O nome Carlos (1908)

Fala o Jornal do Brasil em pessoas que tudo vêm e procuram coincidencias. Uma dessas pessoas affirmou que a maioria dos reis que no mundo tem usado o nome de Carlos, acabou tragicamente.

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Rei D. Carlos I, de Portugal, preparando-se para um tiro aos pombos.

Folheando ás pressas um Diccionario de Historia, constatamos a veracidade dessa informação e, a titulo de curiosidade, citamos os nomes desses monarchas e dos seus infortunios:

Carlos I, cognominado o bom, rei da Dinamarca foi assassinado em 1127, na egreja Bruges.

Carlos II, o calvo, foi envenenado pelo seu medico Sedecias, em 337.

Carlos III, o simples, morreu encerrado em uma prisão no castello de Perona, em 929.

Carlos VII, o victorioso, temendo ser envenenado por seus filhos, deixou-se morrer de fome, em 1416.

Carlus IX, morreu demente, roido pelos remorsos.

Carlos de França, falleceu preso na torre de Orleans , em 993.

Carlos III, o gordo, morreu desthronado e no abandono universal, em 838.

Carlos V, veiu a fallecer abandonado no mosteiro de S. Justo, na Extremadura Espanhola, em 1558.

Carlos I, da Inglaterra, foi executado na praça publica, deante do palacio de White-Hall, em 1649.

Carlos VII, da Suecia, foi assassinado em 1167 por Canuto Erickson.

Carlos VIII, da Suecia, foi morto, em 1718, deante da fortaleza de Friederieshald.

Carlos IV, da Hespanha, morreu em Roma em 1811, depois de ter sido obrigado a abdicar.

Carlos III, de Napoles e das Duas Cecilias, morreu assassinado por ordem da rainha da Hungria, em 1386.

Provado está, portanto, ter havido 13 reis Carlos mortos violentamente como o magnanimo D. Carlos I, de Portugal, que brasileiros e portuguezes sabiam querer e amar!

Vida Paulista, São Paulo, 1908, Edição 107.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

O que pensava um homem em 1903?

Concursos d’o “O ARCHIVO ILLUSTRADO”

TERCEIRO ‒ CONFISSÕES
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a vida moderna 1923 ulisses paranhos
Paranhos, em 1923. Fonte: A Vida Moderna

Para o terceiro concurso, da serie iniciada pelo “Archivo”, recebemos, entre outras, a resposta infra, premiada em 1.º logar.

1.ª ‒ Vossa virtude favorita?
1. ‒ A caridade, quando sincera e sem ostentação de vaidade.

2.ª ‒ Vossas qualidades favoritas no homem?
2. ‒ Robustez, talento, saber e caracter.

3.ª ‒ Vossas qualidades favoritas na mulher?
3. ‒ Belleza, intelligencia, educação, carinho e honradez.

4.ª ‒ Vossa occupação?
4. ‒ Alliviar a humanidade, algumas vezes; consolal-a, quasi sempre.

5.ª ‒ O traço principal do vosso caracter?
5 ‒ Perseverança e paciencia.

6.ª ‒ Vossa idéa de felicidade?
6 ‒ A harmonia entre as exigencias de um temperamento e as manifestações subjectivas e objectivas do meio.

7.ª ‒ Vossa idéa de desgraça?
7 ‒ O inverso da proposição acima enunciada.

8.ª ‒ Onde preferieis viver?
8 ‒ No seio da familia, em minha Patria, livre das ameaças do Infortunio.

9.ª ‒ Vossos autores favoritos em prosa?
9 ‒ Conforme o estado de espirito: Humboldt no Cosmos; Aristoteles no Organon; Cervantes em Dom Quixote.

10 ‒ Vossos poetas favoritos?
10. ‒ David nos Psalmos; Dante na Divina Comecia, Goethe em Fausto e Virgilio nas Georgicas.

11 ‒ Vossos pintores e compositores favoritos?
11. Murillo e Benjamim Constant na pintura; Wagner e Mozart na musica.

12 ‒ Vossoes heroes na vida real?
12. ‒ Os que vivem pelo trabalho independente, no caminho da honra, em prol d’aquelles que são caros.

13 ‒ Vossas heroinas na vida real?
13 ‒ As mães carinhosas, as esposas devotadas, as irmãs sinceras.

14 ‒ Vossa nutrição e vossa bebida favorita?
14. ‒ Leite, vegetaes e pouca carne. Agua, quando bôa, fresca e filtrada.

15 ‒ Vossos nomes favoritos?
15. ‒ Todos, desde que seus possuidores me inspirem amizade.

16 ‒ O objecto de vossa maior aversão?
16. ‒ O alimento, quando tenho o estomago farto.

17 ‒ Por que falta tendes maior indulgencia?
17. ‒ O delicto, quando levado pela miseria ou pela defeza.

18 ‒ Qual a vossa divisa favorita?
18. ‒ “Vencer pelo trabalho.”

19 ‒ Qual a vossa opinião sobre o casamento?
19. ‒ Uma necessidade no meio social moderno, sem a qual as leis e os deveres de natureza privada e, mesmo, publica perderiam toda estabilidade.

20 ‒ Sois casado, solteiro, ou viuvo?
20. ‒ Solteiro, por motivos diversos, entre os quaes predomina a pouca idade; antes dos 25 annos, o casamento é um prejuizo.

21 ‒ Como apreciaes a mulher na sociedade?
21. ‒ Como companheira contante do homem, servindo sempre de estimulo ao trabalho e á virtude.

22 ‒ Quaes os seis melhores romances da lingua portugueza (auctores brasileiros);
22. ‒ Innocencia, de Taunay; Memorias de um sargento de milícias, de M. A. Almeida; Iracema de Alencar; Memorias de Braz Cubas, de Machado de Assis; A casa de pensão, de Aluizio de Azevedo e a Carne, de Julio Barreto.

23 ‒ Quaes os seis melhores de poesia nacional?
23. ‒ Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Alvares de Azevedo, Olavo Bilac, Raymundo Correia e Fagundes Varella.

24 ‒ Qual o politico que admiraes no Brasil?
24. ‒ Actualmente, nenhum, porque não os possuimos; em outro tempo, Rio Branco e Cotegipe.

Dr. Ulyesses Paranhos
(Athos)

O Archivo Illustrado, São Paulo, 1903.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época

Um casamento em 1905

Realisou-se hontem, nesta capital, com grande brilhantismo, o casamento da senhorita Georgina Tibiriçá, gentilissima filha do sr. dr. Jorge Tibiriçá, presidente do Estado, com o sr. dr. Gustavo Paes de Barros, promotor publico de Mogy-mirim.

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Foram paranymphos, da noiva, no civil, a exma. sra. d. Leonor Tibiriçá e o sr. dr. João Tibiriçá Netto, e, do noivo, os srs. drs. Luiz A. de Campos Mesquita e Guilherme Rubião; no religioso, da noiva, a exma. sra. d. Jecia de Queiroz Telles Moraes e o sr. Candido de Moraes Bueno; do noivo, a exma. marqueza de Ytú e o sr. dr. João de Paula Sousa, senador estadoal.

Ambos os actos se realisaram ás 8 horas da noite, em caracter intimo, no palacio do governo.

Desde a entrada até o salão nobre, o palacio presidencial estava caprichosamente e artisticamente ornamentado com arbustos e vasos de flôres naturaes.
As ceremonias nupciaes realisaram-se no salão de honra, onde foi levantado rico altar.

Ás 11 horas, foram os convidados conduzidos á sala das refeições, onde foi servida uma delicada ceia, sendo observado o seguinte Menu:

Sandwiche de presunto
”        ”          de queijo
Coxinhas
Camarões
Bolo inglez
Bom bocado
Broinhas de côco
Fatias do céo
Ninho
Pasteis de nata
Amendoas
Queijadinhas
Cocadas
Gelatina
Fios de ovos
Sorvetes de crême, morangos, abaxaxi
Balas de ovos
Malvasia
Cerveja
Lambary
Appollinaris
Punch
Licores

VINHOS:

Porto
Hochheinmer
Rüdesheimer Rosengarten
Château Léoville
”        Yquem
Beaune
Volnay
Champagne

CEIA:

Canja
Lagostas em mayonnaise
Pasteis folhados
Perú
Presunto
Queijo, Fructas, Café.

Durante a festa, tocou alli uma bem organisada orchestra, sob a direcção do maestro Guido Rocchi, executando este programma:

I. Tannhäuser ‒ II. Salvator Rosa ‒ III. Dannazione Faust ‒ IV. Danças Hungaras ‒ V. Guarany ‒ VI. Zampa ‒ VII. Marcha Turca (Mozart) ‒ VIII. Lo Schiavo ‒ IX. Lohengrin.

Á 1 hora da madrugada, retiraram-se os convidados, terminando a festa.

O Commercio de São Paulo, 13 de setembro de 1905
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época

S. Paulo, 1905

[…] Não lhes poderia falar de outra coisa, vindo de S. Paulo, depois de oito annos de ausencia, sinão dessa cidade maravilhosa. Ha vinte annos, eu passei algumas semanas em S. Paulo: era então uma cidade, por assim dizer, academica.

ladeira do palacio 1862 c
Ladeira do Palácio, s.a., 1862 [?]. Fonte: Acervo Biblioteca Mario de Andrade
A Faculdade de Direito enchia-a toda. Havia o que se convencionou chamar um meio intellectual: sentia-se por toda a parte a tradição de Alvares de Azevedo, de Varella e dos outros grandes poetas, sentia-se ainda a influencia mais recente de Affonso Celso, de Assis Brasil, de Dias da Rocha; e eram ainda da vespera os Murat, Pompéa e outros cujos nomes os meus leitores encontrarão na lista dos membros da Academia. A politica interessava tambem intensamente. A propaganda republicana, que não valia aqui dois caracóes, tomara alli um grande incremento.

[…] Mas fóra desse terreno intellectual, S. Paulo pouco vali: materialmente, não era mais que uma modestissima cidade provinciana…

Lá voltei, muitos annos depois. O café tinha transformado tudo. Não era mais aquelle meio acanhado e singelo em que os estudantes predominavam. Bairros novos surgiam e á beira das ruas elevavam-se palacios opulentissimos: as fortunas feitas na lavoura refluiam para a cidade e a cidade deixava as suas vestes do tempo da mediania pelos trajes luxuosissimos da riqueza abundante. Mas si se via que os individuos esforçavam-se para construir residencias magnificas, não se podia com razão dizer que o aspecto propriamente da cidade, as suas ruas, as suas praças, os seus logradouros acompanhassem essa transformação. Tinha-se, é certo, inaugurado a Avenida Paulista; mas era a unica e ainda estava muito escassamente modificada.

rua joao alfredo 1907
Rua João Alfredo, s.a., 1907. Fonte: Acervo Biblioteca Mario de Andrade

Acabo agora de vêl-a: e sahindo daquelle centro onde está o Grande Hotel, não reconheci S. Paulo e tinha todos os motivos para isso, a começar por este muito simples e muito poderoso de que nunca tinha visto aquella S. Paulo, que é inteiramente nova e foi feita nestes ultimos annos. Dois factores concorreram poderosamente para isso, sem contar, já se deixa vêr, o primeiro de todos, que é o genio audacioso e decidido dos paulistas, que são ainda hoje da mesma tempera dos bandeirantes que descobriram quasi todos estes Brasis: a Light Power e o dr. Antonio Prado. Aquella supprimiu as distancias ‒ ah! supprimiu-as, de modo que o carioca resignado aos nossos bondes ronceiros, não pôde ter a menor ideia: creou assim os bairros novos, extendeu a cidade, levou as edificações aos extremos; este é o typo do administrador municipal, preoccupado com o embellezamento da cidade, com o conforto da população, espirito aberto a todo o progresso, attento aos direitos do povo, obediente á lei.

S. Paulo é hoje, graças a isso uma cidade européa, uma pequena reducção de Paris. Eu tenho grande difficuldade em reter nomes de ruas das cidades que percorro a vol d’oiseau; mas sempre direito que tive essa sensação pelo menos duas vezes: numa avenida que me lembrou a dos Campos Elyseos e numa praça cuja illuminação me fez pensar na da Concordia.

E creio que, isso dizendo, synthetiso bem a impressão que trago de S. Paulo… ‒ PANGLOSS

O Paiz, São Paulo, 3 de Abril de 1905.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira