Para melhorar o tráfego na Av. Rangel Pestana (1948)

Imponente viaduto de concreto transporá o leito da ferrovia

Terá a largura da artéria e 220 metros de comprimento, sendo de suave elevação – Apresentar-se-á num bloco de grande suntuosidade, sem causar a menor dificuldade de ordem técnica

O sr. Pedro de Andrade Lemos, chefe dos Serviços de Eletrificação dos Subúrbios de S. Paulo projetou uma forma de solução para o tradicional problema do Brás, as porteiras da avenida Rangel Pestana.

Na tarde de ontem o prefeito Paulo Lauro reuniu em seu gabinete os representantes da imprensa da Capital a fim de demonstrar a maneira de resolver o grave problema de trânsito e a ligação entre o Brás e o centro da cidade de S. Paulo. Exibindo mapas e fotografias da “maquette” do projeto que mandara realizar, esclareceu que será ele prontamente enviado à Câmara Municipal, como medida preliminar para a sua execução.

UM VIADUTO DE CONCRETO

Não quis os sr. Paulo Lauro que S. Paulo assistisse mais uma passagem de aniversário sem que tivesse sido encontrada uma fórmula definitiva para esse tão velho e grave problema. Dessa forma apressou a elaboração do projeto, agora concluído. S. Paulo, cidade de viadutos e das largas e novas avenidas, terá em breve mais um grande viaduto de concreto, que, com rampas em suave elevação, transporá o leito de ferrovia, em toda a largura atual da avenida Rangel Pestana.

Nada menos que 220 metros terá a nova realização arquitetônica, e com a largura de 30 metros e um alinhamento a outro. O Viaduto “Adhemar de Barros”, pois esse será o seu nome de batismo, terá três vãos livres, sendo um central, de 22 metros de largura e seis de altura, abrangendo todo o espaço presentemente utilizado pela Estrada Santos-Jundiaí, e dois vãos de 17 metros de largura por 8 de altura, para o trânsito das ruas laterais e paralelas ao leito da estrada.

NENHUMA DIFICULDADE DE ORDEM TÉCNICA

Em seguida o governador da cidade passou a examinar a questão de problemas de ordem técnica que por ventura deveriam surgir. Explicou pormenorizadamente à reportagem, que a forma de solução para o problema não apresenta senão vantagens: não dificultará nem impedirá o sistema de redes de força elétrica dos trens e bondes; não modificará o atual sistema de transportes naquela artéria, pois os veículos poderão transpor com facilidade as rampas suaves, sem interrupção do tráfego; nenhum problema surgirá no que diz respeito ao sistema de águas pluviais e esgotos, e isso em virtude de poder ser o viaduto aterrado nas duas terças partes iniciais, a leste e oeste, dado o seu declive de 7,5 por cento, apenas; seus três vãos livres de abertura mínima de utilização exigem estrutura simples e permitir a construção das dependências laterais em alvenaria de tijolos e colunas de concreto, independentes do sistema do conjunto.

MAIS SUNTUOSIDADE E BELEZA AO LOCAL

Prosseguindo na sua exposição, disse o sr. Paulo Lauro que o Viaduto “Adhemar de Barros”, além da sua grande utilidade, concorrerá para dar maior suntuosidade e beleza ao local, pois, com as desapropriações das faixas laterais, poderá ser visto em conjunto e em toda a sua grandeza, como acontece com o Viaduto do Chá. Os terrações das dependências laterais do viaduto constituirão um excelente mirante sobre a zona baixa da cidade.

Falando das vantagens da utilização do Viaduto “Adhemar de Barros”, salientou o prefeito da Capital que as faixas laterais de 30 metros, ocupando terrenos a serem desapropriados, viriam a facilitar o acesso de veículos à Estação Roosevelt, assim como o retorno de veículos dentro das leis do trânsito dirigido. A largura do viaduto, igual à da Avenida Rangel Pestana, não apresentaria congestionamento, dando livre transposição aos veículos e pedestres.

Além de todas as suas vantagens, acrescentou o sr. Paulo Lauro, há a possibilidade da instalação de um posto de Radio Patrulha e Assistência Pública na parte inferior, para atender às necessidades da zona além-ferrovia, de uma agência de Correios e Telégrafos, agência de informação dos sistemas de transportes estadual e urbano, e instalações sanitárias, amplas e higiênicas.

