A morte do carvalho do largo do Palacio (1929)

Succumbiu ao martyrio lento a que o submetteu o prefeito Pires do Rio ‒ Desappareceu, assim, um vegetal contemporaneo do velho São Paulo

Já não existe mais o velho carvalho do largo do Palacio. O machado da Prefeitura Municipal, empenhada cada vez mais em aformosear a cidade, remodelando tudo sob o criterio lunar do sr. Pires do Rio, deu afinal cabo da arvore vetusta, que ali no historico planalto nos falava de um outro S. Paulo, bem diferente do S. Paulo de hoje.

O bello e venerando vegetal, que era conhecido por “carvalho da Republica”, dava ao tranquillo recanto da cidade em que Anchieta ergueu o collegio dos Jesuitas, um ar mais tranquillo ainda, arredondando sobre o asphalto um circulo de sombra acolhedor e refrigerante…

Mas a administração do municipio, que admitte por ahi verdadeiros monstrengos urbanos, achou que o antigo carvalho era inconveniente e indesejavel ás leis do transito, pois que se levantava quasi ao centro da extincta via publica, que se chamou Travessa da Fundição…

Mas antes de destruir a arvore do largo do Palacio, o sr. Pires do Rio resolveu submettel-a a um lento martyrio. Isolou-a, com surdos rancores. Matratou-a, com podas irracionaes. Circumdou o tronco numa áreazinha de terra secca, além da qual era só asphalto e parallelepipedo…

Agora, o jardineiro que cuida das plantas rachiticas da esplanada governamental, recebeu ordem de dar o golpe de misericordia no pobre carvalho.

Lá está elle, pois, com os ramos decepados; o tronco escalavrado, na base, rente com o sólo; as raizes á mostra pela excavação recente que lá fizeram. Nada mais resta da arvore imponente, que representava uma verdadeira tradição paulistana. O que lá está, neste momento, desafiando a curiosidade dos transeuntes, é uma triste reminiscencia vegetal. Sem cópa, parece sem cabeça. E continúa de pé. Imaginem o que seria um homem sem cabeça, tentando dizer qualquer cousa aos que passam…

“CARVALHO DA REPUBLICA”

Sempre ouvimos dizer que a velha arvore era o “carvalho da Republica”. Da Republica por que? Teria se dado ali, sob a sua fronde amiga, algum acontecimento de vulto que se relacionasse com a Republica brasileira? Ou seria uma designação sugerida apenas pela proximidade nem sempre recommendavel do palacio do governo?

Para pôr tudo isto a limpo resolvemos ouvir qualquer pessôa conhecedora de S. Paulo de outros tempos e estudiosa de nossas cousas. Lembramo-nos do dr. Aureliano leite, advogado e jornalista nesta capital. Telephonamos-lhe, perguntando-lhe o motivo do nome popular “carvalho da Republica”, dado ao vegetal do largo do Palacio.

‒ Aquella arvore deve ser mais antiga que a Republica ‒ respondeu-nos o dr. Aureliano Leite. Lembra-me que em 1900 ella já era adulta, e o carvalho em 10 annos ‒ que era o quanto contava então a Republica, ‒ não attinge áquellas proporções. Eu, quando garoto, catei ao pé della muita bolóta, que ella então já produzia sem usura… Mas isto é pouco. Vou colher mais alguma informação a este respeito e o que houver lhe transmittirei com muita satisfação.

1908 (data do carimbo), sem editor. Fonte Delcampe
Cascata do Palácio, 1908 (data do carimbo), sem editor. Extraído de site de leilões.

O HISTORICO DA VELHA ARVORE

De facto, dahi a momentos o dr. Aureliano Leite nos convidava a uma visita á sua residencia, onde nos relataria o que tinha colhido com referencia ao extinto carvalho. Recebeu-nos com deferencia e nos disse:
‒ Para completar o que eu sabia a proposito da arvore do largo do Palacio me communiquei com o dr. Affonso de Freitas, que é, sem contestação, das maiores autoridades em historia paulistana. Trocando impressões, reavivando factos, chegámos á conclusão de que o nome de “carvalho da Republica”, dado ao mais bello especime vegetal do planalto em que assenta o palacio do governo de S. Paulo é uma criação fantasiosa. Elle foi mandado plantar pelo conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, quando presidente da provincia. Era contemporaneo da fonte que alie existe ou existia e do remodelamento do palacio e dos jardins da cidade.

Por esse tempo, apreciavam-se as plantas exoticas e só a esse criterio obedeceu o plantio de carvalhos, plátanos, etc., em S. Paulo, em detrimento de nossas arvores, como a quaresmeira, o ipê, o pau Brasil, e outras arvores, hoje grandemente aproveitadas.

O “assassinio” do velho carvalho ‒ proseguiu o dr. Aureliano Leite ‒ não resta duvida que foi uma injustiça e um acto de inconsciencia. Ele vinha de 86. Veiu de Portugal, mas se “naturalizou” paulista. Assistiu á evolução da nossa capital na sua fase decisiva. Numa cidade como esta, cuja transformação de aldeia provinciana para o centro cosmopolita que é hoje, foi processada fulminantemente, se devia conservar com maiores razões tudo o que diga do S. Paulo que desappareceu.

Creio que não vae nisto nem um pouco de sentimentalismo, mas uma noção muito pratica da necessidade de se conhecer o que fomos para maior certeza do que seremos… Ha raridades que devem entrar para o nosso patrimonio historico, a augmentar o cabedal dos nossos conhecimentos. A destruição da velha igreja dos jesuitas, por exemplo, que deu lugar á actual secretaria do Interior, não foi obra nem de intelligencia nem de patriotismo. Apesar de todos os argumentos em contrario, estou convicto de que haveria sempre modos de conserval-a como reliquia do passado piratiningano.

OUTROS VEGETAIS ANTIGOS DO LARGO DO PALACIO

Continuando na sua exposição observou o dr. Aureliano Leite: ‒ O carvalho que desappareceu não era o unico vegetal historico do largo do palacio. Nos fundos deste existia, e ainda restam tres exemplares, ‒ um renque de casuarinas mandadas plantar pelo então presidente da provincia, dr. Nabuco de Araujo, em 1853.

Já houve quem attribuisse o plantio da mais velha dellas ao padre José de Anchieta!

“CARVALHO DA MONARCHIA”

‒ Voltando ao carvalho ‒ disse o dr. Aureliano ‒ elle poderia ter sido chamado “Carvalho da Monarchia”, porque della foi contemporaneo e contemporaneo de S. Paulo velho.

De qualquer modo, sua abatida foi impiedosa.

Foram estas declarações do dr. Aureliano Leite, que se mostrou muito interessado pelo assumpto que nos approximou de sua pessoa.

Agora, sabendo da existencia das casuarinas de Nabuco de Araujo, o dr. Pires do Rio, por uma questão de coherencia, deve mandar abatel-as tambem.

Diário Nacional, 2 de janeiro de 1929.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original foi mantida em sua integralidade.

Calçamento da Capital (1937)

Nunca, como agora, a cidade de S. Paulo andou mais esburacada.

Raras são as ruas e avenidas onde não se encontra um enorme buraco para a construcção de galerias para aguas pluviaes, para passagem de cabos telephonicos ou para remoção do antigo calçamento, que deve ser substituido pelo moderno asphalto.

Acompanhamos com attenção e bôa vontade a obra de embellezamento da cidade. S. Paulo era uma cidade de aspecto feio e triste. As obras para substituição do velho calçamento de parallelepipedos pelo asphalto, são, pois, dignas dos maiores encomios. Com duas coisas, entretanto, não estamos de accôrdo. A primeira dellas é a falta de criterio da Prefeitura, que abre innumeras ruas ao mesmo tempo, revolvendo o revestimento, sem ter material e mão de obra sufficiente para atacar varios serviçoes ao mesmo tempo. Seria muito mais acertado começar uma rua por vez e, terminado o serviço nessa via publica, dar, então inicio a outra.

Os prejuizos decorrentes dos serviços de concertos em certas ruas são incalculaveis. São os commerciantes que se prejudicam. São os particulares que ficam sem acesso facil ás suas residencias, até para si, quanto mais para os seus vehiculos. Um exemplo frisante disso é o que está acontecendo, actualmente, com a avenida Rangel Pestana. Ha mais de um anno que essa importante arteria está intransitavel, o commercio paralysado e os particulares fazendo acrobacias para attingir suas residencias. E com essa rua nesse Estado, a Prefeitura abre a avenida São João e tambem a transforma em montanha russa.

av sao joao bjduarte 1937
Avenida São João. Autor: B. J. Duarte, 1937.

A segunda objecção que fazemos é referente á falta de conservação das ruas já calçadas de novo, e das de antigo revestimento. A rua da Consolação, por exemplo, ha bem pouco asphaltada, já ostenta innumeros buracos, feitos para ligação de canos d’agua. As valletas ficam ali durante mezes e mezes, e quando a conserva chega, já encontra uma grande parte do calçamento abalado.

Junto dos trilhos de bondes deveria haver um serviço permanente de reparação. As aguas pluviaes que se infiltram pelas frestas deixadas ao longo dos trilhos vão fazendo ceder o terreno e, em pequeno prazo, está a linha cheia de depressões e saliencias, onde esse vehiculo sacóde, horrivelmente, fazendo saltar uma larga área de revestimento.

No Rio de Janeiro, ha varios caminhões da Prefeitura que transportam turmas de conserva e material necessario, correndo sempre a cidade. Qualquer anormalidade encontrada é logo reparada, ficando o serviço muito mais rendoso e barato. É assim tambem, em Nova York, em Buenos Aires e outras grandes metropoles.

Calçar ruas inteiras, fazendo um trabalho carissimo, para depois abandonal-as, é pôr dinheiro fóra. Cuide mais a Prefeitura da conservação do calçamento e não comece obra nova nenhuma emquanto não terminar as iniciadas, são os votos que fazemos e, por certo, os de toda a população paulista.

Correio Paulistano, São Paulo, 29 de dezembro de 1937.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

*A grafia original do texto foi mantida.

O nome Carlos (1908)

Fala o Jornal do Brasil em pessoas que tudo vêm e procuram coincidencias. Uma dessas pessoas affirmou que a maioria dos reis que no mundo tem usado o nome de Carlos, acabou tragicamente.

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Rei D. Carlos I, de Portugal, preparando-se para um tiro aos pombos.

Folheando ás pressas um Diccionario de Historia, constatamos a veracidade dessa informação e, a titulo de curiosidade, citamos os nomes desses monarchas e dos seus infortunios:

Carlos I, cognominado o bom, rei da Dinamarca foi assassinado em 1127, na egreja Bruges.

Carlos II, o calvo, foi envenenado pelo seu medico Sedecias, em 337.

Carlos III, o simples, morreu encerrado em uma prisão no castello de Perona, em 929.

Carlos VII, o victorioso, temendo ser envenenado por seus filhos, deixou-se morrer de fome, em 1416.

Carlus IX, morreu demente, roido pelos remorsos.

Carlos de França, falleceu preso na torre de Orleans , em 993.

Carlos III, o gordo, morreu desthronado e no abandono universal, em 838.

Carlos V, veiu a fallecer abandonado no mosteiro de S. Justo, na Extremadura Espanhola, em 1558.

Carlos I, da Inglaterra, foi executado na praça publica, deante do palacio de White-Hall, em 1649.

Carlos VII, da Suecia, foi assassinado em 1167 por Canuto Erickson.

Carlos VIII, da Suecia, foi morto, em 1718, deante da fortaleza de Friederieshald.

Carlos IV, da Hespanha, morreu em Roma em 1811, depois de ter sido obrigado a abdicar.

Carlos III, de Napoles e das Duas Cecilias, morreu assassinado por ordem da rainha da Hungria, em 1386.

Provado está, portanto, ter havido 13 reis Carlos mortos violentamente como o magnanimo D. Carlos I, de Portugal, que brasileiros e portuguezes sabiam querer e amar!

Vida Paulista, São Paulo, 1908, Edição 107.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira