasil, não adianta caçar os malfeitores. Esse movimento é dirigido por um interesse internacional facilmente identificavel e voltado para o exterminio da raça judaica. Casos semelhantes têm-se registrado no Chile, Inglaterra, Finlandia e deverão repetir-se na America do Sul”, concluiu.

TELEFONEMAS ANONIMOS E CARTAS AMEAÇADORAS

O recrudescimento das violências anti-semíticas na Europa e em alguns países da América do Sul, tem colocado em sobressalto os judeus radicados em São Paulo. O delegado Italo Ferrigno recebeu queixas de elementos da colonia israelita, que estão sendo vítimas de provocações através de telefonemas anônimos e de outras formas não menos ameaçadoras. O Círculo Israelita de São Paulo recebeu cartas, assinadas por “um integralista”, vazadas em termos rancorosos, em que o remetente acusa judeus de horripilantes crimes contra a humanidade.

Diário da Noite, São Paulo, 7 de janeiro de 1960.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original foi mantida, bem como quaisquer erros de acentuação, pontuação etc.

Urge Salvar o Caiçara (1960)

ESTÁ MORRENDO À MINGUA SEM VIVERES NO LITORAL

Faltam alimentos e as crianças estão sem leite em pó ‒ Imperiosa a campanha para ajudar a população do litoral paulista ‒ Angustiante apelo ‒ A situação reinante em Ilha Bela e S. Sebastião.  

Através de sucessivas reportagens, ilustradas, vivas, pôde o povo de São Paulo conhecer de perto e ao nú, os cruciantes problemas, com que se debate o caiçara dessa região. Insulado, falto de recursos, subnutrido, está a exigir a atenção e os cuidados dos poderes publicos e dos particulares […].  

Sobretudo agora, necessita imperiosamente, mais do que nunca. Para nova cruzada, tão angustiante, quanto a que se apresenta, aos olhos de todos os brasileiros, dos flagelados do nordeste, esses irmãos que nasceram para o sofrimento.  

Noticiaram os jornais que, há um mês, se acham paralisadas as duas unicas barcas que fazem o suprimento da região, a “São Manuel” e a Sud America”, em virtude da greve deflagrada entre os arrumadores do Porto de Santos, motivada pelo pedido de reajustamento das tarifas não atendido, ainda, pelo Governo.  

Pode-se calcular os sofrimentos e as privações daquela gente, com os armazens desprovidos de viveres, as crianças sem leite em pó… e isto, tão perto de São Paulo. Impõe-se providencia imediata e energica, objetivando evitar-se que morram à mingua, sem alimento e sem viveres.  

Trechos de carta de Nilsa do Valle Costa, presidente da Assistencia do Pequeno Caiçara de São Sebastião”, dirigida a Edmundo Monteiro, diretor-geral dos “Diarios e Emissoras Associados.  

Carta publicada no Diário da Noite em 26 de abril de 1960.  

A ortografia da época foi mantida.

Instalado na Capital Paulista Notavel Centro de Cultura Fisica

Sob a orientação de dois medicos e professores de educação fisica, a Academia Paulista de Halteres, com três meses de existencia, surpreende pela sua eficiencia ‒ Três mil e quinhentos quilos de material conta a novel organização

Texto de José Minas Costa

ORGANIZAÇÃO EFICIENTE

Ao chegar à rua Santa Ifigenia, 176 ‒ sobreloja, local onde se encontra instalada a Academia Paulista de Halteres, ficamos surpresos com a eficiencia da sua organização. Um grupo de jovens estavam sendo submetidos a um treinamento rigoroso sob a orientação dos irmãos Florio, professores de educação fisica. Valdemar informou que foi diplomado pela Escola de Educação Fisica do Estado de São Paulo, em 1948 e só em agosto de 1960 foi que conseguiu transformar em realidade velho sonho acalentado desde os primordios da sua vida, isto é, fundar um estabelecimento onde a mocidade possa preparar-se para enfrentar, sem temor, as vicissitudes da vida.

A Academia conta com 1 banco supino, 2 puxadores, 25 barras prontas, 34 pares de halteres, 5 bancos anatomicos, 2 pranchas e 1 paralela, pesando o material 3.500 quilos.

EXAME DE ADMISSÃO

Antes de ingressar na Academia o candidato é submetido a cuidadoso exame medico. Para tanto, os srs. Sergio Franco de Almeida e Halen Chati prestam seus serviços profissionais ao nosso centro de cultura fisica. Só depois do laudo medico chegar as nossas mãos é que o candidato, apto, será inscrito como socio, condição indispensavel para o inicio do treinamento.

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ACENTUADOS PROGRESSOS

A proposito dos progressos experimentados pelos socios, embora decorridos três meses de exercicios, as perspectivas para 1961 são surpreendentes. Para que se tenha uma ideia dos planos elaborados pelos irmãos Florio para o proximo ano, a Academia será representada, com possibilidades de exito, nos campeonatos promovidos pela F. P. H.  Trata-se dos certames de “melhor fisico”, “estreantes” e de “exercicios basicos” de acordo com o calendario da entidade maxima.

Outra prova da notavel organização da Academia Paulista de Halteres demonstra a preferencia de atletas de renome, procurando-a para o seu treinamento. O campeão sul-americano de desenvolvimento supino Jaumer Guimarães e o “Apolo Brasileiro” são atletas que se tornaram frequentadores assiduos do modelar estabelecimento da rua Santa Ifigenia.

HORARIO ESPECIAL

Com o intuito de facilitar o ingresso de adeptos da cultura fisica que trabalham no comercio, na Academia Paulista de Halteres, os irmãos Florio resolveram estender o treinamento três vezes por semana até às 23 horas. Esta providencia das mais acertadas, produziu excelentes resultados, uma vez que o numero de socios aumentou sensivelmente, contanto agora o novel estabelecimento com 180 associados.

Como se vê , embora com três meses de vida, a Academia Paulista de Halteres tem um conceito destacado entre os esportistas de São Paulo e tudo faz prever que no proximo ano o seu nome esteja em igual condição com os centros de cultura fisica mais adiantados do pais.

Correio Paulistano, São Paulo, 1º de novembro de 1960
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época

²Nota: A Academia Paulista de Halteres não é a primeira academia de musculação de São Paulo. É possível identificar menções à prática da educação física/cultura física em São Paulo desde o final do século XIX, inicialmente dentro de clubes tradicionais, e, posteriormente, em estabelecimentos especializados. Futuramente realizaremos uma pesquisa mais aprofundada, visando identificar a evolução desta atividade na capital Paulista.