Diário da Noite, São Paulo, 24 de janeiro de 1948.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Nada de anormal, apenas o tráfego (1947)

Pouca pessoas terão idéia suficiente do nosso tráfego. Pelo menos, à primeira vista, com estas duas fotografias, vão imaginar que se trata de um desastre. Mas não é desastre nenhum. Isto acontece em S. Paulo.

As fotografias foram tiradas num dia qualquer da semana, numa esquina vulgar da cidade, a esquina das avenidas Ipiranga e S. João, e retrataram um aspecto comum da desordem do tráfego, que ocasiona congestionamentos desesperadores, e uma barulheiras de businas ainda mais desesperante.

São automoveis, bondes, ônibus, caminhões, até a tração animal, bicicletas, tudo num redemoinho danado nas esquinas da cidade. E o paulistano nem suspeita que está testemunhando uma complicação de tal ordem. Quando repara é o que está aí nesses flagrantes: um foi feito ás 11,30 horas, o outro ás 12,08 minutos, sob a luz do meio-dia.

Não está semelhante estado de coisas a exigir uma solução?

Diário da Noite, 17 de fevereiro de 1947.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original foi mantida em sua integralidade preservando as regras ortográficas vigentes à época.

Continua a onda de assaltos

Usaram os ladrões automoveis furtados ‒ Lutou meia hora com os meliantes

São Paulo continua à mercê de ladrões assaltantes, os quais agem de preferência pela madrugada. Diariamente registramos casos de assaltos e agressão e ultimamente, os meliantes, para melhor êxito obterem, têm feito uso de automóveis furtados.

Ainda na madrugada de hoje, dois assaltos foram registrados no plantão da Central, assaltos êsses praticados por individuos que viajavam em automoveis.
O primeiro ocorreu à alameda Franca, em frente ao prédio número 1.203. Nesse local, o químico Luiz Sampaio, de 33 anos, solteiro, domiciliado à rua Haddock Lobo, 964, foi agarrado e surrado por quatro individuos que haviam descido do automovel de chapa número 71.95. Surpreendido com a presença dos ladrões, Luiz Sampaio nada pôde fazer, ficando gravemente ferido.
Sem possibilidade de reagir, o químico não pôde evitar que quatro pretos roubassem de seus bolsos o dinheiro que levava, bem como seus documentos e papéis vários.

Mesmo sofrendo fratura do parietal direito e fratura do braço do mesmo lado, além de outras contusões no corpo, Luiz Sampaio não perdeu os sentidos e teve oportunidade de anotar o número da chapa do automovel que estava sendo usado pelos meliantes. Soube-se, posteriormente, que o veículo havia sido furtado e que os autores do delito já o haviam usado para a pratica de três outros assaltos.

SEGUNDO ASSALTO

O segundo assalto de que teve conhecimento a autoridade de serviço na Central teve como local a esquina das ruas Cachoeira e Almirante Barroso. Por ali passava o vendedor ambulante Alino de Almeira, de 43 anos, casado, residente no predio numero 983 , da primeira via citada, quando teve seus passos interceptados por três pessoas, que desceram de um carro.

Sem dizer palavras, os citados individuos avançaram contra Alino, tentando dominá-lo aos primeiros golpes. Entretanto, conseguiu a vitima manter luta com os assaltantes, isso durante quase meia hora, o que possibilitou a Alino ser socorrido por amigos e parentes. É que êle, durante a luta que travou com os pretos, gritou desesperadamente, e sendo sua residencia proxima àquela esquina, parentes sairam à rua e evitaram que o assalto se consumasse.

Ficou o ambulante bastante ferido e foi, depois, conduzido ao plantão da Central, onde prestou esclarecimentos no inquerito. Apresentou êle ao delegado Odorico de Morais uma anotação feita por uma das pessoas que haviam atendido aos seus gritos de socorro e que conseguira obter o numero da chapa do automovel que era usado pelos ladrões. Trata-se do automovel particular 33.933, que naturalmente deve ter sido roubado de seu dono durante a noite de ontem para hoje.

Diário da Noite, São Paulo, 2 de setembro de 1949.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original do texto foi mantida.

