Impressões de um viajante (1898)

De todos os Estados que compoem a Republica Brazileira, é seguramente, S. Paulo o que mais prospero se apresente, sendo o ponto do Brazil em que as riquezas naturaes do sólo mais abundantemente se manifestam.

Nestes ultimos quinze annos o Estado de S. Paulo tem adquirido um desenvolvimento extraordinario, para o qual concorrem elementos de toda sorte favoraveis, já os que se prendem á corrente de immigração, que para aquela região se tem estabelecido em grande e sempre crescente escala.
Se em 1880 a população da capital se contava por cinquenta mil almas, em 1895 havia já subido a duzentas mil.
A colonia italiana de todo o Estado que, ha dez annos, figurava nas estatisticas officiaes apenas com um algarismo de duzentas mil almas, atingia, nos ultimos recenseamentos, a cifra de um milhão, approximadamente.
E o accrescimo de população, notavelmente proporcionado pelo extrangeiro, é devido ao clima ameno e saudavel, e ao caracter convidativo do povo, franco, affavel e hospitaleiro por excellencia.

A capital do Estado, uma das mais bellas cidades do Brazil, offerece a admiração dos forasteiros que a frequentam, a belleza de seus edificios publicos, o aceio das suas ruas, a actividade da sua industria.
Se nas suas largas avenidas, muitas das quaes arborisadas, erguem-se palacetes de rigorosos estylos architectonicos, não é menos digno de nota a sua vida de trabalho, porquanto o paulista, que não tem contra si o clima entorpecedor e dissolvente de algumas regiões da Republica, é activo e empreendedor, confirmando a sua origem dos bandeirantes.

S. Paulo, a capital, toma dia a dia maior incremento, e disso se convence com pasmo quem visita a cidade com intervallo de poucos annos.
Os seus arredores, que até recente data eram terrenos desertos e abandonados, se acham actualmente transformados em bairros populosos e movimentados, entre os quaes se destavam os Campos Elyseos, onde se notam palacetes ajardinados, em que o bom gosto se revela na construcção, a par do conforto e do bem-estar.

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Palacete Elias Chaves, Campos Elíseos (1901-1910, Guilherme Gaensly)

A sua vida intellectual é digna de nota, e as excellentes livrarias que possue, recebem diariamente as novidades e os primores da litteratura extrangeira. São tambem pontos de palestra, onde, das sete ás dez da noite, estudantes e jornalistas, advogados e homens de lettras deixam-se prender em suave e prolongado cavaco. A Escola de Direito de S. Paulo é, dentre as academias do Brazil, a que mais se aproxima da jovial tradição dos estudantes de Coimbra; e a maioria dos grandes homens que o Brazil tem possuido, frequentaram os cursos do velho convento de São Francisco.

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Faculdade de Direito (1889) – Autor desconhecido

Os maiores artistas do mundo tem representado os seus theatros, que são em numero de tres. Sarah Bernhardt tem sempre uma palavra amavel com relação á mocidade paulista, Coquelin e Novelli são verdadeiros amigos da bella cidade paulistana.
 

A grande Duse ahi arrancou delirantes applausos; Judic e J. Hading, Tamagno e Borghi-Mamo, Battistini e Scalchi-Lolli constituem uma serie de celebridades de primeira grandeza, como sómente se vêm na Europa na scena dos grandes theatros das grandes capitaes.

A educação musical é bastante desenvolvida, e desde os tempos do Club Haydn até as presentes soiées do Salão Stnemey, os profissionaes e amadores são em grande numero, procurando todos concorrer para a elevação da Arte.

Nas planicies da Moóca, circumdando a cidade, a vinte minutos em caminho de ferro, um esplendido campo de corridas offerece, todos os domingos, animadas reuniões, em que productos do paiz e puros sangue extrangeiros disputam magnificos premios.
A colonia extrangeira, e especialmente a ingleza e allemã, possue diversos centros de Sport, notando-se entre elles, o Cricket-Club, que organiza mensalmente bellas e elegantes partidas.

O velodromo Paulista, de recente creação, é, em todo o seu conjuncto, uma das mais bem acabadas pistas velocipedicas, rivalisando com as que temos visto em França e na Inglaterra.

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Velódromo Paulista (data e autoria desconhecidas)

Em ponto menor, póde-se comparar, sem nenhuma pretenção, ao velodromo do Parc des Princes, em Paris, e ao de Brighton, perto de Londres, quer pela disposição geral das construcções, quer pelo estylo leve e gracioso das archibancadas ou tribunas.

A Avenida Paulista, ainda em formação, rivalisará muito em breve com as mais celebradas avenidas européas; dominando inteiramente a cidade, dela se descortina um panorama encantador, limitado no horisonte pelas sombrias montanhas do Jaguarão. No fim dessa avenida, flanqueada de construcções graciosas e elegantes, acha-se o grande Reservatorio d’agua, contornado de jardins eternamente floridos.

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Avenida Paulista (1898) – Autoria desconhecida

Esse deposito é um derivativo dos immensos abastecimentos d’agua potavel da Serra da Cantareira, a qual, pela importancia de suas obras e pela sua situação aprazivel, constitue um forçado e agradavel objectivo de excursões.

Museos, um grandioso hospital de misericordia, quarteis, excellente Corpo de Bombeiros e imponentes edificios publicos, taes como as Secretarias do Governo, Thesourarias e a Escola Normal – são titulos que S. Paulo offerece ao extrangeiro que a visita, como provas de seu desenvolvimento e de seu progresso.

(Da Revista Moderna, de Paris)
W. Roberts
Correio Paulistano, 24 de março de 1898

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia e ortografia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

²Caso haja mais informações a respeito das datas e autorias das imagens publicadas aqui, por favor entre em contato conosco.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

 

Antônio da Silva Prado

O FUTURO PREFEITO

Ligeira entrevista

IDEIAS GERAES DE ADMINISTRAÇÃO

Devendo ser hoje empossada a camara municipal eleita a 30 de outubro do anno passado para o triennio de 1899 a 1902, e, correndo com certo fundamento, que para o lugar de prefeito deverá ser escolhido o conselheiro Antonio Prado, o Correio paulistano julgou que seria de bom aviso ouvir esse illustre cidadão sobre pontos diversos da administração local que s. exa., parece, vai superintender.

Nessas condições, pedimos a um de nossos melhores amigos que nos fizesse approximar do futuro prefeito afim, de que, em entrevista ligeira, pudessemos conhecer o programma que s. exa. pretende expor á corporação municipal de S. Paulo.
Não foi difficil a tarefa, já porque s. exa. accedeu promptamente aos nossos desejos, já porque não teve duvida em fallar-nos com a maior franqueza, como se verá.
Ás 8 12 da noite de hontem, procuramos o conselheiro Antonio Prado no bello palacete da alameda que tem o seu nome.
Fomos introduzidos em elegante peça onde s. exa. tem o seu escriptorio.
Um quadrilatero, temdo em uma das paredes estante de carvalho com 3 corpos. Ahi se encontravam volumes diversos em pequena bibliotheca.
Ao lado duas estatuetas de bronze sobre pedestaes de madeira preta.
Fronteiramente, secretária com artistica pasta e objectos varios para moveis dessa natureza.
Em outros planos, largo bureau ministre, ainda de carvalho, ladeado por duas columnas sustentando jarrões de porcellana azul.
A um canto divan inglez, tendo inferiormente uma pelle de onça, debruada casimira encarnada.
Custosas e ricas cortinas, pequenas e finas cadeiras, poltronas, etc., completam a ornamentação da confortavel peça.

013 Conselheiro Antonio Prado acervo iconografico usp

O futuro prefeito não se demorou em apparecer-nos, dando-nos pouco tempo para maior inspecção do local onde foramos introduzidos.
Trajava costume leve de casimira escura e recebeu-nos com toda a gentileza.
Feitas as apresentações pelo illustre cavalheiro que nos approximára de s. exa., trocados os devidos cumprimentos, sentamo-nos e conversamos, é o termo, sobre o motivo que alli nos levára.
E essa conversa passada em tom inteiramente amistoso publicamol-a em dialogo, como se deve acontecer ás entrevistas, mesmo de caracter intimo.


– Sei, disse o nosso representante, que não é extranho a v. ex. o motivo da minha visita.
– É exacto. O nosso amigo, que está presente, tinha-me avisado; mas, com pesar o digo, não posso satisfazer o seu pedido, pois não sou o prefeito municipal da capital de S. Paulo.
– Perfeitamente. Mas, sei-o-a em poucas horas e nessas condicções poderia adiantar-me alguma cousa. A reportagem tem indiscrições e, si eu cometter alguma, v. ex. tenha a bondade de ordenar que eu não prosiga.
– Mas, eu não tenho plano algum de administração, não tenho programma, preciso conhecer bem a actual organisação municipal, as leis, regulamentos, etc., para então operar com conhecimento de causa.
– Sim: senhor. Mas permitta-me perguntar a v. exa. Qualquer administrador, que vai hoje começar um serviço não terá ideias assentadas sobre questões economicas e financeiras, assumpto palpitante e de actualidade.
– De certo. E eu devo declarar-lhe. Fui presidente da Camara de S. Paulo ha 20 annos, quando as rendas attingiam a 200:000$; hoje vão a 2.500:000$. Penso que poderão em pouco tempo chegar a 4.000:000$ e para isso basta o seguinte, e que farei: dedicar-me especialmente ao estudo de lançamento e arrecadação dos impostos, base principal da reorganisação a estabelecer-se.
– E quanto a despezas?
– Ah! Terei de cingir-me á lei do orçamento votada. Não poderei certamente occupar-me de grandes melhoramentos, pois as verbas orçamentarias são exiguas. Pretendo, porém, rever o quadro de empregados, cortar despezas inuteis, aproveitar elementos bons e gastar apenas o essencial, fazendo as maiores economias.
– E naturalmente levará isso a cabo, pois v. exa. não tem ligações politicas que lhe offereçam obstaculos…
– De certo. Pretendo mesmo pedir o auxilio de todos os municipios para que se interessem pelos assumptos locaes, nomeando comissões particulares para estudo de materias diversas. Pedirei o concurso de todos, e assim acho facil a minha tarefa.
– Acha facil?
– Acho. O meu programma é administrar bem. Desde que a maior parte dos serviços que deveriam ser municipaes se acham a cargo do Estado, basta, para chegar a resultado satisfactorio, que eu peça ao governo estadual execução das disposições legaes, nunca provocando attritos. O serviço da municipalidade não é para espantar ninguem. Desde que um administrador tenha bôa vontade e bons auxiliares, pode contar que levará a cabo a tarefa, a contento geral. E quando eu vir que se me antolham obstaculos que não possar vencer, voltarei á tranquilidade de minha casa, porque, o sr. deve saber, acceitei, a inclusão do meu nome na chapa de vereadores, desinteressadamente, com um unico fito: servir o meu paiz e o Estado onde nasci.

 


E a essas ultimas palavras do illustre cidadão, levantamo-nos, pois que alguma cousa haviamos obtido sobre o assumpto que nos levára ao palacete Prado.
Despedimo-nos de s. exa. que tão gentilmente nos recebera, renovando os protestos de agradecimento, que ainda uma vez aqui deixamos consignados.

Correio Paulistano, 7 de janeiro de 1899.
Fontes:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervo Iconográfico USP