O convento de S. Bento está situado em um largo do mesmo nome, e quasi a sahir da cidade para as bandas da luz e jardim-botanico. Em frente corre-lhe a rua tambem chamada de S. Bento, e que eu crismaria no de Academia, que lá se vê ao fundo: ‒ é uma das ruas mais direitas de S. Paulo, e a mais bem lançada a cordel.
Este edifício, cuja igreja nada tem de notavel, devide-se em duas partes, uma forma o antigo convento, que é acanhado e toscamente edificado, e o moderno que forma um só dormitório com janellas que dão para o largo. Apenas um frade habita n’elle, e lhe serve de administrador, sendo muito para lamentar que a este edificio não se tenha dado um melhor destino, como, por exemplo, desmembrar da Academia as aulas de preparatorios, e constituir alli uma especie de colegio das artes ou lyceu nacional de instrução secundaria. Estes edificios assim abandonados a um ou dois homens, como estão quasi todos os da provincia, estão arriscados de uma immensa e prompta deterioração; e assim conviria que o governo geral ou provincial lhes assignalasse um melhor e mais proficuo destino. Um frade no seculo XIX sem que esteja revestido de caracter de missionario, e vagando errante a exercer a sua altissima missão, deve considerar-se como um anachronismo.
![LARGO E MOSTEIRO DE SÃO BENTO, 1830_RODRIGUES, JOSÉ WASTH](https://volumemorto.wordpress.com/wp-content/uploads/2019/04/largo-e-mosteiro-de-sao-bento-1830-1918-jwr.jpg?w=656)
Neste convento passou-se um facto celebre que a historia recolheo, e que se acha hoje dramatisado pelo meu illustre colega o Sr. Francisco Adolpho de Varnhagem: ‒ é a famosa e heroica abnegação de Amador Bueno da Ribeira a uma coroa que o povo lhe offerecia.
A casa de sua residencia ainda hoje se mostra, mas com duvida e incerteza entre duas ou trez, cuja edificação incontestavelmente data d’esses tempos. O facto passou-se como o conta Fr. Gaspar da Madre de deus, e que aqui copiamos: ‒ a sua parte dramatica leam-a os amadores no citado drama ‒ Amador Bueno.
“A plebe em toda a parte é fácil de mover-se, e de arrojar-se a excessos. Os Hespanhoes conseguiram redusil-a, e ajuntar um grande numero de pessoas de todas as classes, que acclamando unanimente por seu Rei a Amador Bueno de Ribeira concorrerão, cheios de alvoroço, e de enthusiasmo a sua casas a congratular-se com elle.
Pasmou Amador Bueno de Ribeira quando ouvio semelhante propozição: elle detestou o insulto dos que a proferirão, e com razões efficazes procurou dar-lhes a conhecer sua culpa, e cega indiscrição. Lembrou-lhes a obrigação, que tinhão de se conformarem com os votos de todo o reino, e a ignominia de sua patria, se senão reparasse a tempo com voluntaria, e prompta obediencia o desacerto de tão criminoso attentado. Mas a repugnancia do eleito augmenta a obstinação do povo ignorante: chegam a ameaçal-o com a morte, se não quizer empunhar o septro. Vendo-se n’esta consternação o fiel vassallo, sahio de sua casa furtivamente, e com a espada nua na mão para se defender, se necessario fosse, caminhou apressado para o mosteiro de S. bento, onde intentava refugiar-se. Advertem os do concurso, que havia sahido pela porta do quintal, e todos correm apoz elle gritando: ‒ viva Amador Bueno nosso rei: ‒ viva o senhor D. João IV, nosso rei e senhor, pelo qual darei a vida.
![aclamacao-amador-bueno-oscar pereira da silva 1931.jpg](https://volumemorto.wordpress.com/wp-content/uploads/2019/04/aclamacao-amador-bueno-oscar-pereira-da-silva-1931.jpg?w=656)
Chegando Amador Bueno de Ribeira ao mosteiro entrou, e fechou rapidamente as portas. Como os Paulistas antigos veneravão sumamente aos sacerdotes, principalmente aos regulares, nenhum insultou ao convento, e todos pararão da parte de fóra, insistindo porem na sua indiscreta pertenção. Desceu á portaria o D. abbade acompanhado da sua communidade, e com attenções entreteve a multidão, em quanto Amador Bueno de Ribeira mandou chamar com pressa os ecclesiasticos mais respeitaveis, e alguns sujeitos dos principaes que se não achavão no concurso. Vierão logo uns, e outros, e todos unidos ao dito Bueno fizerão comprehender aos circunstantes, que o reino pertencia á serenissima casa de Bragança, e que d’ella se acharia esta em posse pacifica desde o dia da morte do Cardeal rei D. Henrique, se a violanecia dos monarchas hespanhoes não houvera suffocado o seu direito.
Nada mais foi necessario para se conduzirem aquelles fieis portuguezes, como devião: todos arrependidos do seu desacordo, fôrão cheios de gosto acclamar solemnamente o senhor D. João IV, com magoa dos Hespanhoes, os quas por não perderem as commodidades, que tinhão vindo procurar em S. Paulo, prestarão tambem o juramento de fidelidade ao mesmo soberano.”
O Mercantil,. São Paulo 26 de outubro de 1850
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira
¹Trecho extraído do quarto capítulo do texto Recordações de Viagens de Francisco Manuel Raposo de Almeida, publicado pelo jornal O Mercantil.
²O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.