Peru 3 x 0 Chile (1949)

COM NÍTIDA VANTAGEM O PERU SUPLANTOU O CHILE POR 3 A 0

OS PERUANOS ATUARAM DURANTE TODO O PRÉLIO COM ABSOLUTA SUPERIORIDADE TÉCNICA E TERRITORIAL, MERECENDO INTEIRAMENTE A VITÓRIA – GONZALEZ FOI O MELHOR ELEMENTO EM CAMPO – OS MARCADORES – MARIO GARDELLI NA ARBITRAGEM -RENDA DIMINUTA, DE APENAS 17.418,50 CRUZEIROS

Decresceu de tal forma o interesse do publico paulista pelo Sul-Americano de Futebol, que nem a estreia do Peru em São Paulo conseguiu levar ao Pacaembu uma assistencia numerosa. Foi diminuto, numericamente insignificante, o numero de assistentes que ontem à tarde compareceram ao Estadio Municipal, para assistir ao prelio entre peruanos e chilenos.

Os que lá estiveram, entretanto, não sairam descontentes, porque, se os chilenos continuaram a demonstrar que não possuem qualidade, os peruanos conseguiram impressionar favoravelmente. Praticando um futebol vistoso, tecnico, os “incas” dominaram os “andinos” do principio ao fim do prelio, conseguindo brilhante e merecida vitoria, por três tentos a zero. E maior teria sido a contagem, se Livingstone não estivesse num de seus grandes dias, praticando defesas sensacionais, uma atrás das outras.

OS VENCEDORES

Os peruanos alinharam o seguinte conjunto: Ormenio, Fuentes e Da Silva; Heredia, Gonzales (Lavale) e Colunga; Castillo, Drago, Gomes Sanchez, Mosquera e Pedrazza.

O QUADRO DO CHILE

Foi o seguinte o quadro do Chile: Livingstone, Negri (Hormazabal) e Flores; Machuca, Muñoz e Ramos; Riera (Castro), Prieto, Rojas, Cremaschi e H. Lopes (Riera).

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Livingstone, o melhor elemento chileno, e uma das maiores figuras do gramado, praticando sensacional defesa de um chute do centro-medio Gonzales, de longa distancia. Vêem-se ainda, Flores, Ramos e Negri do Chile, e Pedrazza, do Peru.

Livingstone esteve soberbo, no arco. É possivel afirmar, sem receio, que o Chile deve a Livingstone a exiguidade da contagem, pois se não fôra o goleiro, a derrota teria sido muito mais contundente. Os peruanos dominaram do principio ao fim o prelio, e quase sempre arrematavam as suas escaladas, obrigando o eximio guardião a praticar empolgantes defesas.

O ARBITRO

Funcionou na arbitragem Mario Gardelli. Tecnicamente, não teve nenhuma falha importante.

RENDA

A renda foi de Cr$ 17.418,50

Jornal de Notícias, São Paulo, 1 de maio de 1949¹

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹A data do jogo foi 30 de abril de 1949.
²O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

Morte na Av. Celso Garcia

Revoltado, o povo quís linchar o motorista culpado pelo desastre de hoje na av. Celso Garcia

A menor foi atropelada e morta pelo automovel

Gravemente feriada a mulher que acompanhava a infeliz colegial ‒ Foi necessario reforço policial para que o “Chauffeur” pudesse seguir para a Central

Na manhã de hoje, por volta das 9,30 horas, na avenida Celso Garcia, em frente ao predio 8.713, um auto de aluguel atropelou duas pessoas que procuravam atravessar aquela via publica, matando uma e ferindo outra. Segundo o testemunho de pessoas que assistiram ao desastre, o motorista do veiculo é responsável pelo ocorrido, pois o dirigia em velocidade excessiva e contra-mão.

O profissional, entretanto, contestou o depoimento das testemunhas, esclarecendo que conduzia o carro em velocidade permitida e na sua mão. Procurando evitar o atropelamento, esterçou êle o veiculo para o lado oposto ao que se encontravam as vitimas, não tendo estas permanecido onde estavam, tendo, pelo contrario, corrido para a direção em que foi o auto de aluguel.

PROCURANDO ATRAVESSAR A AVENIDA

A’quela hora, Luiza Deja, de 34 anos, solteira, moradora à rua Santa Terezinha, 7-A, no bairro da Penha acompanhada de Edna Picone, de 7 anos, filha de Carmo Picone, ali moradora tambem, procuraram atravessar a av. Celso Garcia, ficando á frente de um auto-caminhão que estava estacionado em frente ao predio 8.913. Quando se encontravam no centro da avenida, Luiza e Edna foram surpreendidas pela aproximação do auto de aluguel de chapa 43.622, que era dirigido pelo motorista Labino da Silva.

Luia Deja e Edna Picone foram socorridas por populares, que verificaram ter a segunda morrido. Sofrera ferimentos generalizados pelo corpo Luiza Deja, sem bem que bastante ferida, ainda vivia.

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QUERIAM LINCHAR O MOTORISTA

Chegando ao local do desastre, o auxiliar do plantão verificou que os populares que assistiram ao atropelamento estavam revoltados. Queriam linchar o motorista, o qual, com o auxilio de pessoas mais calma, estava no interior do seu carro. Parecia que com a chegada de policiais tudo ficasse serenado, o que não aconteceu, pois o povo continuava a protestar. Foi necessario que se solicitasse reforço á Central, tendo comparecido ao local citado o sr. Lino Moreira, que conseguiu acalmar os animos e evitar que Albino da Silva fosse agredido por populares e parentes das vitimas.

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PARA O NECROTERIO

O sr. Lino Moreira providenciou a remoção de Luiza Deja para o posto de curativos da Assistencia, onde recebeu os cuidados necessarios, depois do que prestou declarações no inquerito. O corpo de Edna foi removido para o necroterio do Araçá, onde será examinado por um medico legista.

Diario da Noite, São Paulo, 4 de setembro de 1946
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Contra a onda de crimes

São Paulo continua a registrar quotidianamente uma onda de crimes… O comentário a ser feito a cada um dos casos não interessa a esta coluna, pois a doença que se generaliza pela coletividade, nos indices de violência criminosa em tôda a escala, reclama remédios mais amplos do que uma simples indicação de motivos, dificilmente elimináveis da vida social paulista.

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Centro de São Paulo, B. J. Duarte, 1954

Desconhecemos, em tôda a sua profundidade, que é também fisiológica e moral, as raizes dessa onda delituosa que se espraia. Mas, sem dúvida, muitas razões afloram à superfície, na existência conturbada desta cidade, onde se amontoa o povo nos tugúrios da vida promíscua, comprimido pela febre diuturna de uma competição desbordante dos quadros normais, para chegar a um resultado mínimo e precário.

Efetivamente, as razões psicológicas, derivadas de uma vida cruel, são em sua maior parte as causas mediatas dos crimes que agora se revelam, em acontecimentos espantosamente brutais, na contradição ao conceito superficial de que somos um povo de boa indole.

Primeiramente, esta não é mais uma cidade em que a vida possa ser vivida de maneira normal. Esta é uma cidade sem respiradores, sem elementos de recreio para crianças e adultos, sem valvulas para repouso do esfôrço quotidiano da vida do homem aqui segregado.

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Cena de “A luta pelo transporte em São Paulo”, Jean Manzon, 1952.

É uma cidade atormentada por congestionamentos, por um infernal rumor, pela falta de transportes, pelas dificuldades de tôda a ordem, opostas à autonomia da pessoa humana.

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Cena de “A luta pelo transporte em São Paulo”, Jean Manzon, 1952.

Sofremos de uma compressão urbana que há vinte anos já o urbanista Anhaia Melo denunciava, ao reclamar uma política de parques de recreio para o paulistano, de parques infantis e para adultos, onde fosse possivel educar a criança e compensar ao maior de idade a perda de substância animica e vital que a competição determina, e que não encontra desafôgo em nenhuma solução psicológica, sentimental ou intelectual.

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Cena de “A luta pelo transporte em São Paulo”, Jean Manzon, 1952.

Um psicólogo que aqui vive descreveu a situação assim criada como uma “tensão potencial hostil entre os indivíduos”, e não é de hoje que o comportamento do paulistano se caracteriza pela cara amarrada, entre cotoveladas e empurrões.

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Cena de “A luta pelo transporte em São Paulo”, Jean Manzon, 1952.

Um dupla solução alimentar e residencial, coroada pelo recreio ativo de crianças e adultos, são os elementos que o poder público precisa colocar diante do problema aflitivo que se está criando em S. Paulo, com o índice de criminalidade e frequência delituosa a que atingimos, e que compõem um tristíssimo quadro, dentro de uma atmosfera temerosa, onde se tornam inúteis as armas de um policiamento obtuso e atrasado.

Diario da Noite, 8 de julho de 1949.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Templo que desaparece…

Lelis Vieira
(Diretor do Departamento do Arquivo do Estado)

Está claro que a civilização não respeita cara; que o progresso desatende a tudo; que o conforto passa por cima de tradições; que a chamada estética destróe museus; que o urbanismo estraga beirais, mutila platibandas, fura rotulas, apaga candieiro, e chega à perfeição de virar aldeia em capital…
Por isso mesmo o dr. Prestes Maia, uma especia de Pigmalião da cidade, Pericles do Triangulo, Celini das Avenidas, já iniciou a demolição da velha igreja dos Remedios para rasgar espaços e abrir caminho!

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Igreja dos Remédios em demolição. Fonte: FMP – Fundo Museu Paulista
Como tudo neste mundo se relaciona, desde o alho com bogalho ao espêto com manteiga, temos um “causo” rigorosamente autentico para contar: ‒ Esteve no gabinete do Arquivo do Estado, o sr. Domingos de Paiva Azevedo, funcionario do Departamento de Estradas de Rodagem e cidadão patriotica e profundamente tradicionalista, afim de oferecer áquela casa de documentação ancestral, uma curiosa pagina do seculo XVIII. Trata-se de André da Silva Gomes, figura muito conhecida dos fastos paulistas, tenente coronel que era, “vindo de Lisbôa para São Paulo, em companhia do 3º Bispo D. Frei Manoel da Ressurreição, em fins de 1773.

Sua incumbencia estava traçada na missão de criar e reger o côro de musica da Catedral, que até então não existia, começando a organizá-lo em 1774 e a regê-lo na qualidade de mestre da capela, cargo este que desempenhou gratuitamente, distribuindo o pequeno ordenado a que tinha direito, e mais emolumentos pertencentes ao mesmo emprego, pelos musicos, tendo em mira somente o esplendor do Culto Divino. (Antonio Egídio Martins, “S. Paulo Antigo”, vol I, pag. 101).
Este André da Silva Gomes escreveu, datou e assinou, o seguinte documento, que em original o sr. Paiva Azevedo entregou ao Arquivo:

“Devo q’ pagarei ao Gloriozo Snr. S.to Antonio de Casa do Snr. Joaq.m X.er a q ta de treze patacas se elle permitir que eu era todo o sreg.te anno de 1792 pague todas as minhas dividas dando-me p.r sua intercessão meios p.a assim o fazer, e que no entanto contenha a meos credores q’ me não persigão, cuja q.ta de 4$160 pagarei a q.m este me aprezentar do meo ordenado de Dezembro do sobrd.to anno de 1792, p.a cujo pagam.to obrigo alem do que fica d.to m.a pessoa e bens presentes e futuros para firmeza doq1 passei o prez.te p.r mim f.to e assignado. S. Paulo 16 de Novembro de 1791. ‒ André da Silva Gomes”.

Como vemos os “cadaveres” já naquela epoca constituiam terriveis espantalhos, a ponto da criatura ter de se agarrar com o milagroso Santo Antonio, para que acalmasse a furia dos ditos cujos e a impertinencia dos referidos mencionados…

E tudo isso por que? André da Silva Gomes era um homem bondosissimo, criava, ensinava, educava e encaminhava um numero consideravel de crianças que mais tarde se tornavam notaveis personagens no clero e outras carreiras nobres. (Op. cit., vol. II pag. 31).
Com esse coração e com essa bondade angelica, André havia mesmo de encalacrar-se… em beneficio de terceiros.
Mas com certeza Santo Antonio o atendeu e as suas dividas foram todas pagas. Tambem… andavam elas em 13 patacas!
Não ficou aí a memoria desse homem santo!

