A Mãe Preta e o Quarto Centeário

Mãe Preta

Por Quirino da Silva

Agora que se aproximam os festejos do quarto centenário da fundação da cidade, agora que nos preparamos para tudo mostrar ao estrangeiro, acerca das nossas atividades, enfim, tudo que no período de quatro séculos fizemos, ao estrangeiro que por aqui passar, aquele que antes chamávamos de viajante, e hoje, retorcidamente, se tornou turista. A esses, gostaríamos também, se possível, dizer-lhes do nosso reconhecimento a uma das magníficas figuras quem, a princípio, muito contra-gosto se ligaram à nossa história – desde o momento em que o colonizador sentiu a necessidade de para cá canalizar o braço negro, a fim de que o plantio tivesse mesmo incremento; para que o homem branco pudesse dar conta da árdua tarefa que se propôs, de aproveitar a terra – a terra: “em tal maneira é graciosa, que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo…” Como muito bem disse o senhor Pero Vaz Caminha, aquele que fez o registro civil do Brasil.

Trata-se simplesmente da mãe preta, a mãe de todos os filhos: aquela que, carinhosamente, foi mãe dos seus próprios filhos (quando tinha tempo) e mãe, muito mãe, dos filhos que não eram dela.

Mãe Preta, Lucílio de Albuquerque, 1912. Museu de Arte da Bahia, Salvador.

Sejamos brasileiros: não deixemos que os nossos sentimentos de raiz desapareçam neste instante em que pretendemos render homenagem àqueles que à força de inteligencia, de talento e trabalho, muito fizeram e fazem por este Estado.

Chegamos, é verdade, a um ponto bem elevado: chegamos até a nos ombrear com os povos mais civilizados. Há já muito que declaramos, em carta magna, prescindir do braço escravo negro; há muito, é bem verdade, que as naus portuguesas também não mais aproam nas praias africanas; há muito que, dos sombrios e infectos porões dos navios negreiros não saem a se perder na amplidão dos mares os queixumes, os silenciosos e doridos queixumes da queles que ajudaram a fazer à nossa riqueza.

Mãe Preta, Júlio Guerra, 1955. Largo do Paissandú, São Paulo.

Sejamos brasileiros: lembremo-mos que a mãe preta compartilhou sempre das nossas horas amargas, das nossas horas alegres. Homenageemos pois, a mãe preta, porque nela está simbolizada a bondade, a fidelidade, a amizade de uma raça que muito nos ajudou e ajuda.

Ergamos, se possível, um monumento à mãe preta.

Diário da Noite, São Paulo, 14 de fevereiro de 1952.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

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