Todos criticam, todos falam do corso, mas vão… Compreendo essas contradições. O que eu não posso compreender, porém, é que, estando a Avenida Paulista no estado miserável em que se acha, crivada de buracos e depressões, ainda há quem se aventure a rodar por aquelle asphalto remendado, como a roupa de um pobretão. Principalmente, nesses dias de chuva, em que a gente se arrisca a levar uma ducha lamacenta, extra-programma…
![Avenida Paulista em 1928. Cartão postal.](https://volumemorto.wordpress.com/wp-content/uploads/2020/10/96834331_2426175294334997_4290607045201100800_n.jpg?w=640)
Para neutralizar a censura dos outros, o chic aos domingos, agora, é fingir que não se está fazendo o corso… Os automoveis “chispam”, sáem da fila, apostam corrida. Quando se é obrigado a diminuir a marcha, então, afim de tornar áquelle fingimento mais evidente, nem se olha… Todos duros, impertigados, tesos, pensando em cousas longinquas. Quem quizer adquirir uma noção exacta do que seja o celebre “amuo” paulista o melhor que tem a fazer é ir ao corso. A impressão que elle dá é a de que todos estão treinando para acompanhar um enterro, em que só falta o defunto, mas em que, para compensar, quasi todos parecem mumias.
O que se nota de uns tempos a essa parte, na Avenida, é a existencia de vendedores de balões de gomma elastica. São uns meninões de buço, de catadura syria, muito morenos, terrivelmente mal vestidos. Parecem pobres que usam o artificio de venderem bolas coloridas para disfarçarem a profissão.
No meu modo de vêr essas criaturas deveriam usar um uniforme brando, á maneira dos vendedores de sorvete. O avental dar-lhes-ia um aspecto menos “pobre”, menos compromettedor da atmosphera aristocratica do corso. Por outro lado, tornaria os vendedores mais sympathicos. Não ha nada como a limpeza para attrahir compradores. Assim como estão, elles offerecem um contraste desagradavel para os olhos dos que vão á Avenida gozar de graça um prazer esthetico.
Já que a organização capitalista da sociedade não pode impedir a miseria, a pobreza e a sujeira, escondamos, pelos menos aos domingos, que são dias de festa, essas tristes e desolantes couzas.
SUB-URBANO (Pseudônimo de Guilherme de Almeida)
Diário Nacional, 12 de dezembro de 1928
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira
*A grafia original foi preservada em sua integralidade, respeitando as regras gramaticais vigentes à época da publicação.