Mosteiro de São Bento e Amador Bueno

O convento de S. Bento está situado em um largo do mesmo nome, e quasi a sahir da cidade para as bandas da luz e jardim-botanico. Em frente corre-lhe a rua tambem chamada de S. Bento, e que eu crismaria no de Academia, que lá se vê ao fundo: ‒ é uma das ruas mais direitas de S. Paulo, e a mais bem lançada a cordel.

Este edifício, cuja igreja nada tem de notavel, devide-se em duas partes, uma forma o antigo convento, que é acanhado e toscamente edificado, e o moderno que forma um só dormitório com janellas que dão para o largo. Apenas um frade habita n’elle, e lhe serve de administrador, sendo muito para lamentar que a este edificio não se tenha dado um melhor destino, como, por exemplo, desmembrar da Academia as aulas de preparatorios, e constituir alli uma especie de colegio das artes ou lyceu nacional de instrução secundaria. Estes edificios assim abandonados a um ou dois homens, como estão quasi todos os da provincia, estão arriscados de uma immensa e prompta deterioração; e assim conviria que o governo geral ou provincial lhes assignalasse um melhor e mais proficuo destino. Um frade no seculo XIX sem que esteja revestido de caracter de missionario, e vagando errante a exercer a sua altissima missão, deve considerar-se como um anachronismo.

LARGO E MOSTEIRO DE SÃO BENTO, 1830_RODRIGUES, JOSÉ WASTH
LARGO E MOSTEIRO DE SÃO BENTO, 1830 Autor: RODRIGUES, JOSÉ WASTH Data: 1918

Neste convento passou-se um facto celebre que a historia recolheo, e que se acha hoje dramatisado pelo meu illustre colega o Sr. Francisco Adolpho de Varnhagem: ‒ é a famosa e heroica abnegação de Amador Bueno da Ribeira a uma coroa que o povo lhe offerecia.

A casa de sua residencia ainda hoje se mostra, mas com duvida e incerteza entre duas ou trez, cuja edificação incontestavelmente data d’esses tempos. O facto passou-se como o conta Fr. Gaspar da Madre de deus, e que aqui copiamos: ‒ a sua parte dramatica leam-a os amadores no citado drama ‒ Amador Bueno.

“A plebe em toda a parte é fácil de mover-se, e de arrojar-se a excessos. Os Hespanhoes conseguiram redusil-a, e ajuntar um grande numero de pessoas de todas as classes, que acclamando unanimente por seu Rei a Amador Bueno de Ribeira concorrerão, cheios de alvoroço, e de enthusiasmo a sua casas a congratular-se com elle.

Pasmou Amador Bueno de Ribeira quando ouvio semelhante propozição: elle detestou o insulto dos que a proferirão, e com razões efficazes procurou dar-lhes a conhecer sua culpa, e cega indiscrição. Lembrou-lhes a obrigação, que tinhão de se conformarem com os votos de todo o reino, e a ignominia de sua patria, se senão reparasse a tempo com voluntaria, e prompta obediencia o desacerto de tão criminoso attentado. Mas a repugnancia do eleito augmenta a obstinação do povo ignorante: chegam a ameaçal-o com a morte, se não quizer empunhar o septro. Vendo-se n’esta consternação o fiel vassallo, sahio de sua casa furtivamente, e com a espada nua na mão para se defender, se necessario fosse, caminhou apressado para o mosteiro de S. bento, onde intentava refugiar-se. Advertem os do concurso, que havia sahido pela porta do quintal, e todos correm apoz elle gritando: ‒ viva Amador Bueno nosso rei: ‒ viva o senhor D. João IV, nosso rei e senhor, pelo qual darei a vida.

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Aclamação de Amador Bueno. Autor: Oscar Pereira da Silva. Data: 1931

Chegando Amador Bueno de Ribeira ao mosteiro entrou, e fechou rapidamente as portas. Como os Paulistas antigos veneravão sumamente aos sacerdotes, principalmente aos regulares, nenhum insultou ao convento, e todos pararão da parte de fóra, insistindo porem na sua indiscreta pertenção. Desceu á portaria o D. abbade acompanhado da sua communidade, e com attenções entreteve a multidão, em quanto Amador Bueno de Ribeira mandou chamar com pressa os ecclesiasticos mais respeitaveis, e alguns sujeitos dos principaes que se não achavão no concurso. Vierão logo uns, e outros, e todos unidos ao dito Bueno fizerão comprehender aos circunstantes, que o reino pertencia á serenissima casa de Bragança, e que d’ella se acharia esta em posse pacifica desde o dia da morte do Cardeal rei D. Henrique, se a violanecia dos monarchas hespanhoes não houvera suffocado o seu direito.

Nada mais foi necessario para se conduzirem aquelles fieis portuguezes, como devião: todos arrependidos do seu desacordo, fôrão cheios de gosto acclamar solemnamente o senhor D. João IV, com magoa dos Hespanhoes, os quas por não perderem as commodidades, que tinhão vindo procurar em S. Paulo, prestarão tambem o juramento de fidelidade ao mesmo soberano.”

O Mercantil,. São Paulo 26 de outubro de 1850

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹Trecho extraído do quarto capítulo do texto Recordações de Viagens de Francisco Manuel Raposo de Almeida, publicado pelo jornal O Mercantil.

²O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

 

 

Falta de Providência (1854)

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Rua do Comércio, onde se encontrava o Hotel da Providência. Fonte: Militão A. de Azevedo (1860)

Sr. Redactor ‒ Existe nesta cidade um hotel com o titulo de Providencia, mas que de providencia só tem o nome. O seu proprietario parece pouco importar-se com o palladar dos consumidores, pois que á respeito de asseio parece que não ha providencia no Providencia. Por vezes tem ahi os freguezes tomado uma agua agarapada a que os homens da Providencia appellidam de ‒ chá. Outras vezes, um peixe que tem vinte dias de sal, chamam-n’o ‒ fresco.

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Rua do Comércio, onde se encontrava o Hotel da Providência. Fonte: Militão A. de Azevedo (1862)

Estas cousas não convem a um estabelecimento que precisa de acreditar-se.
Estejam pois os homens da Providencia atentos para estas imprevidencias. depois não se queixe da

Sentinella.

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Anúncio do Hotel da Providencia. Fonte: Correio Paulistano (1854)

Correio Paulistano, São Paulo, 11 de julho de 1854
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

[In]salubridade pública (1854)

Correspondencia,

Srs. Redactores ‒ Principiarei por congratular-me com Vossas mercês, por já termos, em S. Paulo, um jornal dedicado a preencher o vacuo que havia, isto é, a falta de um jornal imparcial, e que se dedicasse aos interesses da capital e provincia; e como Vossas Mercês, máo grado os partidistas, vão caminhando impavidos, procurando satisfazer a todas as classes, permitta que me utilize de um canto de sua folha para chamar a attenção da camara municipal para o deleixo de seus fiscaes,

Senhores da camara municipal, attendão ao menos á salubridade publica! a cidade de S. Paulo, outr’ora limpa e aceiada, hoje existe que é uma vergonha! E para prova apontaremos as travessas da Lapa, do Imperador, e das Cachaças. Nesta ultima existe uma casa que continuamente despeja pelo cano aguas mais que immundas, e isto junto ao despejo que continuamente fazem de tudo que de mais nojento e repugnante tem em casa as quitandeiras, que ali residem, formão nos grandes buracos que tem na rua receptaculos taes de immundicies, que tornando-se putridas (se algumas ou não estão já, quando são atiradas as ventas dos passantes) não sómente encommodão o olfacto dos viandantes, como muito prejudicão a saude dos moradores, produzindo taes pestelentas materias, não só regimentos de sanguisedentos mosquitos, que á noite põe em alarma todos os moradores das visinhanças, como um grande viveiro de sapos, e outros animalejos não menos encommodos e nojentos.

vista da rua do imperador 1862-1863 militão augusto de azevedo
Rua do Imperador, Militão Augusto de Azevedo (1862-1863)

Na rua do Imperador igualmente existe um Eden bem semelhante ao de que acima fallamos; reside ali n’uma taberna um allemão que assentou, por mais commodidade, dever fazer na rua o despejo de tudo quanto lhe encommodasse em casa, e mais ainda a estribaria de seu cavalo; de sorte que não é possivel achar-se esse lugar em peior estado de immundicie e porcaria.

Entretanto que estas e outras muitas cousas vê todo mundo, os Senhores fiscaes não as enxergão; assentão que de suas casas, cuidando de seus negocios, podem fiscalizar a cidade!

Relevem portanto, Srs. Redactores, que por meio de sua folha, chamemos a attenção da camara municipal, para o que levamos dito, afim de que activem os Srs. fiscaes, ou demirrão-os no caso de reincidirem no seu proverbial deleixo.

Um municipe.

Correio Paulistano, São Paulo, 5 de julho de 1854.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.