O Corso da Avenida Paulista (1928)

Todos criticam, todos falam do corso, mas vão… Compreendo essas contradições. O que eu não posso compreender, porém, é que, estando a Avenida Paulista no estado miserável em que se acha, crivada de buracos e depressões, ainda há quem se aventure a rodar por aquelle asphalto remendado, como a roupa de um pobretão. Principalmente, nesses dias de chuva, em que a gente se arrisca a levar uma ducha lamacenta, extra-programma…

Avenida Paulista em 1928. Cartão postal.
Avenida Paulista em 1928. Cartão postal.

Para neutralizar a censura dos outros, o chic aos domingos, agora, é fingir que não se está fazendo o corso… Os automoveis “chispam”, sáem da fila, apostam corrida. Quando se é obrigado a diminuir a marcha, então, afim de tornar áquelle fingimento mais evidente, nem se olha… Todos duros, impertigados, tesos, pensando em cousas longinquas. Quem quizer adquirir uma noção exacta do que seja o celebre “amuo” paulista o melhor que tem a fazer é ir ao corso. A impressão que elle dá é a de que todos estão treinando para acompanhar um enterro, em que só falta o defunto, mas em que, para compensar, quasi todos parecem mumias.

O que se nota de uns tempos a essa parte, na Avenida, é a existencia de vendedores de balões de gomma elastica. São uns meninões de buço, de catadura syria, muito morenos, terrivelmente mal vestidos. Parecem pobres que usam o artificio de venderem bolas coloridas para disfarçarem a profissão.

No meu modo de vêr essas criaturas deveriam usar um uniforme brando, á maneira dos vendedores de sorvete. O avental dar-lhes-ia um aspecto menos “pobre”, menos compromettedor da atmosphera aristocratica do corso. Por outro lado, tornaria os vendedores mais sympathicos. Não ha nada como a limpeza para attrahir compradores. Assim como estão, elles offerecem um contraste desagradavel para os olhos dos que vão á Avenida gozar de graça um prazer esthetico.

Já que a organização capitalista da sociedade não pode impedir a miseria, a pobreza e a sujeira, escondamos, pelos menos aos domingos, que são dias de festa, essas tristes e desolantes couzas.

SUB-URBANO (Pseudônimo de Guilherme de Almeida)

Diário Nacional, 12 de dezembro de 1928

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original foi preservada em sua integralidade, respeitando as regras gramaticais vigentes à época da publicação.

S. Paulo é uma cidade onde não acontece nada…

ALGO MÁS

Ha muitos annos, esteve em S. Paulo certo especialista em composição typgraphica, o qual veiu contratado para trabalhar a serviço de uma grande casa editora. Nem bem chegou, portanto, começou a ganhar dinheiro. Aqui viveu feliz um, dois, tres mezes. Depois, começou a entristecer. Os amigos e conhecidos, chegavam-se a elle e perguntavam, apreensivos:
– Mas, que é que você tem, homem? Falta-lhe alguma cousa?
O typographo não respondia. Mudo como um peixe. Tudo, aliás, em sua vida estava em ordem; o lar, a saude, a situação financeira… Nada existia que justificasse aquelle abatimento espiritural.
Em certa occasião, porém, afim de se vêr livre de tantas e tão incommodas perguntas, o typographo abriu-se:
– Vou-me embora para a Allemanha. S. Paulo é uma cidade onde não acontece nada…

Estava explicado, afinal, o mysterio daquella tristeza intima. Tratava-se de um homem, cujo temperamento não se acostumava com uma vida morna, insipida, sem vibrações.
Teria razão o typographo? S. Paulo será, de facto, uma cidade, onde nada acontece?
Depende. Depende sobretudo do temperamento de cada qual. Porque, afinal, onde quer que se encontre o homem, ha “cousas acontecendo”. E cousas “interessantes”: tragedias, crimes, desastres, escandalos, etc. Mas, ás vezes, isso não basta. É preciso “algo más”. Foi o que se deu, provavelmente, com o typgrapho allemão. – C.

Diário Nacional, 10 de novembro de 2018.
Fontes:
Hemeroteca Digital Brasileira
Arquivo Histórico Municipal de São Paulo

O Otário e o Vigarista

Não conseguiu passar o “paco”

Um “otario” com sorte e a prisão, em flagrante, de um vigarista

O scenario da quasi… tragedia, foi a rua do Seminario, arteria movimentadíssima.
Um honesto cidadão, foi inopinadamente abordado por um individuo apalermado, que parecia tonto com o movimento intenso da rua.

– O sr. sabe onde fica a Santa Casa?
– Sei, sim, é aqui pertinho, siga por aqui, dobre acolá, depois suba aquella ladeira e desça uma rampa, assim… assado… e está na Santa Casa.

O primeiro ficou com uma cara espantada. Como encontrar, seguindo aquella rotina, si nem conhecida a cidade? Tinha vindo do interior naquella horinha, unicamente para entregar áquelle instituto beneficente a quantia de… 20:000$000, ultima vontade de um parente fallecido havia dias. Si não fôra parente, elle não teria vindo, pois não conhecia a cidade e tinha muito medo dos “aguias”.

– O sr. não me poderia fazer um favor?
– Podendo…

E “cantou” o otario, offerecendo a “bolada” em troca de uma simples garantia: o que tinha no bolso.
E o otario, ia cahindo, quando appareceram dois inspectores da Delegacia de Falsificações, que tinha, “manjado” tudo e deram voz de pridão ao “malandro”, que não passa de um vigarista profissional.

As personagens do quasi drama, são: Otario: Manoel Pereira dos Santos, residente á rua Cesario Alvim, 100; “vigarista”, Jayme Antonio Ferreira; inspectores: José Maria e Alvaro Amorim.

Na presença das autoridades o “vigarista” disse que é a primeira vez que elle é preso em São Paulo. Trabalhou muito em Buenos Aires e Rio de Janeiro, onde é sobejamente conhecido.

Folha da Manhã, 21 de novembro de 1928.
Foto: Rua do Seminário, 1928 – Aurélio Becherini

Fontes:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervos da Cidade