Caos no Cine Bom Retiro

DURANTE UM ESPECTACULO GRATUITO O POVO TENTOU INVADIR O CINE BOM RETIRO

VERIFICARAM-SE ATROPELOS E CORRERIAS NA PORTA DO CINEMA

Ante-hontem, durante a exhibição do filme “Loucuras de um beijo”, no Cine-Theatro Bom Retiro, á rua José Paulino, queimou-se um dynamo, tendo havido interrupção do espectaculo.

Capturar

Como era natural, surgiram protestos dos espectadores, que chegaram a damnificar poltronas e cartazes. A empresa do cinema, procurando acalmal-os prometteu que hontem o filme seria exhibido gratuitamente, podendo os que se encontravam no theatro retirar as respectivas senhas.

Os atropelos, porém, que se verificaram impediram que taes senhas fossem distribuidas. Isso não impediu, entretanto, que a empresa cumprisse o promettido. Hontem, desde ás 16 horas, tiveram inicio sessões gratuitas em que era exhibido o filme da vespera.

Durante o dia, quando senhoras e crianças acorreram ao cinema, nada de anormal se verificou. Á noite, na sessão das 19 horas, é que tiveram lugar os primeiros disturbios. Em frente ao cinema agglomeravam-se perto de tres mil pessoas, de tal sorte que a empresa, na impossibilidade de manter a ordem, appelou para a policia. Para o local partiram, então, varios subdelegados com guardas-civis, soldados de infantaria e cavallaria da Força Publica.

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Cine Theatro Bom Retiro

A ordem foi restabelecida, formando-se cordões para a entrada dos espectadores até o limite da lotação do cinema. Mas, quando a empresa affixou um cartaz avisando que ás 22 horas se realizaria a ultima sessão, nova agitação se verificou.

Os que se sentiam prejudicados tentaram invadir o cinema obrigando á policia a usar de meios violentos. Varios excessos foram então praticados de parte a parte. Os policiaes, de espadim em punho, investiram, contra os que discuidadamente se collocavam fóra das filas organizadas pela autoridade.

O espectaculo que se desenrolava na rua José Paulino foi, para muitos dos que ali se agglomeraram, o unico que presenciaram…

Diario Nacional, São Paulo 12 de agosto de 1931
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

O Jiu-jitsu de Géo Omori

Constituiu acontecimento de singular expressão para quasi todo o país o estranho caso ocorrido com o atleta japonês Géo Omori, que se celebrizou em “rings” brasileiros como bravo lutador de “jiu-jitsu”. Acometido, subitamente, de impressionante, enfermidade, que o deixou prostrado, cego, surdo, mudo e louco, sobre o leito de um manicomio, esteve quasi sete dias sem fazer o menor movimento, em angustiante imobilidade, sem embargo dos desesperados recursos da ciencia para fazê-lo voltar á razão.
E mais impressionante se fazia a molestia por ser até agora de origem desconhecida, conquanto prevaleça até hoje a primeira hipotese formulada, de que o mal sobreviera a dificuldades financeiras, grandes, que atormentavam o espirito do “fighter”.

TRESENTOS CONTOS QUE SE DESBARATAM

Realmente, quem conhece a vida passada de Omori, desde que chegou ao Brasil, pode avaliar a triste situação em que ele hoje se encontra, vivendo apenas do dinheiro que lhe advem do emprego de zelador do aquario da Feira Permanente de Amostrar de Belo Horizonte. Omori, ao deixar sua partia, o Japão, dirigiu-se aos Estados Unidos. Já era então um grande campeão, detentor da “faixa preta”, que no Imperio do Sol Nascente classifica o lutador que jámais foi vencido em combate. Ia disposto a fazer fortuna. E fê-la.

Na temporada que realizou na terra dos dollars, propícia a toda sorte de lutadores, conseguiu juntar bastante dinheiro, a ponto de dispôr de mais de tresentos contos de réis, ao saltar no Rio, para onde então se encaminhara disposto a descansar.

Onde procurava descanso, entretanto, só encontrou trabalho. Decidido a abandonar o violento sport a que dedicara toda a sua vida, resolveu tentar outra sorte de ocupação e foi assim que, de campeão de jiu-jitsu, se transformou em modesto comerciante. Estabeleceu-se em São Paulo, com uma casa de peixes raros e de fantasia. Já em sua patria mostrava predileção por essa especie de negocio, tão conforme, aliás, ao seu temperamento sossegado, um tanto apatico, amigo do silencio.

Foi infeliz. O estabelecimento não lhes correspondeu á expectativa. Deu prejuizo. Pessoas que privavam de sua intimidade por essa época dizem que Omori não demonstrou ser bom negociante. O cliente lhe fazia mais exigencias que Omori a ele. E o japonês acabava por ser convencido, desfazendo-se do que tinha mais para satisfazer aos que procuravam que para ganhar dinheiro. Coração bonissimo, revelava-se incapaz de uma exigencia teimosa, pertinaz.
Por outro lado, o genero de comercio que escolhera era dos mais ingratos. Morriam-lhe os delicados peixinhos ás duzias. Faliu por fim.

NO RIO

Um dia Omori apareceu no Rio. O jiu-jitsu era praticamente desconhecido entre nós. O campeão não quis aproveitar a excelente oportunidade logo. Antes de nada, cuidou de sua velha paixão. Estabeleceu-se com os peixinhos, no antigo edificio de “O País”, na avenida Rio Branco. A “guigne” o perseguia. Os maus negocios continuaram. E novamente Géo Omori faliu, com prejuizos ainda maiores e mais graves.

Novamente foi para São Paulo e novamente se estabeleceu. Era já uma mania. Reconhecia ser o ambiente ingrato. Poucas pessoas visitavam seu estabelecimento, e assim mesmo querendo levar por preço baixo as preciosidades que Omori colecionava com verdadeira paixão. Os tresentos contos se desbaratavam, iam pouco e pouco desaparecendo. Um dia chegou a penuria, a triste penuria do campeão. para não passar por privações, voltou ao sport, aceitando o convite que lhe fazia a administração do Circo Irmão Juliriolo.

RESSURGE O LUTADOR!

O aparecimento de Omori em “rings” brasileiros foi um acontecimento de extraordinaria expressão sportiva. Modalidade de sport quasi ainda sem cultores no país ‒ existiam apenas os irmãos Gracie ‒ conquistou a simpatia, o entusiasmo popular. As primeiras exibições de Omori o consagraram.
Longo tempo de retraimento, de ausencia dos “rings” não tinham arrefecido o vigor do campeão. Era ainda o bravo, o inconfundivel Omori, o homem da “faixa preta”.

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Os cronistas esportivos dedicaram-lhe longas colunas de noticiario, glosando a excelencia de seus conhecimentos tecnicos. Foi um sucesso. Em São Paulo não se falava de outro “sportsman”. Decoraram-lhe o nome até as crianças, embevecidas diante daquelas quédas espetaculares, emocionante, do campeão.
No Rio os irmãos Gracie introduziram a novidade do jiu-jitsu. Omori foi convocado a participar da temporada que se inaugurava. Veiu, venceu e consagrou-se. A fortuna sorriria-lhe novamente. Mas…

Enquanto lutava, só tinha uma preocupação: o comercio dos peixinhos. Assim que pôde, começou a examinar as possibilidades de reabrir o estabelecimento. Em São Paulo, com os quatros contos que lhe pagava o circo, tinha prosseguido nos negocios, perdendo sempre. Lutador de fibra, achou, porém, que ainda devia insistir. E foi assim que surgiu novamente o comerciante Omori. Sua casa, na rua Gonçalves Dias, tornou-se o ponto de atração dos “sportsmen” e cronistas. Falava-se ali mais de jiu-jitsu que de peixes…

Vieram patricios de Omori, tambem lutadores de jiu-jitsu, atraidos pelo sucesso que ele alcançava. E os “rings” cariocas vibraram ao rumor daqueles “matches” emocionantes. O sport niponico empolgou a cidade. Os irmãos Gracie abriram uma academia, na rua Marquês de Abrantes. Não se falava de outra coisa. E até o malandro do morro ia deixando o “rabo de arraia” ao abandono, desprezando a “rasteira” secular e legitimamente brasileira, para tentar aprender “tesouras”, “chaves de braço”, “gravatas”, etc.

A velha tapona, incisiva, contundente, humilhante, cedeu logar á aristocratica chave de braço, á discreta pancadinha sobre os rins, que ninguem se pejava de conhecer, mesmo nos salões elegantes.
Parlamentares austeros, sizudos, iam ás escondidas presenciar o espetaculo. E até um sacerdote, não menos digno que os mais, que conciliava os interesses da Igreja com os da Politica, se permitiu a liberdade de anunciar publicamente que iria aprender o “jiu-jitsu”, afim de resolver quaisquer embaraços que porventura surgissem no harmonioso ritmo de sua carreira pela Camara dos Deputados…

GLORIA

Omori, Gracie, Miaki, Iano e tantos outros constituiram então a pleiade maravilhosa. Ditadores da simpatia publica, viam seus nomes enchendo paginas dos jornais e a boca do povo. Em qualquer rincão da cidade que se citasse um desses nomes todos o conheciam. E o primeiro, principalmente, se cercava de uma verdadeira aureola.
Mas… a casa dos peixinhos continuava. Ponto de atração dos lutadores niponicos, lá ia como barquinho de papel pela vida fóra.

Muitas vezes os jornalistas surpreendiam por detrás do balcão um rosto feminino, sempre sorridente. Não dizia uma palavra em português, mas sorria tão á brasileira que todos a compreendiam.
Cetuko, a esposa de Omori. Meiga, carinhosa, não abandonava jamais o companheiro. Quando Géo tinha negocios a resolver fóra, lutas a combinar, ela alí permanecia, vigilante, sorrindo apenas para os que chegavam e saiam.

Géo se considerava feliz. A tempestade lhe levara tudo ‒ mas a vida não estava alí, á sua frente, ainda risonha? Lutaria, procuraria conseguir a prosperidade passada. Forças não lhe faltariam.
Para cumulo de contentamento, dois olhinhos de amendoas num rosto palido e mimoso vieram encher o lar do lutador ‒ Kimika, florzinha graciosa que brotara daquele amor tão constante.

OCASO

Não ha gloria sem ocaso. O de Omori veiu por fim. Teve de passar o negocio adiante. As lutas escassearam. A idade pesava-lhe e outros concorrentes apareciam na liça, a disputar-lhe a popularidade. Raro em raro, o nome vinha nos jornais. Era a “debacle”.

NOS ESTADOS

O tempo correu, fazendo crescer as dificuldades. Desesperançado de reconquistar a boa situação passada, Omori resolveu sair do Rio. Foi para os Estados, realizar lutas avulsas. E assim se encontrava agora em Belo Horizonte, quando o colheu a fatalidade.

LOUCO, CEGO, SURDO E MUDO!

Na capital mineira deram-lhe o emprego de zelador do aquario da Feira de Amostras Permanente, com 1:400$000 mensais. Era ainda a velha paixão ‒ de que nunca pôde livrar-se. Para um outro qualquer, o ordenado satisfaria. Mas para Omori, era uma tortura. Apagado, sentia estiolar-se naquela vida pacata e pouco rendosa. Não lutava quasi e, lembrando-se da esposa que ficara no Rio, a tristeza aumentava-lhe, tomava-lhe todo o coração.

Morava com um companheiro dos tempos aureos. Mossoró, “sportsman” português, que se afeiçoara intensamente ao antigo campeão. Era o unico confidente daquela magua, que, entretanto, pouco transparecia. Na infelicidade, Omori conservava a reserva de sempre. Sorria ainda, mas, quem lhe pudesse ver a alma, se assombaria com o esforço de que resultava aquele sorriso.

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Um dia, ao recolher-se, Mossoró passou pela Feira de Amostras. Preocupado com a tristeza do amigo, queria vê-lo acompanhá-lo á pensão em que residiam. Não o viu no logar costumeiro. Procurou e foi então encontrá-lo estirado, inerte, sobre um banco.
Inquietou-se. Chamou pelos outros empregados da Feira e soube que havia mais de seis horas o campeão se achava alí deitado, sem um movimento siquer. Sacudiram-no. Não se mexeu. Falaram-lhe. Não respondeu. Puseram-no de pé. Ia caindo, se o não amparam.
Angustiado, Mossoró pegou Omori ao ombro e saiu a correr com ele até á pensão. E chamou imediatamente medicos, que fossem soccorrer os companheiros.

NO MANICOMIO

Os proprios medicos se impressionaram com o que se passava. Omori estava louco, cego, surgo e mudo! Por que? Aplicaram-lhe injeções, deram-lhe massagens, inutilmente. A imobilidade, pavorosa, persistia.
Não havia outro recurso sinão remover incontinenti o lutador para um hospital, o Instituto Raul Soares. O diretor, Dr. Galba Moss Veloso, julgou o caso singularissimo. A que se devia? A libação alcoolica? A demasiado esforço no “ginr”? A desgostos profundos?

CETUKO E KIMIKA

Cetuko e Kimika, avisadas do doloroso fato, foram correndo a Belo Horizonte. Nada puderam fazer. As lagrimas da esposa de nada valeram para o lutador adormecido. Não ouviu as meigas palavras, sussurradas, em angustia, aos seus ouvidos.
Foi Cetuko quem esclareceu aos medicos a causa do mal de Omori. Atribuia-o mesmo ás dificuldades financeiras. E, por intermedio de Iano, o lutador niponico que tambem estava á cabeceira do enfermo, revelou que ha muito notara aquele acabrunhamento no companheiro, cada vez mais intenso. Omori não se conformava com a situação que o destino lhe reservara. Depois de ter tanto dinheiro, a salvo de quaisquer privações, via-se reduzido a viver do proprio ordenado, a cortar as despesas com a familia. E então, o cerebro o traiu, fazendo-o tombar imovel, cego, surgo, mudo e louco.

A MORTE

Omori, o formidavel lutador, o homem de musculos elasticos e possantes, que derrubara centenas de mestres na sua arte, cujo coração resistira aos mais tremendos embates, jazia no leito, abatido, destroçado. Era uma grande criança inerme, sem vontade definida e, ademais, desprovido de seus mais preciosos atributos físicos. Os medicos tudo fizeram para salvá-lo. Assistiram-no desveladamente, com empenho especialissimo, tanto mais que não puderam caracterizar com segurança rigorosa, sua molestia.

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Então, veiu o fim. Omori, aos 40 anos de idade, morreu, deixando viuva e a filhinha orfã. Omori, invencivel campeão, perdeu em luta com uma molestia fulminante, arrasadora. Venceu-o a morte por golpe inapelavel.
Honra a Géo Omori, lutador leal, perfeito cavalheiro, bom esposo e otimo pai.

A Noite – Ilustrada, 1938.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

 

 

S. Paulo, 1905

[…] Não lhes poderia falar de outra coisa, vindo de S. Paulo, depois de oito annos de ausencia, sinão dessa cidade maravilhosa. Ha vinte annos, eu passei algumas semanas em S. Paulo: era então uma cidade, por assim dizer, academica.

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Ladeira do Palácio, s.a., 1862 [?]. Fonte: Acervo Biblioteca Mario de Andrade
A Faculdade de Direito enchia-a toda. Havia o que se convencionou chamar um meio intellectual: sentia-se por toda a parte a tradição de Alvares de Azevedo, de Varella e dos outros grandes poetas, sentia-se ainda a influencia mais recente de Affonso Celso, de Assis Brasil, de Dias da Rocha; e eram ainda da vespera os Murat, Pompéa e outros cujos nomes os meus leitores encontrarão na lista dos membros da Academia. A politica interessava tambem intensamente. A propaganda republicana, que não valia aqui dois caracóes, tomara alli um grande incremento.

[…] Mas fóra desse terreno intellectual, S. Paulo pouco vali: materialmente, não era mais que uma modestissima cidade provinciana…

Lá voltei, muitos annos depois. O café tinha transformado tudo. Não era mais aquelle meio acanhado e singelo em que os estudantes predominavam. Bairros novos surgiam e á beira das ruas elevavam-se palacios opulentissimos: as fortunas feitas na lavoura refluiam para a cidade e a cidade deixava as suas vestes do tempo da mediania pelos trajes luxuosissimos da riqueza abundante. Mas si se via que os individuos esforçavam-se para construir residencias magnificas, não se podia com razão dizer que o aspecto propriamente da cidade, as suas ruas, as suas praças, os seus logradouros acompanhassem essa transformação. Tinha-se, é certo, inaugurado a Avenida Paulista; mas era a unica e ainda estava muito escassamente modificada.

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Rua João Alfredo, s.a., 1907. Fonte: Acervo Biblioteca Mario de Andrade

Acabo agora de vêl-a: e sahindo daquelle centro onde está o Grande Hotel, não reconheci S. Paulo e tinha todos os motivos para isso, a começar por este muito simples e muito poderoso de que nunca tinha visto aquella S. Paulo, que é inteiramente nova e foi feita nestes ultimos annos. Dois factores concorreram poderosamente para isso, sem contar, já se deixa vêr, o primeiro de todos, que é o genio audacioso e decidido dos paulistas, que são ainda hoje da mesma tempera dos bandeirantes que descobriram quasi todos estes Brasis: a Light Power e o dr. Antonio Prado. Aquella supprimiu as distancias ‒ ah! supprimiu-as, de modo que o carioca resignado aos nossos bondes ronceiros, não pôde ter a menor ideia: creou assim os bairros novos, extendeu a cidade, levou as edificações aos extremos; este é o typo do administrador municipal, preoccupado com o embellezamento da cidade, com o conforto da população, espirito aberto a todo o progresso, attento aos direitos do povo, obediente á lei.

S. Paulo é hoje, graças a isso uma cidade européa, uma pequena reducção de Paris. Eu tenho grande difficuldade em reter nomes de ruas das cidades que percorro a vol d’oiseau; mas sempre direito que tive essa sensação pelo menos duas vezes: numa avenida que me lembrou a dos Campos Elyseos e numa praça cuja illuminação me fez pensar na da Concordia.

E creio que, isso dizendo, synthetiso bem a impressão que trago de S. Paulo… ‒ PANGLOSS

O Paiz, São Paulo, 3 de Abril de 1905.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Urbanismo em São Paulo: Zoning

QUEM CONSTRÓE A SUA RESIDENCIA NÃO SABE QUE ESPECIE DE VIZINHOS TERÁ

E A VIZINHANÇA INCOMMODA PÓDE ROUBAR-LHE O AR, A LUZ, O VALOR DO EDIFICIO…

A legislação do “zoning” na cidade organizada

zoning

O livro do dr. Luiz Anhaia sobre urbanismo, de que hontem demos noticia, traz interessantes soluções ao problema de organização das cidades, de que até agora temos prescindido. Entre essas soluções, uma das que merecem maior attenção do legislador moderno é a da legislação do “zoning”, que é, numa cidade organizada, “Um padrão differencial, uma regulamentação que divide a cidade em districtos, impondo, sobre a propriedade privada de cada um desses disctrictos, restricções uniformes mas variaveis de um para outro”.

Diz o distincto urbanista em seu valioso estudo: “Em cidades onde não ha “zoning”, o cidadão que, á custa de sacrificios, muitas vezes, edifica a sua residencia, não sabe qual será o seu vizinho, se outra residencia como a sua, que não a desvalorize portanto, ou uma garage barulhenta, um armazem, um predio altissimo de apartamentos, por exemplo, com um muro de oitão de divisa, que roube de seu modesto lar a luz, o ar, o valor.”

é um aspecto facilmente encontradiço, em nossa cidade, esse da desordem de distribuição dos edificios e da irregularidade das construcções. Predios ha de nove, dez andares, ao lado de casas escarrapachadas ao rez do chão. Innumeros males, constituindo outros tantos problemas insoluveis para o legislador desavisado, surgem, prejudiciaes á collectividade pelo lado da hygiene, pelo lado da circulação, pelo lado da esthetica, etc. A politica do “zoning”, hoje victoriosa nos Estados Unidos, onde 70% da população urbana vivem protegidos pelas suas medidas, precisa ser diffundida aqui, e ser tomada em consideração para que os nossos problemas citadinos tenham solução inteligente efficaz.

Já que actualmente se cogita da organização de um plano para a cidade, plano de conjuncto, que deve abranger todos os problemas urbanos, não será mau que se vá preparando a opinião publica, em certos pontos intolerante, para que receba a intervenção do Estado na propriedade como coisa necessaria ao bem estar collectivo, ao desenvolvimento racional da cidade, á expansão da urbs moderna com todos os seus numerosos importantes problemas. E como a discussão dos problemas que o “zoning” irá resolver não é prematura nos dias que correm.

São as seguintes as vantagens do “zoning” resumidas pelo notavel urbanista norte-americano Morris Knowles, citado pelo dr. Luiz Anhaia:

1) ‒ Estimula um desenvolvimento urbano prospero e bem organizado;

2) ‒ Torna possivel um programa pratico de traçado e desenvolvimento do systema de vias de communicação e de todos os serviços collectivos, porque determina com antecedencia o uso e as necessidades dos districtos;

3) ‒ Impede a mudança rapida e prematura do caracter desses districtos;

4) ‒ Impede a intromissão de edificios improprios ou de usos improprios de edificios naquellas situações em que seriam prejudiciaes;

5) ‒ Estabiliza e protege valores e capitaes determinando de antemão o caracter das propriedades;

6) ‒ Simplifica e resolve o problema da circulação, regulando altura e volume dos edificios e portanto o congestionamento das ruas;

7) ‒ Assegura afinal melhores condições de hygiene e esthetica para o bem geral.

Diário Nacional, São Paulo, 11 de junho de 1929

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Pinheiros – Uma interessante história Paulista

Por muito tempo se suppoz que o proverbio “Aquelle anda em busca do ouro dos Pinheiros” tinha origem na tradicional povoação. Um manuscripto em latim, achado no concento de S. Bento, do Rio de Janeiro, esclareceu as origens do vago proverbio.
E assim se veio a apurar o seguinte:

Nos primeiros annos da fundação de S. Paulo havia duas familias igualmente poderosas ‒ os Ramalhos e os Pinheiros. Ambas andavam empenhadas em continuas lutas. E as cousas tinham tomado tal feição, que nenhuma pessoa dos dois partidos se atrevia, mesmo em pleno dia, a andar só. Ambas as familias disputavam a hegemonia. E em 1553 a preponderancia pertencia, de facto, aos Ramalhos, cujo primogenito, descendente directo do velho João Ramalho, era alcaide mór da Villa de Sto. André. O primogenito dos Pinheiros allegava, como direito á preponderancia da sua familia em S. Paulo, haver sido seu pae o primeiro a construir uma casa nos campos do Piratininga em seguida aos jesuitas.

Em vão, os jesuitas procuravam estabelecer a concordia entre as duas familias. Mas uns e outros respondiam, á maneira dos indios: “A arvore do esquecimento não póde crescer em chão regado de sangue”.

E assim as lutas entre os dois partidos proseguiam, continuas e sangrentas. As autoridades civis eram impotentes para manterem a ordem. Uma vez, havendo sido preso em flagrante assassinio um dos Pinheiros e sendo condemnado á forca, os adeptos da sua familia reuniram-se e com armas na mão, libertaram o sentenciado.

Em vão, tambem, o bom bispo soltava, uma atrás de outra, severas excommunhões.

Até que o governador achou um expediente que poz em pratica, por meio de um sacerdote habil, o padre Raphael de Macedo, companheiro de Anchieta. Consistia em facilitar as ambas as familias as expedições pelo sertão da capitania. O padre Raphael falou com os cabeças de ambas as familias. Excitou-lhes a cubiça. E elles deliberaram partir. Os Ramalhos apromptaram 75 homens. Os Pinheiros 80. E ambos os grupos bem armados, se arremessaram pelo sertão em busca de thesouros. Os Ramalhos desceram o Tietê. Os Pinheiros, seguiram por via terrestre, em direcção a Minas Gerais.

E a população de S. Paulo respirou, finalmente. Era o socego. era a ordem. Iam agora viver, pelo menos, alguns mezes em descanço.

Por muito tempo não se ouviu falar dos expedicionarios. Varias lendas começaram a correr. Diziam que tinham morrido ás mãos dos indios. Affirmavam que tinham ficado num paiz encantado. E os expedicionarios deram thema a diversas historias interessantes.