Narra ainda o sr. Paiva Azevedo, de quem Gomes era Tio Trisavô, que entre os anos de 1870 e 1877 houve uma reforma na velha Sé de São Paulo. Durante as obras, encontrou-se ali o corpo mumificado de André da Silva Gomes, sendo removido para a igreja dos Remedios, ora demolindo-se.
A remoção foi feita pelo seu sobrinho neto, Antonio Possidonio da Silva, ao tempo porteiro da Camara Municipal. O sepultamento se deu em baixo do altar-mór, e, nota impressionante: como o caixão de cobre ou zinco não tinha bastante comprimento, o corpo de André teve de ser dobrado pelo meio para caber no mesmo caixão!

A vida tem dessas coisas exquisitas: “Cadaver” propriamente credor não se “dobra”, mas defunto depois de morto está sujeito a “dobrar-se”. No fundo tudo “dobra”, até os sinos…

Correio Paulistano, São Paulo, 19 de dezembro de 1942.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Bibi Ferreira

Reportagem de Julio Pires para a revista “O Cruzeiro”:

Como começam as actrizes interessa sempre dizer ao publico que continua a encontrar nas “caixas” de theatro o mesmo mysterio das lojas maçonicas. As antigas lojas, cheias de rituaes ostensivamente complexos. Em verdade, entrevendo apenas o lado de dentro dos palcos quando se demora em sair da sala após os espectaculos, o publico não sabe o que pensar da vida dos bastidores á vista do mundo trevoso que é a scena ás escuras. Dahi a imaginação tenebrosa, ainda hoje por muita gente mantida, em relação ao que se passa para lá do panno de boca.

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Bibi Ferreira. Fonte: O Cruzeiro (1941)

Por isso, no caso de uma iniciação artistica rumorosa, qual a de Bibi Ferreira, convinha ouvir a estreante. Accresce que Bibi Ferreira é alguem cuja primeira apparição no tablado foi feita como “estrella”, isto é, a mais nova e mais jovem artista, começou por onde devem acabar as vidas de actrizes. Mas, vamos immediatamente ás confidencias de Bibi:
– Como pude julgar-me apta a ser “estrella” de theatro?Eu lhes conto. Li, uma vez, numa velha comedia franceza, que meu pae trouxera do theatro para ler em casa, esta phrase – relativa á carreira das actrizes: “Para chegar a ser “estrella” é preciso ter andado nos joelhos dos criticos”.

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Bibi Ferreira. Fonte: O Cruzeiro (1941

Se assim era, pensei commigo mesma, ninguem como eu poderia tão naturalmente vir a ser “estrella”. Eu estive nos joelhos de todos os criticos da imprensa carioca e de quasi todo o jornalismo paulista, pois meu pae, sendo elle mesmo o “enfant gaté” dos chronistas theatraes de ha vinte annos e de hoje, recebia em nossa casa, frequentemente, os redactores das secções de theatro dos matutinos e verspetinos, e muita vez levava-me ao collo para o “Trianon” ou o “Bôa Vista” e outros theatros desta capital e da Paulicéa. Então, os críticos tomavam a filha de procópio nos braços, e logo sentavam a garotinha nos joelhos emquanto conversavam com o velho. Assim, dos braços da ama eu passei aos braços dos mais conspicuos e temidos criticos theatraes, e impressionada com o que se dizia na velha comedia franceza, conclui que estaria preparada para ser primeira figura de uma companhia…

O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 15 de março de 1941.

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia e ortografia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

 

 

Nas favelas do Parque Pedro II

GENTE QUE NEM TRABALHO ENCONTRA PORQUE NÃO TEM ONDE MORAR

Esquecidos dos institutos de aposentadoria – Uma carteira predial que só faz casa para rico – Ligeiro contacto da repórter da “Folha da Noite” com os habitantes de favelas no centro da Capital

Voltamos a focalizar, hoje, o problema de habitação em São Paulo. Não o fazemos, porém, buscando a opinião dos tecnicos ou a sugestão dos entendidos. Fomos diretamente à fonte e dela extraímos o material necessário para expô-lo a quem de direito. Trata-se de material concreto palpável e que salta aos olhos.
Visitamos, com esse propósito, o Parque Pedro II, bem perto da cidade. Ali, as favelas brotam como cogumelos, espantosamente.

AR CONDICIONADO E AGUA CORRENTE

A reportagem da “Folha da Noite” estêve em uma dessas favelas, junto ao centro de diversões Changai.
A primeira vista nota-se logo que esta favela possui ar condicionado às situações climatéricas e água corrente das frinchas das portas, das paredes e dos pseudos telhados.
A umidade que sobe do chão de terra batida e se alastra pelo corpo dos moradores das favelas, manifesta-se num reumatismo, numa paralisia ou numa tuberculose que não conseguem as competentes autoridades descobrir porque ataca quase um terço da população brasileira.

“JAMAIS VERÁS PAÍS ALGUM COMO ESTE”

Vendo que nos dispunhamos a fotografá-los, disse-nos a moradora de uma casinhola:
“Moço, isso vai sair no jornal? Não deixe. Cada vez que um jornalista aparece por aqui, logo depois vem um homem que diz ser de um Instituto de Aposentadoria qualquer e manda a gente embora. Ameaça e diz que se nós não sairmos por bem, os bombeiros vêm por a gente p’ra fora”.
“O dono do nosso quarto vendeu a casa porque precisavam derrubá-la a fim de alargar a rua e assim, tivemos que ir embora. Agora essa gente pensa que somos vagabundos e nos tratam desse jeito” – Aléa Gomes, outra residente da favela.
– “Trabalhei no Almoxarifado do Exército por muitos anos e agora não tenho onde morar. Essa gente derruba tudo quanto é casa de cômodo de cortiço e não põem nada no lugar e, assim, nós vamos ficando na rua. Os quartos que existem são muito caros, as casas também e os apartamentos… Bem, isso nem é para a gente”. – Comentou Maria do Rosario Campos, que ainda encontra tempo para mostrar prendas domésticas, organizando uma pequena horta ao lado de seu casebre, a fim de poupar alguns centavos.

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Em cima os “moradores” de uma “favela” desfilam suas amarguras à repórter, e um casal alojado num quarto. Em baixo: a preta velha conta à repórter como “faz milagre” para ocupar aquele espaço vital… e uma cama que é, também, guarda-roupa e outras coisas

NÃO PODE CONSTRUIR SUA CASA

Um funcionário da Light, também puxou sua prosinha:
“Meu nome é Jeronimo Campos. Estava esperando há muito tempo que a Caixa de Aposentadoria e Pensões de Serviços Publicos de São Paulo de onde sou contribuinte, mandasse me chamar para escolher uma das casas que ela constrói para os seus associados. Mas, qual o que. Nunca chegava a minha vez. Então, fui lá. Na seção da Carteira Predial me informaram que só havia casa para quem ganhasse de Cr$800.00 para cima. O meu ordenado não dava. Mas o caso é que todos os associados devem ter direito a uma moradia, desde que contribuam. Se o preço daquelas é muito alto, façam outras mais pobres… Mas, façam!”.

“POR QUE VOCÊ NÃO TRABALHA, RAPAZ?”

“Moro com minha mãe num desses casebres”. Informou-nos um dos moradores. Ela estava cediada em Vila Mascote, mas fugiu de lá porque não a tratavam bem. Agora está aqui exposta à friagem e a umidade.
“Sou pensionista da Caixa de Aposentadoria e Pensões da Sorocabana, desde que adquiri um reumatismo articular muito forte e assim, sem casa e com uma assistência quase que só nominal da Caixa de Aposentadoria, mal posso manter a nós ambos”.
“Por que você não trabalha, rapaz?”, interrompeu o gerente da fábrica de tecidos vizinha, que havia chegado no momento. Informado de que falava com uma pessoa que não estava em condições de trabalhar, prosseguiu:
– “Nós na fábrica não fornecemos água e nem damos emprego para essa gente. Se fizermos isso, acabamos achando fama de “bonzinhos” e eles não nos largarão mais. Depois se vê o prejuizo que tal vizinhança ocasiona. É de se notar o número de incidentes provocados pelos moradores das favelas clandestinas, com os operários da fabrica sob minha gerência. O Governo precisa inventar um meio de abrigar essa gente. Assim como está, nós estamos sendo constantemente incomodados”, concluiu o gerente da fábrica.

Folha da Noite, 10 de novembro de 1945.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira