Calçamento da Capital (1937)

Nunca, como agora, a cidade de S. Paulo andou mais esburacada.

Raras são as ruas e avenidas onde não se encontra um enorme buraco para a construcção de galerias para aguas pluviaes, para passagem de cabos telephonicos ou para remoção do antigo calçamento, que deve ser substituido pelo moderno asphalto.

Acompanhamos com attenção e bôa vontade a obra de embellezamento da cidade. S. Paulo era uma cidade de aspecto feio e triste. As obras para substituição do velho calçamento de parallelepipedos pelo asphalto, são, pois, dignas dos maiores encomios. Com duas coisas, entretanto, não estamos de accôrdo. A primeira dellas é a falta de criterio da Prefeitura, que abre innumeras ruas ao mesmo tempo, revolvendo o revestimento, sem ter material e mão de obra sufficiente para atacar varios serviçoes ao mesmo tempo. Seria muito mais acertado começar uma rua por vez e, terminado o serviço nessa via publica, dar, então inicio a outra.

Os prejuizos decorrentes dos serviços de concertos em certas ruas são incalculaveis. São os commerciantes que se prejudicam. São os particulares que ficam sem acesso facil ás suas residencias, até para si, quanto mais para os seus vehiculos. Um exemplo frisante disso é o que está acontecendo, actualmente, com a avenida Rangel Pestana. Ha mais de um anno que essa importante arteria está intransitavel, o commercio paralysado e os particulares fazendo acrobacias para attingir suas residencias. E com essa rua nesse Estado, a Prefeitura abre a avenida São João e tambem a transforma em montanha russa.

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Avenida São João. Autor: B. J. Duarte, 1937.

A segunda objecção que fazemos é referente á falta de conservação das ruas já calçadas de novo, e das de antigo revestimento. A rua da Consolação, por exemplo, ha bem pouco asphaltada, já ostenta innumeros buracos, feitos para ligação de canos d’agua. As valletas ficam ali durante mezes e mezes, e quando a conserva chega, já encontra uma grande parte do calçamento abalado.

Junto dos trilhos de bondes deveria haver um serviço permanente de reparação. As aguas pluviaes que se infiltram pelas frestas deixadas ao longo dos trilhos vão fazendo ceder o terreno e, em pequeno prazo, está a linha cheia de depressões e saliencias, onde esse vehiculo sacóde, horrivelmente, fazendo saltar uma larga área de revestimento.

No Rio de Janeiro, ha varios caminhões da Prefeitura que transportam turmas de conserva e material necessario, correndo sempre a cidade. Qualquer anormalidade encontrada é logo reparada, ficando o serviço muito mais rendoso e barato. É assim tambem, em Nova York, em Buenos Aires e outras grandes metropoles.

Calçar ruas inteiras, fazendo um trabalho carissimo, para depois abandonal-as, é pôr dinheiro fóra. Cuide mais a Prefeitura da conservação do calçamento e não comece obra nova nenhuma emquanto não terminar as iniciadas, são os votos que fazemos e, por certo, os de toda a população paulista.

Correio Paulistano, São Paulo, 29 de dezembro de 1937.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original do texto foi mantida.

Caos no Cine Bom Retiro

DURANTE UM ESPECTACULO GRATUITO O POVO TENTOU INVADIR O CINE BOM RETIRO

VERIFICARAM-SE ATROPELOS E CORRERIAS NA PORTA DO CINEMA

Ante-hontem, durante a exhibição do filme “Loucuras de um beijo”, no Cine-Theatro Bom Retiro, á rua José Paulino, queimou-se um dynamo, tendo havido interrupção do espectaculo.

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Como era natural, surgiram protestos dos espectadores, que chegaram a damnificar poltronas e cartazes. A empresa do cinema, procurando acalmal-os prometteu que hontem o filme seria exhibido gratuitamente, podendo os que se encontravam no theatro retirar as respectivas senhas.

Os atropelos, porém, que se verificaram impediram que taes senhas fossem distribuidas. Isso não impediu, entretanto, que a empresa cumprisse o promettido. Hontem, desde ás 16 horas, tiveram inicio sessões gratuitas em que era exhibido o filme da vespera.

Durante o dia, quando senhoras e crianças acorreram ao cinema, nada de anormal se verificou. Á noite, na sessão das 19 horas, é que tiveram lugar os primeiros disturbios. Em frente ao cinema agglomeravam-se perto de tres mil pessoas, de tal sorte que a empresa, na impossibilidade de manter a ordem, appelou para a policia. Para o local partiram, então, varios subdelegados com guardas-civis, soldados de infantaria e cavallaria da Força Publica.

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Cine Theatro Bom Retiro

A ordem foi restabelecida, formando-se cordões para a entrada dos espectadores até o limite da lotação do cinema. Mas, quando a empresa affixou um cartaz avisando que ás 22 horas se realizaria a ultima sessão, nova agitação se verificou.

Os que se sentiam prejudicados tentaram invadir o cinema obrigando á policia a usar de meios violentos. Varios excessos foram então praticados de parte a parte. Os policiaes, de espadim em punho, investiram, contra os que discuidadamente se collocavam fóra das filas organizadas pela autoridade.

O espectaculo que se desenrolava na rua José Paulino foi, para muitos dos que ali se agglomeraram, o unico que presenciaram…

Diario Nacional, São Paulo 12 de agosto de 1931
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

O Jiu-jitsu de Géo Omori

Constituiu acontecimento de singular expressão para quasi todo o país o estranho caso ocorrido com o atleta japonês Géo Omori, que se celebrizou em “rings” brasileiros como bravo lutador de “jiu-jitsu”. Acometido, subitamente, de impressionante, enfermidade, que o deixou prostrado, cego, surdo, mudo e louco, sobre o leito de um manicomio, esteve quasi sete dias sem fazer o menor movimento, em angustiante imobilidade, sem embargo dos desesperados recursos da ciencia para fazê-lo voltar á razão.
E mais impressionante se fazia a molestia por ser até agora de origem desconhecida, conquanto prevaleça até hoje a primeira hipotese formulada, de que o mal sobreviera a dificuldades financeiras, grandes, que atormentavam o espirito do “fighter”.

TRESENTOS CONTOS QUE SE DESBARATAM

Realmente, quem conhece a vida passada de Omori, desde que chegou ao Brasil, pode avaliar a triste situação em que ele hoje se encontra, vivendo apenas do dinheiro que lhe advem do emprego de zelador do aquario da Feira Permanente de Amostrar de Belo Horizonte. Omori, ao deixar sua partia, o Japão, dirigiu-se aos Estados Unidos. Já era então um grande campeão, detentor da “faixa preta”, que no Imperio do Sol Nascente classifica o lutador que jámais foi vencido em combate. Ia disposto a fazer fortuna. E fê-la.

Na temporada que realizou na terra dos dollars, propícia a toda sorte de lutadores, conseguiu juntar bastante dinheiro, a ponto de dispôr de mais de tresentos contos de réis, ao saltar no Rio, para onde então se encaminhara disposto a descansar.

Onde procurava descanso, entretanto, só encontrou trabalho. Decidido a abandonar o violento sport a que dedicara toda a sua vida, resolveu tentar outra sorte de ocupação e foi assim que, de campeão de jiu-jitsu, se transformou em modesto comerciante. Estabeleceu-se em São Paulo, com uma casa de peixes raros e de fantasia. Já em sua patria mostrava predileção por essa especie de negocio, tão conforme, aliás, ao seu temperamento sossegado, um tanto apatico, amigo do silencio.

Foi infeliz. O estabelecimento não lhes correspondeu á expectativa. Deu prejuizo. Pessoas que privavam de sua intimidade por essa época dizem que Omori não demonstrou ser bom negociante. O cliente lhe fazia mais exigencias que Omori a ele. E o japonês acabava por ser convencido, desfazendo-se do que tinha mais para satisfazer aos que procuravam que para ganhar dinheiro. Coração bonissimo, revelava-se incapaz de uma exigencia teimosa, pertinaz.
Por outro lado, o genero de comercio que escolhera era dos mais ingratos. Morriam-lhe os delicados peixinhos ás duzias. Faliu por fim.

NO RIO

Um dia Omori apareceu no Rio. O jiu-jitsu era praticamente desconhecido entre nós. O campeão não quis aproveitar a excelente oportunidade logo. Antes de nada, cuidou de sua velha paixão. Estabeleceu-se com os peixinhos, no antigo edificio de “O País”, na avenida Rio Branco. A “guigne” o perseguia. Os maus negocios continuaram. E novamente Géo Omori faliu, com prejuizos ainda maiores e mais graves.

Novamente foi para São Paulo e novamente se estabeleceu. Era já uma mania. Reconhecia ser o ambiente ingrato. Poucas pessoas visitavam seu estabelecimento, e assim mesmo querendo levar por preço baixo as preciosidades que Omori colecionava com verdadeira paixão. Os tresentos contos se desbaratavam, iam pouco e pouco desaparecendo. Um dia chegou a penuria, a triste penuria do campeão. para não passar por privações, voltou ao sport, aceitando o convite que lhe fazia a administração do Circo Irmão Juliriolo.

RESSURGE O LUTADOR!

O aparecimento de Omori em “rings” brasileiros foi um acontecimento de extraordinaria expressão sportiva. Modalidade de sport quasi ainda sem cultores no país ‒ existiam apenas os irmãos Gracie ‒ conquistou a simpatia, o entusiasmo popular. As primeiras exibições de Omori o consagraram.
Longo tempo de retraimento, de ausencia dos “rings” não tinham arrefecido o vigor do campeão. Era ainda o bravo, o inconfundivel Omori, o homem da “faixa preta”.

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Os cronistas esportivos dedicaram-lhe longas colunas de noticiario, glosando a excelencia de seus conhecimentos tecnicos. Foi um sucesso. Em São Paulo não se falava de outro “sportsman”. Decoraram-lhe o nome até as crianças, embevecidas diante daquelas quédas espetaculares, emocionante, do campeão.
No Rio os irmãos Gracie introduziram a novidade do jiu-jitsu. Omori foi convocado a participar da temporada que se inaugurava. Veiu, venceu e consagrou-se. A fortuna sorriria-lhe novamente. Mas…

Enquanto lutava, só tinha uma preocupação: o comercio dos peixinhos. Assim que pôde, começou a examinar as possibilidades de reabrir o estabelecimento. Em São Paulo, com os quatros contos que lhe pagava o circo, tinha prosseguido nos negocios, perdendo sempre. Lutador de fibra, achou, porém, que ainda devia insistir. E foi assim que surgiu novamente o comerciante Omori. Sua casa, na rua Gonçalves Dias, tornou-se o ponto de atração dos “sportsmen” e cronistas. Falava-se ali mais de jiu-jitsu que de peixes…

Vieram patricios de Omori, tambem lutadores de jiu-jitsu, atraidos pelo sucesso que ele alcançava. E os “rings” cariocas vibraram ao rumor daqueles “matches” emocionantes. O sport niponico empolgou a cidade. Os irmãos Gracie abriram uma academia, na rua Marquês de Abrantes. Não se falava de outra coisa. E até o malandro do morro ia deixando o “rabo de arraia” ao abandono, desprezando a “rasteira” secular e legitimamente brasileira, para tentar aprender “tesouras”, “chaves de braço”, “gravatas”, etc.

A velha tapona, incisiva, contundente, humilhante, cedeu logar á aristocratica chave de braço, á discreta pancadinha sobre os rins, que ninguem se pejava de conhecer, mesmo nos salões elegantes.
Parlamentares austeros, sizudos, iam ás escondidas presenciar o espetaculo. E até um sacerdote, não menos digno que os mais, que conciliava os interesses da Igreja com os da Politica, se permitiu a liberdade de anunciar publicamente que iria aprender o “jiu-jitsu”, afim de resolver quaisquer embaraços que porventura surgissem no harmonioso ritmo de sua carreira pela Camara dos Deputados…

GLORIA

Omori, Gracie, Miaki, Iano e tantos outros constituiram então a pleiade maravilhosa. Ditadores da simpatia publica, viam seus nomes enchendo paginas dos jornais e a boca do povo. Em qualquer rincão da cidade que se citasse um desses nomes todos o conheciam. E o primeiro, principalmente, se cercava de uma verdadeira aureola.
Mas… a casa dos peixinhos continuava. Ponto de atração dos lutadores niponicos, lá ia como barquinho de papel pela vida fóra.

Muitas vezes os jornalistas surpreendiam por detrás do balcão um rosto feminino, sempre sorridente. Não dizia uma palavra em português, mas sorria tão á brasileira que todos a compreendiam.
Cetuko, a esposa de Omori. Meiga, carinhosa, não abandonava jamais o companheiro. Quando Géo tinha negocios a resolver fóra, lutas a combinar, ela alí permanecia, vigilante, sorrindo apenas para os que chegavam e saiam.

Géo se considerava feliz. A tempestade lhe levara tudo ‒ mas a vida não estava alí, á sua frente, ainda risonha? Lutaria, procuraria conseguir a prosperidade passada. Forças não lhe faltariam.
Para cumulo de contentamento, dois olhinhos de amendoas num rosto palido e mimoso vieram encher o lar do lutador ‒ Kimika, florzinha graciosa que brotara daquele amor tão constante.

OCASO

Não ha gloria sem ocaso. O de Omori veiu por fim. Teve de passar o negocio adiante. As lutas escassearam. A idade pesava-lhe e outros concorrentes apareciam na liça, a disputar-lhe a popularidade. Raro em raro, o nome vinha nos jornais. Era a “debacle”.

NOS ESTADOS

O tempo correu, fazendo crescer as dificuldades. Desesperançado de reconquistar a boa situação passada, Omori resolveu sair do Rio. Foi para os Estados, realizar lutas avulsas. E assim se encontrava agora em Belo Horizonte, quando o colheu a fatalidade.

LOUCO, CEGO, SURDO E MUDO!

Na capital mineira deram-lhe o emprego de zelador do aquario da Feira de Amostras Permanente, com 1:400$000 mensais. Era ainda a velha paixão ‒ de que nunca pôde livrar-se. Para um outro qualquer, o ordenado satisfaria. Mas para Omori, era uma tortura. Apagado, sentia estiolar-se naquela vida pacata e pouco rendosa. Não lutava quasi e, lembrando-se da esposa que ficara no Rio, a tristeza aumentava-lhe, tomava-lhe todo o coração.

Morava com um companheiro dos tempos aureos. Mossoró, “sportsman” português, que se afeiçoara intensamente ao antigo campeão. Era o unico confidente daquela magua, que, entretanto, pouco transparecia. Na infelicidade, Omori conservava a reserva de sempre. Sorria ainda, mas, quem lhe pudesse ver a alma, se assombaria com o esforço de que resultava aquele sorriso.

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Um dia, ao recolher-se, Mossoró passou pela Feira de Amostras. Preocupado com a tristeza do amigo, queria vê-lo acompanhá-lo á pensão em que residiam. Não o viu no logar costumeiro. Procurou e foi então encontrá-lo estirado, inerte, sobre um banco.
Inquietou-se. Chamou pelos outros empregados da Feira e soube que havia mais de seis horas o campeão se achava alí deitado, sem um movimento siquer. Sacudiram-no. Não se mexeu. Falaram-lhe. Não respondeu. Puseram-no de pé. Ia caindo, se o não amparam.
Angustiado, Mossoró pegou Omori ao ombro e saiu a correr com ele até á pensão. E chamou imediatamente medicos, que fossem soccorrer os companheiros.

NO MANICOMIO

Os proprios medicos se impressionaram com o que se passava. Omori estava louco, cego, surgo e mudo! Por que? Aplicaram-lhe injeções, deram-lhe massagens, inutilmente. A imobilidade, pavorosa, persistia.
Não havia outro recurso sinão remover incontinenti o lutador para um hospital, o Instituto Raul Soares. O diretor, Dr. Galba Moss Veloso, julgou o caso singularissimo. A que se devia? A libação alcoolica? A demasiado esforço no “ginr”? A desgostos profundos?

CETUKO E KIMIKA

Cetuko e Kimika, avisadas do doloroso fato, foram correndo a Belo Horizonte. Nada puderam fazer. As lagrimas da esposa de nada valeram para o lutador adormecido. Não ouviu as meigas palavras, sussurradas, em angustia, aos seus ouvidos.
Foi Cetuko quem esclareceu aos medicos a causa do mal de Omori. Atribuia-o mesmo ás dificuldades financeiras. E, por intermedio de Iano, o lutador niponico que tambem estava á cabeceira do enfermo, revelou que ha muito notara aquele acabrunhamento no companheiro, cada vez mais intenso. Omori não se conformava com a situação que o destino lhe reservara. Depois de ter tanto dinheiro, a salvo de quaisquer privações, via-se reduzido a viver do proprio ordenado, a cortar as despesas com a familia. E então, o cerebro o traiu, fazendo-o tombar imovel, cego, surgo, mudo e louco.

A MORTE

Omori, o formidavel lutador, o homem de musculos elasticos e possantes, que derrubara centenas de mestres na sua arte, cujo coração resistira aos mais tremendos embates, jazia no leito, abatido, destroçado. Era uma grande criança inerme, sem vontade definida e, ademais, desprovido de seus mais preciosos atributos físicos. Os medicos tudo fizeram para salvá-lo. Assistiram-no desveladamente, com empenho especialissimo, tanto mais que não puderam caracterizar com segurança rigorosa, sua molestia.

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Então, veiu o fim. Omori, aos 40 anos de idade, morreu, deixando viuva e a filhinha orfã. Omori, invencivel campeão, perdeu em luta com uma molestia fulminante, arrasadora. Venceu-o a morte por golpe inapelavel.
Honra a Géo Omori, lutador leal, perfeito cavalheiro, bom esposo e otimo pai.

A Noite – Ilustrada, 1938.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

 

 

O “conto do telephone”

Um malandro nas mãos da policia

‒ Prompto! Quem fala?
‒ Emporio da rua Duque de Caxias.
‒ Aqui é da rua Visconde do Rio Branco. Mande uma lata de conservas e troco para 200$000.

‒ Alô! De onde falou?
‒ Emporio. Rua Visconde do Rio Branco.
‒ Mande na rua General Osorio uma garrafa de moscato e troco para 50$000…

A Padaria Ayrosa, no largo Paysandú, uma confeitaria da rua Aurora e um estabelecimento da rua Conselheiro Nébias receberam pedidos identicos. Todos attenderam para verificar logo depois que haviam sido victimas de um malandro que lhes ficára com a mercadoria e com o troco… Os prejuizos orçavam em rs… 50$000.

Foi dada queixa á delegadia de Furtos e os inspectores Bentes e Valente sahiram em procura do pirata.

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Antonio Silveira, empregado á rua Direita, 7-A, é um camarada que gosta immensamente de se divertir em prejuizo da bolsa alheia. Conhecendo bem os recursos dos malandros, elle se decidiu a ensaiar o “conto do telephone”. Queria experimentar até que ponto chegava a ingenuidade dos commerciantes. O facto é que o Silveira, dessa forma, logrando na primeira investida, gostou e continuou a pedir mercadorias e troco pelo telephone.

Afinal cahiu nas mãos da policia e foi interrogado pelo dr. Brasiliense Carneiro, delegado interino de Furtos, sendo em seguida recolhido ao xadrez.

A Gazeta, São Paulo, 29 de dezembro de 1933.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Como ligar as duas collinas do Parque Anhangabahù?

Construir um novo viaducto ou levantar um aterro? ‒ Os projectos apresentados estão sendo estudados pela Prefeitura

Durante algumas semanas estiveram expostos, no saguão do Theatro Municipal, os desenhos e projectos apresentados ao concurso instituido pela Prefeitura referente a ligação das duas colinas que margeiam o Anhangabahu, no local onde se acha actualmente o Viaducto do Chá.

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Fonte: B. J. Duarte (1935)

Com o encerramento da exposição as plantas foram removidas dali afim de serem entregues á Secção de Urbanismo, que irá decidir sobre a escolha do projecto em que se baseará a execução do serviço.
Os projectos apresentados, apesar de interessantes e bem cuidados, são passiveis de critica. Analysando-os sob o triplice aspecto: solução de trafego, economia e esthetica, apresentam vantagens e inconvenientes. Procurou-nos hontem o sr. José Gargione que, permittindo-se fazer alguns reparos, nos disse o seguinte:
‒ “Devo confessar, principalmente, que me animei a criticar os trabalhos dos concorrentes, unicamente na qualidade de estudioso que sou em materia de architectura, á qual me dedico ha varios annos. Pretendia mesmo apresentar um projecto, que ficou sómente num simples esboço por haver se esgotado o prazo para inscripção antes que o concluisse.

Comtudo, despretenciosamente me animo a apresentar algumas sugestões que talvez aproveitem á commissão que irá decidir em definitivo sobre o assumpto. De inicio me declaro contrario á execução de um aterro no valle, que destruiria em parte a beleza do local, aggravando sobremaneira o escoamento das aguas pluviaes que ficariam represadas pela barragem. As aguas da chuva, que correm naturalmente para o Tieté, formariam ali um verdadeiro lago.

Além desses inconvenientes, que saltam logo aos olhos, ha os referentes ao transito. Procura-se descongesionar o trafego de vehiculos e com isso só as aggravaria a situação. As rampas que forçosamente crearia o aterro prejudicariam enormemente a passagem dos vehuiculos por ali.

Em favor de construcção do aterro só ha um factor: a economia. Claro é que ficaria num preço inferior ao viaducto, mas teria mais tarde graves inconvenientes, que redundariam em prejuizos muito maiores.

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Fonte: B. J. Duarte (1935)

UM VIADUCTO ‒ FONTE DE RENDA

‒ “O projecto apresentado com o pseudonymo de “Itá” ‒ classificado em primeiro lugar ‒ preconiza um viaducto cujas partes inferiores seriam aproveitadas para a construção de salões, destinados a servir de local para conferencias, exposições e mesmo para um cinema com capacidade de 3.000 pessoas. Seria, assim, uma fonte de renda para a Municipalidade.

Nesse caso, se o objectivo é de ordem financeira seria melhor converter-se o parque todo em terreno para edificação de predios, o que daria notavel resultado… A obra realizada não seria um viaducto propriamente dito, mas uma grande caixa metallica, cujas paredes attenderiam contra a esthetica da cidade, tirando a belleza do Anhangabahu.

A renda da locação dos espaços sob o viaducto não compensaria a propria despesa, que seria enorme para a adaptação do local ás exigencias da construcção, além dos defeitos já enumerados.

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Fonte: B. J. Duarte (1935)

UMA CONSTRUCÇÃO DE CONCRETO ARMADO

A construcção que seria aconselhavel para um viaducto das proporções requeridas, deveria ser, na minha opinião, de concreto armado e não de aço unicamente. O concreto, seguindo as qualidade que lhe são inherentes, se acha em melhores condições de soffrer mudanças bruscas e accentuadas da atmosphera, como sóe acontecer nos terrenos baixos.

O viaducto de concreto teria tres grandes arcos, conforme as construcções classicas e mediria 25 metros de largura. Essa dimensão seria sufficiente para comportar duas vias carroçaveis, superiores, de oito metros cada uma e mais dois passeios lateraes de dois metros e meio cada. Isso seria sufficiente para a boa distribuição do trafego no local. O escopo principal dessa disposição seria evitar a derrubada desnecessaria da ala de palmeiras que embelleza o parque. Uma largura exaggerada para o viaducto poria em conflicto com relação á rua Barão de Itapetininga, a harmonia de linhas que terá de manter com aquella via publica.

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Fonte: B. J. Duarte (1935)

A QUESTÃO DO TRANSITO

‒ “Mais um dos pontos criticaveis é o relativo á questão do trafego de vehiculos.
A circulação de bondes, pelo viaducto, seria grandemente facilitada com a creação, na praça da republica, de um ponto terminal, a exemplo do Rio de Janeiro, onde nem todas as linhas terminam no coração da cidade. A praça da Republica por sua situação e pelo espaço que offerece, facilitaria a construcção de abrigos publicos, tão necessarios a uma cidade que dia a dia augmenta de população.

Com a creação desse ponto final, os bondes deixariam de trafegar pelo viaducto, ou melhor, sómente um numero limitado passaria por elle. Isso constituiria mais um passo dado no sentido de se evitar o congestionamento de vehiculos, notadamente de automoveis e auto-omnibus, cujo numero cresce vertiginosamente na capital paulista.

O trafego, no centro da cidade, seria desafogado consideravelmente. O movimento de pedestres, com o augmento que se verifica na densidade da população, terá por isso, de augmentar. Os pontos terminaes do centro serão, por certo, abolidos. O congestionamento que se observa actualmente no viaducto não é resultado unicamente de sua pouca largura. Tudo depende da capacidade de trafego da totalidade das ruas que desembocam na praça do Patriarcha. Se se nota actualmente grande numero de vehiculos parados no viaducto é porque a rua Libero, estreita como é, não dá vasão ao grande numero de vehiculos que por ella transitam.

Muito se fala, quando se toca em urbanismo, em exemplos estrangeiros. Em entrevistas concedidas á Imprensa, um dos concorrentes falou mesmo nas “avenidas de Nova York”, plethoricas de massas humanas e vehiculos… e citou o “subway”, ou em outra linguagem o “trem subterraneo”, onde não existem cruzamentos em niveis… Não é preciso ir tão longe para se falar dos acesos problemas. O Brasil é ainda um vasto paiz e não soffre do mal da super-população… Além disso termos, á mão, obras de engenheiros de nomeada, que são verdadeiros modelos de technica e arte. Não é preciso copiar o que ha no estrangeiro.

Abandone-se,  portanto, a mania de só se observar o que há lá fóra. Sigamos, para nosso proveito, o que magistralmente se escreveu no monumento de Ramos de Azevedo: ‒ “Age quod agis”…

Correio de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1935.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

O povo allemão definirá hoje, num pleito memoravel, a sua orientação politica

BERLIM, 12 (U. T. B.) ‒ A Allemanha passa amanhã o seu dia decisivo na historia contemporanea com a realização do primeiro escrutinio eleitoral para o cargo supremo de presidente da Republica.
Depois de 7 annos de mandato do marechal Hindenburgo, chega para a grande nação o momento de eleger pelo suffragio directo, aquelle que deverá assumir o seu mando supremo para um novo periodo constitucional de 7 annos.

A ALLEMANHA DO PRESENTE

Trabalhando incessantemente sob orientações marcadas e inabalaveis, o governo Hindenburgo conseguiu fazer com que a Allemanha em menos de um decennio, depois da derrocada de 1918, pudesse emparelhar em perfeito pé de igualdade com as proprias potencias vencedoras da tragedia mundial de 1914 a 1918. Desprovida , embora de quaesquer outros recursos materiaes, estrangulada em seus surtos de resurgimento militar e economico, com suas colonias repartidas como presa de guerra pelos vencedores, com sua industria asphyxiada e seu commercio victimado por uma verdadeira guerra branca, pôde a Allemanha sob Hindenburgo, nestes ultimos 7 annos, lançar mão de suas reservas moraes e dos sentimentos immanentes de justiça e de equidade para reassumir no concerto mundial das nações, a posição que lhe cabia, antes dos dias tenebrosos de agosto de 1914.

O DESCONTENTAMENTO NACIONAL

E surgiram dentro da propria Allemanha os descontentes.
Ergueram-se os primeiros brados de revolta contra a opressão, sem que se fizessem ouvir ao mesmo tempo as vozes razoaveis dos que tinham em mãos a solução vagarosa, mas segura do grande problema.
Lutando herculeamente para vencer os circulos de ferro em que a encerravam, teve a Allemanha que voltar as vistas ainda para as lutas internas, com a hypertrophia do movimento de descontentamento.

O ALVORECER DO NACIONALISMO

Bastou um homem disposto a romper com todo o passado e a lutar denodadamente contra todos os tratados e convenções, para que o grande paiz se visse de subito dividido entre dois campos oppostos.

Assim surgiu a figura de Adolph Hitler,  no scenario politico da Allemanha.
Encarnando os ideaes extremistas de rompimento com todo o passado recente para remontar o passado longinquo, Hitler organizou o partido nacional socialista, segundo declarou “para combater o terror communista que aos poucos surgia das esquerdas”. Dentro desse ponto de vista foi a nova organização dos “nazi” tomando incremento, abrindo novas campanhas, até se declarar em franca opposição ao governo do marechal Hindenburgo, já então representado na figura do chanceller Bruning.
Inspirado no modelo italiano, Hitler fez de seu partido ao mesmo tempo, uma organização, uma milicia, um corpo eleitoral e uma força disposta a agir em qualquer terreno.

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CINCO CANDIDATOS Á PRESIDENCIA

Estão portanto, em campo as duas verdadeiras candidaturas á presidencia do Reich, nas figuras de Hindenburgo e de Hitler, embora seja de 5 o numero de candidatos officialmente reconhecidos.
Além desses dois nomes, entretanto, as listas officiaes conterão mais 3: o do tenente-coronel Theodore Duesterberg, vice-presidente da organização dos “capacetes de aço”, candidato do partido nacionalista; o de Ernest Thaelmann, candidato communista, e o de Adolph Gustav, um simples presidiario da penitenciaria de Bautzen, cuja candidatura é absolutamente incolor.

Cerca de 46 milhões de eleitores serão chamados ao veredictum das urnas e a intensidade da campanha de propaganda, permitte suppor que a porcentagem, permitte suppor que a porcentagem de comparecimento será muito elevada. O primeiro escrutinio, que é o que se realiza amanhã, só será definitivo se um dos candidatos alcançar a maioria absoluta dos votos. Em caso negativo, seguir-se-á um segundo escrutinio que será a ultima palavra da vontade do povo allemão.

Diário Nacional, 13 de março de 1932
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹A grafia da época foi mantida.

 

Mario Marano, um brasileiro em Hollywood

Ao final da Primeira Guerra Mundial, cerca de 90% da programação exibida no Brasil era importada de Hollywood e, alguns cinemas importantes da época, exibiam, exclusivamente, produções norte-americanas.
A crise gerada pela Primeira Guerra Mundial encareceu os custos para a compra de equipamentos e filmes, impondo um empecilho para a produção cinematográfica brasileira. Além disso, enquanto outros mercados internacionais estavam comprometidos com a guerra, Hollywood começa a produzir filmes que lhe alçariam à posição de “Meca do cinema”.

Embora a produção nacional tenha sido enfraquecida no período, nos anos 1920, surgem os primeiros cineclubes em São Paulo e no Rio de Janeiro, além da importante revista Cinearte, especializada em cinema e abrindo espaço para o debate sobre o desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira, além da cobertura das grandes novidades de Hollywood e da Europa.

É nesse contexto que o Brasil vê sua primeira oportunidade de se projetar internacionalmente, por meio da presença de “astros” brasileiros atuando em filmes hollywoodianos. Um dos primeiros brasileiros a tentar a carreira na “Cinelândia” – como chamavam Hollywood – foi o carioca Mario de Albuquerque Maranhão Pimentel, o Mario Marano.

MARIO MARANO

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Mario Marano. Fonte: O Jornal (1927)

Nascido no Rio de Janeiro, em 24 de fevereiro de 1898, Mario era filho do ilustre paraibano dr. Julio Pimentel, chefe da redação dos debates do Senado Federal, e de Dona Maria Perpetua de Albuquerque Maranhão, membros de tradicional família carioca residente à rua Haddock Lobo nº 427.

Antes de sua carreira nas telonas, o jovem Mario Pimentel aventurou-se pela Europa: formou-se bacharel em leis pela Universidade de Gand (Bélgica) e, em seguida, atuou como correspondente de um jornal do Rio na Europa. Declarada a guerra, serviu como intérprete voluntario durante a Primeira Guerra no 42º regimento de infantaria francesa e, só depois do armistício, tentou ingressar, pela primeira vez, na carreira de ator, mas sem êxito.
Seu nome figurou pela primeira vez na revista mensal “A Scena Muda: Eu sei tudo”, edição de 17 de maio de 1923, em matéria que anunciava a instalação de uma grande companhia cinematográfica no Brasil.
A matéria informava:

“Recebemos do sr. Stuart Forsyth, presidente da  Twin American Film Company, a seguinte communicação:
Reconhecendo quão vasto e opportuno é o bellissimo territorio brasileiro, resolvemos enviar para o Brasil, para ahi fixar residencia, uma companhia completa de cinematographia.
[…] Entre as artistas já contractadas, estou autorizado a mencionar os nomes seguintes – MISSES VIOLA DANA, CLARA KIMBALL YOUNG, MARY MILES MINTER, os SRS. ANTONIO MORENO, RUDOLPH VALENTINO E MARIO CORTEZ. Este ultimo que já tem obtido ruidoso exito na tela norte-americana e é conhecido com a alcunha de MATINEE IDOL, é de nacionalidade brasileira, nascido no Rio de Janeiro e o seu verdadeiro nome é MARIO PIMENTEL.
Pertence a umas das melhores familias cariocas e seu pai, SR. JULIO PIMENTEL, é um alto funcionario aposentado do Senado Federal Brasileiro.”

É possível que Mario tenha usado, inicialmente, a alcunha Mario Cortez, mas a tenha abandonado pouco tempo depois.
Não foi possível identificar qualquer produção que Mario tenha participado no início da década de 1920, seja sob o pseudônimo Mario Cortez ou seu nome verdadeiro. Seja lá qual for a participação que tenha feito, provavelmente não foi creditado, limitando-se à atuação como figurante.

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Mario Marano. Fonte: A Gazeta (1927)

Segundo jornais da época, ao retornar ao Brasil, Mario manteve relações com as maiores empresas cinematográficas daquele tempo, e chegou a receber propostas da “Ufa”, de Berlim. No entanto, recusou-as, porque estava decidido a ir para os Estados Unidos.

Em matéria do Correio Paulistano, um colega carioca informava o seguinte sobre o futuro “astro” brasileiro:

“Não ha, quem não conheça Mario Pimentel, que é o seu verdadeiro nome, nas rodas de rapazes do Rio, que nelle encontraram sempre um esplendido camarada para todas as brincadeiras.
Mario um optimo dansarino, era figura obrigatorio em todos os banquetes e recepções que se realizavam nesta capita, sendo mesmo uma figura de grande destaque na sociedade carioca.
Viajado, tendo corrido innumeras capitaes do velho mundo, Mario possue interessantes episodios na sua vida, um tanto bohemia, na verdade…
Em Paris, na velha capital do mundo artistico, na alegre cidade dos prazeres, Mario foi, durante muito tempo, um dos mais populares frequentadores dos “cabarets”, onde as suas excepcionaes qualidades de dansarino se evidenciavam.
Foi a dansa que o arrastou até a Nova York e dessa cidade a Los Angeles e Hollywood…”

Além do relato de seu amigo, outra notícia afirmava o seguinte sobre Marano:

“Apaixonado dansarino, Mario viajou muitissimo, tendo por unicas preoccupações o baile e o cinema. Trabalhou na “Pathé”, na “Ufa”, e em fabricas italianas, ao lado de Sarah Bernhardt, de Francisca Bertini e Lydia Borelli.”

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Mario Marano. Fonte: Revista Cinearte (1927

Mario, de fato, foi a Hollywood mas, antes disso, casou-se, no dia 6 de junho de 1925, com Moema Guimarães Natal, filha do ministro do Supremo Tribunal Brasileiro, Joaquim Xavier Guimarães Natal e de Dona Angela de Bulhões Natal. Os atos, civil e religioso, tiveram lugar na própria residência do dr. Guimarães Natal.

Agora casado, Mario, conforme relatado por seu amigo, embarcou para Nova Iorque. Pouco tempo depois, chegou à Hollywood, e não demorou para que Mario virasse notícia novamente.

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Trecho da certidão de casamento de Mario e Moema. Fonte: Family Search.

SURGE UMA ESTRELA

Entre maio e julho de 1927, diversos jornais e revistas celebraram a presença do brasileiro em Hollywood ao reproduzirem uma notícia divulgada pela magazine americana “The World” a respeito da contratação de MARIO MARANO para figurar em 8 filmes a serem produzidos pela Peerless Pictures Co., sob direção de Dallas M. Fitzgerald.

(Algumas notícias de jornais afirmaram que, na verdade, o contrato previa sua participação em 11 filmes, no entanto, essa informação não é relevante, pois, como vocês verão, a carreira de Mario Marano foi muito mais curta do que se esperava).

Os seguintes trechos são dignos de destaque:

“A Cinelandia descobre um astro brasileiro
Mario Pimentel vae produzir oito films para a “Peerless” e um para a “United Artists”

O brasileiro começa a vencer no cinema. Não aqui, como é bem de ver, porque, infelizmente, as empresas de films até hoje organizadas entre nós não vão lá das pernas, mas na propria Cinelandia. Hollywood não é, assim, o reducto inexpugnavel que todos pensavamos. E, si o europeu e raros latino-americanos têm feito lá bem succedidas incursões, agora tambem chegou a nossa oportunidade. É o que se deprehende de uma noticia que acaba de se nos deparar no ultimo numero de “The World”.”

A Gazeta, São Paulo, 2 de junho de 1927.

UM ARTISTA BRASILEIRO

A America Latina custou a enviar um representante á Capital Cinematographica do mundo, mas o grandioso Brasil acaba de nos enviar um dos seus mais ilustre filhos, sendo que o dignisimo representante apenas chegado chama-se Mario Marano.
Mario é o primeiro brasileiro a ser contractado para trabalhar em films americanos, pois entre os artistas estrangeiros de nomeada ora em Hollywood, podemos citar o finado mas immortal Rodolpho Valentino, Ricardo Cortez, Antonio Moreno, Monty Banks, Charles de Roche, Renne Adoree, Jetta Guodal, Gaston Glass, Mathilde Comont, Eugenia Besserer e Grace Cunard, estes vindos da Europa Latina, ao passo que Ramon Novarro e Dolores del Rio, são filhos de Durango, no Mexico.
Marano leva vantagem sobre todos os acima citados. Aquelles chegaram aqui sem experiencia e este traz grande treno dos studios do Oeste, pois não ha muito tempo teve elle occasião de trabalhar ao lado de André Brule e ultimamente tomou parte saliente nos importantes films produzidos pela UFA de Berlin, ha pouco chegada na America e Hollywood, a bordo do vapor Berengeria.

Jornal das Moças, Rio de Janeiro, 16 de junho de 1927.

UM BRASILEIRO EM HOLLYWOOD

Mario Pimentel, do Rio de Janeiro, foi contractado pela Peerless Pictures. Vamos ter, finalmente, no cinema, o nosso embaixador […].

[…] Essa noticia deve encher de jubilo a todos os brasileiros. Já a Argentina e o Chile tinham representantes no mundo dos films. Ha tempos, ali tivemos Antonio Rolando, que posou ao lado de Pearl White e outros “astros” de relevo. Mas depois, si algum patricio nosso ingressou no cinema, isso foi feito em circumstancias taes que o nome brasileiro não chegou a ser inscripto nos cartazes dos cinemas.
Agora, com a iniciativa desse moço carioca, o Brasil já figura nas chronicas cinematographicas dos jornaes e revistas do continente norte, com referencias das mais lisonjeiras. É uma representação de indiscutivel valor para a propaganda do paiz. Facil e utilissima. A que mais convem, na época presente, aos nossos interesses.
Mario Pimentel está ha dois mezes em Hollywood. Seu pseudonymo para o cinema é Mario Marano.

Correio Paulistano, São Paulo, 13 de junho de 1927.

Segundo os jornais, Mario teria assinado seu contrato nos escritórios do advogado Tom Smith, no endereço 1223 Taft Building, Hollywood, California, devendo iniciar as atividades, poucos dias após a assinatura do contrato para as filmagens do longa “Out of the Past, anteriormente intitulado “Webs of Fate.

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Taft Building. Fonte: LAPL (1928)

O filme teve como diretor Dallas M. Fitzgerald, que também era diretor da Peerless e contava entre suas produções:

The Guttersnipe (1922)
Playing with Fire (1922)
Her Accidental Husband (1923)
After the Bal (1924)
Passionate Youth (1925)
Tessie (1925)
My Lady of Whims (1926)

Em Out of the Past, o elenco contaria com as presenças, além de Marano, de Robert Frazer e Mildred Harris, a primeira esposa de Charlie Chaplin, atores que, segundo os jornais, gozavam de grande popularidade no Brasil.
Além de Out of the Past, especulava-se que Marano também interpretaria um dos principais papéis em “Ramona”, de Edwin Carewe para a United Artists, com Dolores del Rio, no papel principal.
A revista Cinearte chegou a confirmar, por meio de telegrama de seu representante L. S. Marinho, de Hollywood, que Mario Marano havia firmado contrato para atuar em “Ramona”, no entanto, Mario jamais apareceu no filme, e não é possível saber se a assinatura do contrato ocorreu, de fato, ou se tratava de um boato.

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Richard Talmadge e Mario Marano. Fonte: Cinearte (1927)

A notícia de que Mario Marano atuaria em filmes norte-americanos ao lado de renomadas estrelas causou grande furor entre os fãs de cinema, em especial entre as fãs. Mario que havia chegado há pouco tempo em Los Angeles já figurava entre os círculos sociais de renomadas celebridades, como Richard Talmadge, Christina Montt, Mary astor, entre outros, alimentando ainda mais a esperança de seus fãs brasileiros de que seria uma estrela de sucesso.

Imediatamente, iniciou-se uma chuva de cartas à revista Cinearte perguntando se era verdade Marano ser brasileiro ou pedindo seu endereço, nos Estados Unidos, para que suas fãs pudessem lhe enviar cartas.

Entre algumas respostas da Cinearte às fãs estão:

“Resposta à Priminha (P. Alegre) – Nada, sou eu mesmo que estou aqui de novo! Como vae a minha adoravel amiguinha? Mario Marano, como todo artista de Cinema, pediu-me que não désse o seu endereço particular. Escreva aos cuidados de Dallas Fitzgerald Taft Building, Vine Street and Hollywood Blvd., Los Angeles, California. Escreve já! Elle me prometteu enviar a primeira carta de “fan” do Brasil!”.

“Resposta à Rosa Ferida (Rio) – Pois é verdade! O Cinema brasileiro não abrirá fallencia. Mario Marano é brasileiro sim. In care of Dallas Fitzgerald, Taft Building, Vine Street x Hollywood Blvd., Hollywood, California.”

Um outro comentário peculiar publicado em um jornal, afirmava que apesar do orgulho em ter o brasileiro nas telonas americanas, a escolha do nome Marano não representava sua terra natal adequadamente, pois soava italiano demais.

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Mario Marano ao lado de Richard Talmadge em um “exercício”. Fonte: Cinearte (1928)

Apesar do sucesso do galã entre as mulheres, inusitadamente, Mario Marano confirmou que a primeira carta de fã que recebeu tinha como remetente um homem:

“Conforme o que tinha promettido a “Cinearte”, Mario Marano acaba de nos enviar a primeira carta de “fan” que recebeu. É do Brasil!
É de Milton Dias, Baurú, Estado de S. Paulo.”

Embora Marano fosse a grande sensação do momento, antes mesmo da estreia de seu filme no Brasil, em 1928, a revista Cinearte jogou um balde de água fria em seus fãs:

“As admiradoras do Mario Marano podem perder a esperança de vel-o na pantalla, como dizem os hespanhóes. Como muitos outros desistiu de querer ser astro… depois de tudo… É um grande “game” como dizem aqui se referindo ao Cinema, esta questão de querer quando não permanece como extra, fracassa, deixando a cidade sem lhe sentir a falta. A industria cinematographica não podia nem pode comportar tanta gente sem juizo… tantos illudidos. E, passando da industria para as opportunidades existentes em Hollywood, estas estão contadas: vender terrenos, automoveis, restaurantes e fabricas mentiras…”.

A notícia de que Mario Marano havia desistido de atuar em Hollywood pegou todos de surpresa, e é muito provável que muitas pessoas não tenham acreditado nesta informação visto que, inúmeras reportagens continuaram a ser publicadas a respeito do “astro” brasileiro.

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Mario Marano visita Christina Montt e Mary Astor durante a filmagem de “The Rose of Monterey” da F.N. Fonte: Cinearte (1927)

SOMBRAS DO PASSADO

Em 3 de março de 1929, o Correio da Manhã noticiava:

“O seu primeiro film, prestes a ser exhibido, nesta capital

O leitor, se é um fan de coração, já deve ter ouvido falar em Mario Marano, um patricio nosso que, ingressando no cinema, só posou para um film da Peerless Pictures, sob a direcção de Dallas Fitzgerald.
Ha um anno mais ou menos, esta noticia causou sensação extraordinaria nos meios cinematrographicos do paiz, assim como foi razão para uma serie enorme de perguntas e commentarios dos fans sobre a pessoa desse brasileiro que, em Hollywood, se apresentava sob o pseudonymo de Mario Marano.
Surgiram entrevistas, biographias, chronicas extensas sobre a personalidade de Mario Marano afim de satisfazer a curiosidade dos que se interessam e apreciam a arte das sombras […].
A curiosidade que ainda perdura entre todos será muito breve saciada á farta com as exhibições de “Sombras do passado”.”

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Anúncio de Sombras do Passado. Fonte: A Gazeta (1929)

Um dia antes da estréia do filme, no Cine-Theatro Rialto, do Rio de Janeiro, jornais especulavam acerca dos principais aspectos que o filme prometia apresentar:

“Sombras do Passado” é uma producção de aspectos variados e que satisfaz, por isso mesmo, a toda e qualquer especie de publico. Ha nesta producção americana, scenas de luxo, ha comedia como lances de grande dramaticidade, momentos de amor intenso, de paixão ardente e sensual, o colorido vivo das regiões dos mares do sul, a seducção das mulheres encantadoras em sua formosura primitiva, trabalho esmerado de direcção, assim como optimo desempenho por parte de todo o elenco.
“Sombras do passado” vae, tudo o deixa prever, ser um dos maiores exitos desta temporada e para elle estão voltadas as vistas de fans e cinematographsitas. No elenco apparecem tambem os queridos artistas Mildred Harris e Robert Frazer, em cuja companhia Mario Marano, o astro brasileiro, faz as honras de um trabalho de arte e bom gosto.

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Cena de Sombras do Passado. Fonte: Cinearte (1927)

Após a estreia, um resumo do enredo do filme foi publicado no Diario Carioca. O texto segue na íntegra:

“A guerra mundial, o sangrento conflicto europeu, que arrastou a Fome, a Peste e a Morte a investidas terriveis contra os homens, não só deixou lares arruinados como a dor e a miseria nos campos da Europa. Dora Prentiss morava na California, quando arrebentou a sangreira mundial. Numa tarde em que ella acalentava sonhos côr de rosa, recebeu um communicado official noticiando a morte do seu noivo Jach Barrister num sector francez. Morrera como um heroe na conquista de um posto inimigo considerado inespugnavel.
Uma dor indescriptivel principiou a dilacerar-lhe o coração. Tudo recordava os dias felizes do seu noivado, tudo a fazia lembras aquelle a quem a morte arrebatára tão traiçoeiramente. Sua mãe, entrementes, tratava de convencel-a a casar-se com o corretor Beverly Carpenter, porque este possuia uma grande fortuna e era homem capaz de custear os caprichos da futura sogra. Sempre perseguida pela proposta de Beverly e acossada pela ambição materna, Dora acaba finalmente cedendo em tornar-se esposa do famoso corretor. Disse-lhe, porém, antes, que não o amava embora promettendo tudo fazer para ser digna do seu affecto.
Os mezes corre. Beverly continuava a viver numa roda de estroinas, entre os quaes encontrava-se o engenheiro Juan Serrano, que preferia á hydraulica os bons vinhos e a companhia de mulheres alegres.
Principiaram a apparecer as primeiras desintelligencias entre os conjuges: as brigas eram constantes e como, por vezes o esposo estava embriagado, dirigiu insultos pesados á sua mulher. Certa tarde deu-se o rompimento fatal e no dia seguinte um novo golpe do destino attingiu o esposo desleal e perverso. As más companhias e os gastos desregrados levaram-no á fallencia commercial.
Envergonhado em tão difficil situação, resolve fugir, deixando um pequeno bilhete que explicava a sua atitude extemporanea. Embarcando num cargueiro, dirigiu-se para os mares do sul e aportou em região estranha, onde imperavam os vicios e as paixões humanas.
Tempos depois Dora deu á luz um filhinho que passara a ser a sua distracção, e seu unico enlevo. Uma tarde ella recebeu a visita de Harold Neszitt, causador da ruina de Carpenter. O visitante vinha propor-lhe casamento, mas a desolada criatura recusou a proposta, respondendo que seu coração estava enterrado em terras da França, junto ao corpo do seu idolatrado noivo. Mas, nessa mesma noite, chegou Jack Barrister, que não morrera na guerra, da qual escapara muito ferido, para ir tratar-se num hospital de sangue. Por esse tempo Beverly fizera-se amante de uma morena chamada Saida e era considerado chefe da região onde fôra curtir os seus dias de amargura.
Ahi tambem foram aportar Harold Nesbitt e Juan Serrano, quando se dirigiam numa viagem para a China. Pelos recem-chegados, o antigo corretor soube do que se passára com sua esposa e, desejoso de vingar-se de Dora, embarca sem perda de tempo para a America. Mas ao encontrar o filho, um dia, sentiu-se preso de uma estranha emoção, que lhe paralysou toda a malquerença que alimentava ha tantos mezes. O pequeno, sem saber com quem falava, enaltece a memoria do papae que desapparecera, pois assim lhe ensinára Dora, como mãe extremosa e uma esposa tolerante e bôa. Beverly, cheio de vergonha e humilhado, abandona aquella residencia e foge para muito longe, para uma região onde podesse esconder “As sombras do passado”.
Aqui temos um pallido e resumido enredo desta encantadora pellicula, que, estamos plenamente certos, angariará os applausos no nobre publico carioca. Nella apparecerá, como dissemos, um moço brasileiro – Mario Marano – cujo desempenho no papel de Juan Serrano muito se recommenda ao lado de Mildred Harris e Robert Frazer.”.

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Anúncio de Sombras do Passado. Fonte: Correio da Manhã (1929)

Infelizmente, apesar da grande empolgação do público brasileiro em ter um representante de nosso país em Hollywood, o desempenho, não só de Mario Marano, mas do próprio filme Out of the Past foi desastroso.

Em 6 de junho de 1929, o jornal A Noite analisava o filme:

“O trabalho de Mario Marano – o conhecido e sympathico Mario Maranhão de que se lembram todos os bohemios do Rio – no film agora em exhibição no Rialto, não é de molde a se deizer se o nosso patricio tem ou não qualidades para seguir a vida de artista cinematographico. Mario Marano perpassa, apenas, pela téla, em tres ou quatro scenas rapidas, tão rapidas que quasi não ha tempo de se lhe fixar as feições.
É desembaraçado, não resta duvida, e tem qualidades photogenicas. Mas, francamente, é cedo para se dizer se elle ainda será um artista digno desse nome. Sómente em outro trabalho, no qual elle realmente appareça, e o publico possa ver em scenas mais demoradas e de maior responsabilidade, as suas qualidades poderão ser fixadas. Por emquanto, fiquemos na expectativa, ma mais sympathica expectativa que possamos alimentar pelo exito do nosso patricio.”.

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Cena de Sombras do Passado. Fonte: Correio da Manhã (1929)

Outra dura crítica ao filme foi feita pela própria revista Cinearte, umas das principais responsáveis pela ascensão da popularidade de Marano no Brasil:

“RIALTO – SOMBRAS DO PASSADO – (Out of the Past) – Peerless – Producção de 1927.
Argumento batido e já abandonado. Não dá mais nada. Principalmente com um tratamento horrivel como o que lhe deram Dallas Fitzgerald e Tipton Stock. Não se aproveita nada. Robert Frazer e Mildred Harris fazem muito mal o par de heroes. Mario Marano, brasileiro, tem um papel secundario. E prova que para o Cinema não tem quéda. Aliás, esta foi uma das opportunidades de encetar carreira em que elle metteu os pés estupidamente.
Cotação: 2 pontos. P. V.”

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Mario Marano. Fonte: A Scena Muda (1929)

Tendo como nota máximo 10 pontos, e mínima 1 ponto, a nota recebida por Out of the Past exibe bem o tamanho do desastre que a produção era considerada pelos críticos.

Diante do fiasco de Out of the Past, não se sabe se por iniciativa do ator, ou da própria produtora, o contrato foi rescindido e Mario Marano jamais voltaria a atuar em Hollywood.

MINHA NOITE DE NÚPCIAS

No entanto, esta não foi a última vez que Mario Marano seria visto nos cinemas. Anos depois de sua curta carreira nos Estados Unidos, e um breve período vivendo em Paris, Mario Marano figurara em uma versão luso-brasileira – desta vez em cinema falado – do filme Her Wedding Night.

Ficou a cargo da Cinearte divulgar, novamente, uma produção que contava com Marano, mas desta vez, avisaram de antemão que sua participação era ínfima, sem criar qualquer esperança para seus possíveis fãs, caso ainda existissem:

“Mario Marano, um brasileiro do qual CINEARTE já muito se ocupou cuja semelhança com Ricardo Cortez foi faladissima, andou pelos Estados Unidos, figurou em um film da Peerless e, depois, sumiu.
Agora, entretanto, volta com Noite de Nupcias, versão falada em português do film de Clara Bow Her Wedding Night, que, por sinal, é versão falada de Miss Barba Azul (Miss Bluebears), que ha anos dez Bebe Daniels para a mesma Paramount, com Frank Tuttle (tambem diretor da versão falada) dirigindo e Robert Frazer. Raymond Griffith (papel que Leopoldo Fróes tem nêste film em português) e Kenneth MacKenna nos principais papeis.
Mario Marano aparece ligeiramente como porteiro de hotel, cantando uma canção em francês.”

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Cenas de Minha Noite de Núpcias. Fonte: cinemaportugues.pt

As resenhas do segundo filme a contar com Marano não foram diferentes daquelas sobre o primeiro. Mais uma vez, Mario Marano e companhia eram severamente criticados pela Cinearte:

“MINHA NOITE DE NUPCIAS – Film da Paramount – Producção de 1930

Não vimos aqui e nem veremos, naturalmente, o Film original que originou este, feito em Joinville e com elenco luso-brasileiro. Chamava-se, o mesmo, Her Wedding Night e tinha Clara Bow, Ralph Forbes e Skeets Gallagher nos primeiros pepeis.
Este, em versão portuguesa ao argumento de Avery Hopwood, teve a direcção de E. W. Emo, um allemão e a interpretação de Beatriz Costa, Alberto Reis, Estevão Amarante, Leopoldo Fróes, Mario Marano e outros. Mal orientados, fizeram theatro deante da camera e, mal dirigidos, theatro do peor.
Este é o melhor da serie que a Paramount já exhibiu aqui: Canção do berço, Mulher que ri e este. Mas assim mesmo deixa muito a desejar.
Cotação: – REGULAR”

As tragédias não se limitavam às atuações de Mario Marano no cinema, e como “desgraça pouca é bobagem”, outros incidentes indiretamente relacionados ao filmes “Minha noite de núpcias” ocorreriam em seguida.

Em 12 de setembro de 1931, com o Cine São José, no Rio de Janeiro, funcionando como cine-teatro, após a apresentação de “Amores e Modas”, de Mauro de Almeida, quando tinha início o filme “Minha noite de núpcias”, o prédio incendiou-se, só ficando de pé a fachada e as escadas laterais da sala de espera.
Se já não bastassem as críticas negativas e o incêndio do Cine-Theatro, o ator principal, Leopoldo Fróes, que havia adoecido ainda durante as gravações do filme, faleceu meses depois de pneumonia.

Em um período de menos de 10 anos, Mario Marano foi de “astro” promissor brasileiro em Hollywood a ator desqualificado.

Sem sabermos se isso teve qualquer ligação com seu fracasso como ator, vale dizer que em 8 de julho de 1936, Mario e Moema se divorciavam. Era o fim de um conturbado período na vida de Mario.

Apesar dos reveses, não se pode dizer que Mario teve uma vida ruim. Mesmo fracassando como ator, Mario pertencia a uma tradicional e abastada família do Rio de Janeiro e, certamente, quando as coisas não estava indo bem, Mario poderia afogar as mágoas às margens do Sena e se afastar dos problemas.

Aliás, Mario era tão fã da França que, em 27 de agosto de 1938, casou-se novamente, desta vez com a francesa Josephe Jeanne Simône Ballot, filha de

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Trecho da certidão de casamento de Mario e Josephe. Fonte: Family Search.

Henri Ballot (sem ligação com o famoso fotógrafo) e de Mme. Camille Anne Marie Augustine Layer.
Seu segundo casamento durou 14 anos, chegando ao fim em 4 de dezembro de 1952.

Sem pretensões de retornar ao mundo do cinema, Mario deixou seu pseudônimo para trás, e agora usando seu verdadeiro nome dedicou-se a publicação de livros.

VIDA PÓS-FAMA

Em 1940, Mario organizou o livro Brasil-1940, uma homenagem ao progresso do Brasil e também às tradições portuguesas.

A Gazeta de Notícias noticiava em 4 de junho de 1940:

“Brasil – 1940 – Uma edição monumental que honra o Paiz

Esteve em nossa redacção o Sr. Mario de Albuquerque Maranhão Pimentel, organizador do Album “Brasil-1940, de que quiz ter a gentileza de nos offerecer um exemplar. Trata-se de um trabalho do mais alto valor, mostrando, em bellos artigos e abundante clicheria, as realidades do Brasil em todos os campos da actividade. É um trabalho de propaganda que sobremaneira honra o seu organizador e o Paiz. Esta edição monumental, de que foi feita a tiragem de vinte mil exemplares, foi patrocinada pela Camara

Portugueza de Commercio e destina-se a ser distribuida gratuitamente, por intermedio do DIP, na exposição do Mundo Portuguez, em Lisboa, para onde foram enviados quinze mil exemplares. abre o escripto prologo do Sr. Lourival Fontes, director do DIP e explicando a finalidade da obra, seguindo-se logo uma extensa monographia do jornalista e escriptor Sr. Simão de Laboreiro, que sob o titulo “O Brasil da Actualidade” estuda a nossa evolução e focaliza a grande figura do Presidente Dr. Getulio Vargas, monographia essa que foi irradiada para todo o territorio nacional na “Hora do Brasil”.O Sr. Mario Pimentel, que já em annos anteriores tinha realizado trabalhos semelhantes, apresenta-nos agora uma obra sob todos os pontos de vista notavel.”

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Mario Marano. Fonte: Gazeta de Notícias (1940)

Além de Brasil-1940, também foi possível identificar outras duas publicações em nome do mesmo Mario Pimentel:

São Paulo de Piratininga 1554-1942 – (organizador) de 1942 e “Orientador Fiscal do Imposto de Consumo e Renda” (Autor/Director responsável da revista técnica) de 1951.

É possível que Mario Marano tenha participado

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de outras publicações, no entanto não foi possível localizá-las.

Em 1953, o nome de Mario figurava entre os sócios da Associação Brasileira de Imprensa, indicando que o ex-astro atuava nesta área durante as décadas posteriores às suas aventuras cinematográficas.

O FIM

Em uma sexta-feira, dia 27 de junho de 1986, faleceu Mario Albuquerque Maranhão Pimentel, 88, de parada cardiorrespiratória, em sua casa na Tijuca. Mario deixou dois filhos.

Independente de seu desempenho como ator, certamente a história de Mario Marano nos mostra um riquíssimo retrato da realidade brasileira frente à ascensão de Hollywood como principal produtor de obras cinematográficas no mundo.

Em um tempo em que Hollywood passou criar irresistíveis mecanismos de atração e a alimentar sonhos de pessoas comuns em todo o mundo, a imprensa brasileira se empenhou na fabricação de astros e estrelas nacionais, que acabaram rejeitados pela indústria cinematográfica americana, e rapidamente tiveram suas carreiras terminadas.

Mario Marano é um dos primeiros, de muitos, a tentarem, em vão, brilhar na “terra do cinema”.

O sonho do estrelismo brasileiro em Hollywood só seria alcançado na década de 1940, com o estrelato de Carmen Miranda.

Periódicos e revistas consultados:

Boletim da Associação Brasileira de Imprensa
Cinearte
Correio da Manhã
Correio Paulistano
Diário Carioca
Diário de Notícias
Diário Nacional
A Gazeta
Gazeta de Notícias
O Jornal
Jornal das Moças
Jornal do Brasil
A Manhã
A Noite
A Scena Muda

Sites consultados:

Cochinilha
cochinilha.blogspot.com/2016/05/a-minha-noite-de-nupcias.html

Centro de Investigações para Tecnologias Interactivas
http://www.citi.pt/cultura/teatro/artistas/beatriz_costa/noite_nupcias.html

Centro Virtual Camões
http://cvc.instituto-camoes.pt/cinema/cronologia/cro033.html

Carlos Correia
http://www.carloscorreia.net/citi2/cultura/teatro/artistas/beatriz_costa/noite_nupcias.html

Cinema Português
http://cinemaportugues.com.pt/?tag=a-minha-noite-de-nupcias

Bibliografia:

GOULART, Isabella Regina Oliveira. A Ilusão da Imagem: o sonho do estrelismo brasileiro em Hollywood, USP, São Paulo, 2013.

HAUSSEN, Luciana Fagundes. Cinema Transnacional e tendências estéticas nas revistas brasileiras Fon-Fon e Cinearte (1927 a 1932), PUC, Porto Alegre, 2015.

