Está exigindo uma reforma o velho Museu do Ipiranga

Não está em condições de receber visitas, o imponente edifício – Até hoje, não foi dotado de eletricidade

A administração paulista através da Comissão do IV Centenário, já está dando providências no sentido de revestir de brilho os festejos que assinalarão a passagem do quarto século de fundação da cidade de São Paulo. Verbas têm sido votadas nas casas legislativas, inclusive a necessária para a instalação da Comissão que cuidará de orientar as comemorações. Tudo indica, pois, que São Paulo, embora não com a suntuosidade esperada – que se tornaria descabida numa época de economia como a atual – irá festejar, condignamente, o seu quarto centenário.

ESQUECIDO

Ao que parece, porém, dos melhoramentos previstos para as cerimônias cívicas que então serão assinaladas, o Museu do Ipiranga está sendo totalmente esquecido. Entretanto, trata-se de um setor que os responsáveis não deveriam olvidar, por ser tratar de local onde se encontram depositadas verdadeiras jóias não só da história de São Paulo, mas também, do Brasil.

LASTIMAVEL

O estado atual do Museu do Ipiranga – qualquer pessoa o poderá constatar – é deploravelmente lastimavel. Dir-se-ia estar relegado ao mais completo abandono. Ao que parece, a atual administração do Museu luta com a falta de verbas e, consequentemente, ver-se-ia tolhida, na tarefa de cuidar como devia das relíquias que lhe foram confiadas. A exposição das mais interessantes peças da nossa história é desordenada, não obedecendo à técnica de Museu. A etiquetagem é velha e lacônica. muitas peças expostas não possuem sequer etiquetas explicativas ou simplesmente elucidativas. Tem, o visitante, a impressão de que nada se faz no sentido de preservar os objetos históricos da ação do tempo.
Uma simples vista de olhos pela sala de armas confirmará a assertiva. A generalidade dêsses objetos está tomada pela ferrugem e não se nota qualquer demonstração de cuidado para evitar a ação corrosiva.

ABANDONO

Observou a reportagem que no porão do edificio, atualmente em reforma, estão relegados ao abandono verdadeiras reliquias. Vêem-se ali quadros, celas e até ferragens com as quais, na época da escravatura, os fazendeiros prendiam os escravos. Assim, encontram-se amontoados a um canto do porão, correntes, pesos e algemas, documentos vivos de uma época da história. Esse material talvez permitisse a organização de uma “Sala da Abolição”, por exemplo.

Ainda no porão do Museu, onde a reportagem penetrou sem ser pressentida, vêem-se ferragens antigas ali depositadas sem o menor cuidado

IRREGULARIDADES

Embora muita gente o ignore, o edificio do Museu do Ipiranga não é dotado de luz elétrica! Os funcionarios, geralmente, são obrigados a deixar o serviço pouco depois das 16 horas, quando o dia começa a escurecer, pois, dada a falta de luz, o trabalho se torna impossivel.

Para clarear parte do edificio, existem varias claraboias. A principal, colocada bem ao centro do prédio, sobre uma escada de mármore – autêntico mármore de Carrara o mais fino em matéria de mármores – está completamente quebrada. Quando chove, o alvo mármore fica completamente alagado e os funcionários penam para retirar dele a ferrugem desprendida do teto estragado.

Esta é a claraboia central do edifício do Museu do Ipiranga, que não é dotado de energia elétrica. Está com os vidros quebrados, por onde penetra chuva, que vai manchar a alva escada de autêntico mármore de Carrara

Durante a administração anterior, foram construidos varios reservados sanitarios para uso dos visitantes. Atualmente, esses aparelhos sanitarios, embora em bom estado, foram interditados inexplicavelmente, causando, não raro, embaraços a muitas pessoas, especialmente crianças, que visitam o Museu.

PROVIDENCIAS

Do conjunto, ressalta que é deploravel a situação do Museu do Ipiranga, ponto dos mais importantes para a visita do turista, em 1954. Se providencias adequadas não forem tomadas em tempo, ali estará uma fonte de comentarios desairosos sobre a nossa capacidade de avaliar nossas obras históricas.

O Museu do Ipiranga não está em condições de ser visitado agora, quanto mais em 1954, a continuar nesse estado. Aliás, o próprio govêrno, segundo parece, já se apercebeu da situação.

Diário da Noite, São Paulo, 3 de dezembro de 1951.

*A grafia original foi mantida em sua integralidade preservando as regras ortográficas vigentes à época.

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