SILVA JUNIOR, Nelson. Cinema brasileiro primeiros anos: origens e história. UTFPR, Paraná, 2016.

25 de janeiro de 1554 – Fundação de S. Paulo

A data em que se comemora a fundação de São Paulo é uma grande data brasileira, porque nella se evoca o nome da terra bandeirante como uma das regiões mais progressistas da terra.
O burgo modesto que Anchieta lançou no Pateo do Colegio one hoje, defrontando arranha-céos, se ergue o airoso monumento da fundação da cidade, transformou-se em esplendida metropole. Com um milhão e duzentos mil habitantes é, em população, a segunda cidade brasileira e, como centro de trabalho industrial, o maior da America do Sul. É tambem poderoso centro de actividades scientificas e culturaes.

Decerto multiplos foram os factores que concorreram para o engrandecimento de São Paulo. Quem os coordenou, porém, realizando administrações modelares, dando altissimo grau de efficiencia aos serviços publicos e tomando as iniciativas mais fecundas foi o antigo Partido Republicano Paulista. Este facto histórico é indestructivel: quarenta annos de administrações republicanas, succedendo-se harmoniosamente, deram ao nosso Estado um admiravel periodo de ordem, de segurança, de regularidade financeira, de credito universal, de trabalho constructor e de fervoroso cuidado pelos interesses collectivos.

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O MARAVILHOSO CRESCIMENTO DA CIDADE

O boletim diario de informações “Commercio e Industria”, especialmente para a data de hoje, reuniu os seguintes dados sobre o desenvolvimento da cidade anchietana:

Em 1850 ha em S. Paulo 1.300 casas para 15.300 habitantes.
Em 1860, 18.600 pessoas e 2.500 casas.
Em 1870, 23.200 pessoas e 3.250 casas.
Em 1880, 27.800 pessoas e 4.088 casas.
Em 1890, 64.934 pessoas e 10.321 casas.

Até essa época o numero de casas vae correspondendo ao numero de habitantes. Dahi por deante a progressão é prodigiosa. As linhas se separam. Ha mais gente e menos casas em relação aos decennios passados affirmam as estatisticas.
O augmento repentino da população é explicado pela elevada natalidade e, principalmente, pela affluencia de imigrantes. Por outro lado, as lavouras de café se estendem pelas novas regiões desbravadas e dão lucros compensadores. O desequilibrio persiste, chegando ao ápice em 1910, quando ha 11,4 habitantes por casa, média muito elevada para a época. De 1910 a 1913 a febre de construcção é geral. Depois decae – de 1914 a 1918 – mas o augmento da população tambem descreve um pouco.
Em 1920 a differença se desfaz: ha 9,6 habitantes por casa. Dahi por deante succede o desequilibrio inverso! S. Paulo progride como nunca, principalmente de 1920 a 1928. Ha affluxo de dinheiro e facilidade de credito a par de um incontido optimismo sobre a estabilidade desse bem estar economico. Constróem-se casas e mais casas. Só em 1928, 6.867 novos prediso se erguem! Existem predios demais em relação ao numero de habitantes.

De 1929 a 1933 o periodo é de restricções: a crise economica mundial reflecte-se em S. Paulo, o collapso da economia cafeeira attinge em cheio a cidade, as revoluções e periodos de desconfiança, anteriores e subsequentes, diminuem a intensidade do esforço paulista. Em 1932 constroe-se 4 vezes menos que em 1928. O preço dos imoveis, que fôra elevado artificialmente, desce a niveis mais baixos. O excesso da offerta em relação á procura reajusta os valores em desequilibrio. Entretanto, emquanto esses choques põem á prova a resistencia economica de S. Paulo, a população cresce. Augmentando a população e decrescendo a marcha as construcções, o nivelamento entre aquella e estas vae se processando.
Em 1934 ha, aproximadamente, 8,5 habitantes para cada predio.
De 1934 a 1937 o numero de construcções augmenta bastante. Em 1937, supera o dos ultimos annos. As médias entre “habitantes” e “casas” são razoaveis: quasi sempre em torno de 8 habitantes por casa. O reajustamento já se processou, e acreditamos que se mantenha.

Correio Paulistano, 25 de janeiro de 1938.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

 

 

Episódios de Intolerância

Em 1933, a Folha da Noite noticiava o confisco das propriedades do físico Albert Einstein, por parte do governo alemão:

“O governo allemão acaba de confiscar as propriedades de Einstein, o grande sábio, honra e orgulho do nosso tempo.
É mais um episodio da intolerancia politica, racial e religiosa do governo do Reich, intolerancia que encontrou no mundo culto uma tão grande e espontanea reacção. Toda a gente faz justiça á Allemanha, ao seu espirito, á sua admiravel capacidade. Por isso mesmo é que podemos nos sentir a vontade para oppôr as maiores reservas aos methodos politicos do seu actual gabinete, cujos intuitos e recursos de propaganda o “Petit Parisien” acaba de revelar em reportagem sensacional.

1933-11-21 episodios de intolerancia (hitler) 2

Precisamos estar attentos contra os manejos da “Transocean”, hoje controlada e dirigida pela propaganda hitlerista. O Brasil, paiz de immigração, deve saber defender-se contra a possibilidade de se transplantarem para o seu territorio, ainda que restrictos as colonias estrangeiras, methodos politicos contrarios aos seus usos e costumes. A sua indole liberal, contra toda a intervenção de elementos estranhos na vida e na orientação de sua imprensa.

1933-11-21 episodios de intolerancia (hitler) 3

Se é exacto que as questões politicas internas não estão ao alcance da critica dos que pertencem a outras nações, não é menos exacto que o imperialismo hitlerista deve ser combatido.

Folha da Noite, 21 de novembro de 1933.
Fontes:
Acervo Folha
The Bully Pulpit

 

Os “gangsters” paulistanos estão em scena

Um inspector de policia gravemente ferido pela turma do “quebra tudo”

No ambiente policial, notava-se hoje desusada effervescencia. Um inspector de policia, aggredido pelas costas, cerca das 4 horas da madrugada de hoje, tombou gravemente ferido em plena avenida São João sendo, despojado das armas, dinheiro e da capa que levava no hombro.
Todos os collegas do policial – que se encontra recolhido ao leito em estado melindroso – traziam o cenho carrancudo e só pediam uma cousa aos chefes, um revide em regra.

Os autores da façanha são os mesmos que ha tempos aterrorizam os centros bohemios da capital: a turma do “Quebra Tudo”. Hoje o chefe é outro: o “Rosquinha”, elementos de pessimos antecedentes se bem que pertença á burguezia da nossa “urbs”…
Verdadeiros “gangsters”, dispostos a qualquer crime, dedicam-se a treinos… suaves, assaltando, espancando, depredando. Uma verdadeira vergonha que deve cessar.

Cabe á nossa policia empregar um drastico immediato para acabar com esse cancro social que perambula, saturado de cocaina, pelas ruas do centro, altas horas da madrugada.
Nenhuma contemplação para os “quebra-tudo”. É necessario combatel-os sem treguas, fazendo-os expiar o mal que praticam.

1935 paissandu
Largo do Paissandu, 1935

UMA AGGRESSÃO COVARDE

O inspector da Delegacia de Ordem Politica e Social, Affonso Mendes, n. 106, ás 4 horas da madrugada de hoje, depois de ter effectivado uma diligencia, encaminhava-se para a sua residencia. Para tanto, teve que atravessar a avenida São João. Nas proximidades do largo do Paysandú, foi abordado por dois rapazes, elegantemente trajados. Enquanto o inspector respondia a uma pergunta de um delles, outros individuos se lhe acercaram desferindo-lhe, na nuca, uma fortissima pancada. Atordoado, o inspector cahiu ao solo. Então o grupo saciou a sanha, esbordoando impiedosamente a victima, que teve todos os dentes partidos e o osso do nariz fracturado. Em seguida arrancaram o revolver do policial e o ordenado que ha pouco tinha recebido. Não contentes com isso, carregaram uma capa gabardine.
Unica testemunha do caso foi um padeiro que ouviu perfeitamente dizer:
– Mata esse… É um “tira”!

INSPECTORES QUE PEDEM UMA LICENÇA “SUI GENERIS”

Sentindo justissima revolta contra o attentado que victimou um companheiro, os inspectores da Delegacia de Ordem Politica e Social pediram ao delegado uma licença “sui generis”: carta branca para “quebrarem” os valentes. Havia lagrimas nos olhos dos rudes inspectores, quando fizeram o pedido. Sentiam grande ansia para revidarem á altura o covarde attentado.
O dr. Costa Ferreira recommendou calma, fazendo ver que, sem se recorrer á violencia, os culpados seriam punidos. Uma communicação do succedido foi enviada ao major Cordeiro de Faria que determinará quaes as medidas a serem tomadas contra os criminosos que formam o grupo de assaltantes.

Folha da Noite, 21 de novembro de 1931.
Fontes:
Acervo Folha
Acervos da Cidade