Assim se passaram tres annos, quando um dia, uma canoa abordou perto da serra de Mantiqueira, trazendo dentro de um homem de pelle bronzeada que pareceia um indio. Mas, pelos trapos que trazia, reconheceu-se tratar-se de um europeu. E logo o acontecimento se propalou por S. Paulo inteiro. No dia seguinte, o homem entrava em S. Paulo. Era José Maciel Cabral, pertencente á familia Pinheiros, que appareceu na praça publica rodeado dos seus partidarios.

Os Ramalhos tambem compareceram e exigiram explicações. Os Pinheiros, rodeando o seu chefe, recusaram-lhas. mesmo, estas eram bem lugubres, no dizer do sobrevivente. Todos haviam morrido atacados de doença e feridos pelos indios. Elle sobrevivera e sabia da existencia de minas de ouro como nunca se ouvira falar no Brasil.

Os Ramalhos berravam. Queriam que tudo fosse explicado. Os Pinheiros recusaram-se. E travou-se uma luta feroz entre ambos os partidos, sendo gravemente ferido o expedicionario sobrevivente, que mal podia andar.

O velho Pinheiros, com a espada traçando circulos de aço, combatendo sempre, em vão lhe pedia detalhes. O morimbundo não podia falar. E não os deu, porque morreu. Então, furioso, o Pinheiros precipitou-se de espada em punho sobre os adversarios. Uma estocada no coração prostrou-o. Sem chefe os Pinheiros, a luta terminou. Cada familia levou comsigo os feridos. Na manhã seguinte fizeram-se os funeraes. O segredo perdera-se. E os Pinheiros, em chefe, acabaram por perder a sua influencia, retirando-se de S. Paulo para Taubaté.

E assim terminou a velha luta das duas familias mais poderosas de S. Paulo antigo, dando origem ao proverbio.

Talvez dessa familia venha o nome do rio e aldea, porque em Pinheiros, no dizer de todos, nunca existiram pinheiros, existe um facto que comprove esse nome.

Diário Nacional, São Paulo, 19 de abril de 1929.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

O Assassinato de Anita Carrijo

VITIMA DE BARBARO LATROCINIO A CONHECIDA LIDER DIVORCISTA

Anita Carrijo, uma das mulheres mais conhecidas em todo o Brasil pelas suas campanhas em favor do divorcio, foi assassinada, na madrugada de domingo ultimo, em seu apartamento, na rua Braulio Gomes, 131, 1º andar, onde residia há algum tempo e onde mantinha seu consultorio dentario.

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D. Anita Carrijo fotografada, na França.

Filha de José Leite Carrijo, nascida em São Paulo, a cirurgiã-dentista Anita Carrijo era desquitada do sr. Adalberto Carllsen, com quem se casou em 26 de abril de 1935, tendo obtido o desquite em 1949.
Desde então Anita dedicou-se a uma campanha de carater nacional visando obter leis que permitissem o divorcio no Brasil, tendo, nesse sentido, feito dezenas de conferencias em varias capitais e cidades do pais, fato que a tornou conhecida em todas as camadas sociais.

Mulher de vida mais ou menos agitada, escritora e conferencista, dedicava-se a sua profissão, de cirurgiã-dentista, tendo boa e selecionada clientela.
Anita Carrijo foi encontrada morta, na manhã de ontem (segunda-feira), no interior de seu apartamento, revestindo-se o crime de misterio.

O ALARMA

Na manhã de ontem, por volta das 9,30 horas, como era do seu habito, d. Irma Sargentelle, enfermeira, residente na rua 13 de Maio, 166, que vinha trabalhando como auxiliar de d. Anita há pouco mais de três meses, como possuisse a chave de entrada do apartamento onde a dentista residia, ali entrou, dirigindo-se, imediatamente, ao consultorio a fim de fazer a devida limpeza e prepara-lo para os trabalho normais do dia.

Ao entrar naquela dependencia, entretanto, d. Irma percebeu que algo de anormal tinha ocorrido no seu interior, de vez que, sobre o solo, aberta e com papeis espalhados, estava uma bolsa de d. Anita e sobre uma mesinha, encontrava-se uma outra bolsa, maior, tambem com papeis espalhados.

Apanhada de surpresa d. Irma, durante alguns segundos, ficou conjeturando, procurando decifrar o que poderia ter ocorrido ali, durante a noite anterior. Foi quando seus olhos depararam com um lugar vazio, exatamente onde deveria estar o aparelho de diatermia que não se encontrava no seu lugar.
Como a porta do quarto da dentista estivesse fechada por dentro, sem que a chave se encontrasse no lugar, d. Irma procurou olhar para seu interior, vendo, então, que d. Anita estava caida no chão. Não podendo atinar com o que sucedera, d. Irma procurou o sr. Higino Hermitice, zelador do predio, a quem relatou o sucedido.

O CADAVER

Subindo até o apartamento, o guarda-civil, usando a chave da porta interior que dá para o quarto da dentista, entrou no quarto deparando, então com um quadro tetrico. D. Anita Carrijo estava morta, com os braços e as pernas fortemente amarrados às costas, caida em decubito ventral. A cabeça estava inteiramente coberta por panos ensanguentados. Uma das meias, a da perna direita, fôra arriada e suas vestes, vestido, sai e combinação, estavam na altura do ventre.
O quarto encontrava-se inteiramente remexido. Papeis e roupas espalhados pelo assoalho e as gavetas abertas, em completo desalinho.

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Posição em que foi encontrado o corpo da dentista Anita Carrijo

CABELOS DO ASSASSINO NAS MÃOS DA VITIMA

O desarranjo quase total em que se encontravam alguns pequenos moveis do interior do quarto não deixam duvidas de que ela antes de ser morta, lutou com os assassinos, tanto que em sua mão direita, fortemente fechada, foram encontrados fios de cabelos, provavelmente arrancados de um dos assassinos durante a luta de vida e de morte que a infeliz dentista travou com seus algozes.

ESPARADRAPO NA BOCA

Como estivesse coma cabeça inteiramente envolta em pedaços de pano, estes tintos de sangue, ao serem arrancados verificou-se, para espanto geral, que d. Anita Carrijo tinha a boca inteiramente tapada por fortes pedaços de largo esparadrapo. Os pedaços desse adesivo, que foram colocados, uns sobre os outros, iam de orelha a orelha e do queixo até os olhos.
No frontal havia um ferimento provocado por um instrumento corto-contundente, de uns cinco centimetros de comprimento, por menos de meio centimetro de largura e de onde jorrara sangue em abundancia.

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Quatro metros da cordinha que serviu para que os braços e as pernas da vítima fossem amarrados às suas costas.

MORTA POR ASFIXIA MECANICA

O medico Marcio Santa Lucia, horas depois do encontro do cadaver, procedeu à autopsia, concluindo que d. Anita foi morta por asfixia mecanica, isto é, teve sua respiração impedida.

Peritos do Instituto de Policia Tecnica conseguiram varios levantamentos de impressões digitais deixadas quer no quarto da vitima, quer em seu consultorio dentario.

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Depois de assassinar a dentista Anita Carrijo, os assassinos colocaram sobre sua cabeça, como se fôra um capuz, uma saia da vitima encontrada num dos moveis.

CONHECIDO DA VÍTIMA [?]

O autor ou autores do bárbaro homicídio – o crime, em suas características deve ter sido cometido por mais de uma pessoa – não podiam deixar de ser conhecidos da vítima, de acordo com as investigações realizadas pela reportagem.

D. Anita Carrijo, segundo sua própria enfermeira, costumava recolher-se tarde da noite, ficando no leito, quase todos os dias, até 10 ou 11 horas da manhã, quando então era acordada para iniciar seus trabalhos rotineiros.

Todos os dias, quando arrumava as coisas da casa e do consultório, encontrava sobre a mesa da cozinha dois copos e duas xícaras, aqueles com restos de vinho e estas com restos de café.

Irmã Sargentelle

Outras pessoas do prédio, ouvidas pela reportagem adiantaram que d. Anita levava uma vida normal, recebendo em seu apartamento amigos e clientes, com os quais, muitas vezes ficava palestrando até altas horas da madrugada.
As circunstâncias de que se revestiu o crime levam a levantar-se a hipótese de que somente pessoas suas conhecidas poderiam ter entrado no seu apartamento para assassiná-la.
Os autores do homicídio conheciam tão bem o apartamento de d. Anita Carrijo, que não tiveram dúvidas em desligar a força elétrica no lugar onde esta fora ligada, não faz muito tempo, por um eletricista contratado pela vítima, ligação essa que se encontrava escondida por detrás de um móvel existente na sala de espera de sua residência.

E mais ainda: no corredor de entrada do primeiro andar, ao lado direito da escada do prédio, existe a caixa do telefone, onde foram feitas 13 ligações de aparelhos espalhados em todo o prédio. Os assassinos tiveram o cuidado de desligar, no interior dessa caixa, os fios do telefone do apartamento da vítima, que foram facilmente encontrados no emaranhado de outros fios ali existentes. Donde se conclui que os autores do homicídio não só conheciam perfeitamente d. Anita Carrijo, hipótese aceita preliminarmente pelos delegados de Segurança Pessoal, como sabiam onde se encontravam as ligações elétricas e telefônicas, que foram cortadas para evitar qualquer surpresa.

ESTEVE NUMA FESTA DE CASAMENTO

Irma Sargentelle, enfermeira da vítima, esclareceu ao reporter que na tarde de sábado último, por volta das 17 horas, ela e a vítima foram a um casamento, na Igreja de S. José do Belem. Posteriormente, ambas dirigiram-se à casa da mãe da noiva, d. Maria das Dores M. Ferreira, à rua Lucio Miranda, 46, no Ipiranga onde houve uma recepção aos convidados.

Segundo suas declarações, d. Anita Carrijo ficou na festa, enquanto que ela, por volta das 21 horas, se retirou para sua residência.

SAIU SEM SER VISTA

D. Maria das Dores M. Ferreira, ouvida posteriormente pela polícia, esclareceu que realmente a vítima esteve na festa de casamento de sua filha, tendo ficado, durante algum tempo, numa área existente em sua casa e onde se serviam bebidas. Por volta das 23 ou 24 horas é que algumas pessoas deram pela falta da dentista, que saíra da festa, ao que parece, sem despedir-se de quem quer que fosse.

Interrogada sobre se Anita Carrijo deixou sua casa acompanhada, não soube explicar, afirmando que, ao que parece, ninguém que ali se encontrava viu quando ela deixou a festa, tanto que ao darem pela sua ausência, estranharam o fato.

MORTA COM A MESMA ROUPA

Prestando outras informações, Irma Sargentelle esclareceu que a dentista foi encontrada morta, em seu apartamento, trajando as mesmas roupas com que esteve, no sábado ultimo, no casamento da filha de d. Maria das Dores M. Ferreira.

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D. Irma Sargentelle, que deu o primeiro alarma, era a enfermeira da dentista Anita Carrijo. Na foto, quando prestava informações ao reporter do Diario da Noite.

IA PUBLICAR UM LIVRO

Na manhã de ontem, quando os trabalhos de levantamento do local estavam sendo iniciados pelas autoridades policiais da Delegacia de Segurança Pessoal, surgiu, no apartamento da vítima, o argentino Nicassio Manuel Corvalon, que interrogado, alegou ter entregue à d. Anita vários volumes de livros especializados em odontocirurgia e que estava acertando, com ela, a publicação de um livro, também especializado, de sua autoria.

O SEPULTAMENTO

Familiares da vítima informaram que d. Anita Carrijo seria sepultada no dia 13 de maio de 1957, às 14 horas.

CONSTERNAÇÃO

D. Anita Carrijo, que era uma das lideres nacionais do movimento divorcista, tinha largo circulo de amizades, tendo sua morte causado consternação geral entre seus amigos.

Trechos extraídos do Diário da Noite (São Paulo), edição n. 9.906 de 13 de maio de 1957
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

A origem do obelisco do Piques

[…] em face da documentação existente, não pode haver divergencia quanto á origem e significação do monumento do Piques: a pyramide foi erecta para comemorar o zelo ao bem publico demonstrado pelo triumvirato que governou São Paulo entre 21 de agosto de 1813 a 8 dezembro de 1814, composto, na phrase meticulosa de Daniel Muller, de “S. Exc. e Senhorias” d. Matheus de Abreu Ferreira, ouvidor d. Nuno Eugenio de Lossio e intendente de Marinha Miguel José de Oliveira Pinto. Em agosto de 1814 o triumvirato governativo incumbiu o, então tentene coronel Daniel Pedro Muller de construir a chamada “Estrada do Piques” que era o inicio da estrada de Pinheiros, construcção essa que deveria consistir principalmente na captação de uma nascente que do alto do Anhangavahy se espraiava na baixada até a Ponte de Lorena, uma muralha de arrimo e nivelamento da já então chamada ladeira do Piques, hoje rua Quirino de Andrade.

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Fotografia: Paredão do Piques, Ladeira da Consolação e Rua da Palha (Hoje 7 de Abril), Militão Augusto de Azevedo, 1862. Pintura: Piques 1860, Henrique Manzo, 1945.

Não se pode affirmar se a idéa do levantamento do obelisco, do monumento propriamente dito, partiu do governo ou do constructor Muller, pois os documentos divulgados nada esclarecem; – o que é certo é que tanto elle como as demais obras incluidas no triangulo da Memoria foram executadas ás pressas, de atropelo, porquanto, tendo sido concluidas em dezembro de 1814, ainda em fins de outubro do mesmo anno não haviam sido começadas.

Na primitiva construcção, o obelisco emergia de uma meia bacia de cimento, sempre cheia de agua e hoje entupida para servir de piso em redor da grande agulha de granito: da bacia a agua era recolhida por um aqueduto de alvenaria ao reservatorio, situado no vertice do triangulo voltado para o lado do Piques, onde os moradores da redondeza se iam abastecer.

Trecho extraído de palestra realizada por Affonso A. de Freitas na 17ª sessão regimental do Instituto Histórico (IHGSP) de 1919, publicada no Correio Paulistano em 21 de outubro de 1919.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Peru 3 x 0 Chile (1949)

COM NÍTIDA VANTAGEM O PERU SUPLANTOU O CHILE POR 3 A 0

OS PERUANOS ATUARAM DURANTE TODO O PRÉLIO COM ABSOLUTA SUPERIORIDADE TÉCNICA E TERRITORIAL, MERECENDO INTEIRAMENTE A VITÓRIA – GONZALEZ FOI O MELHOR ELEMENTO EM CAMPO – OS MARCADORES – MARIO GARDELLI NA ARBITRAGEM -RENDA DIMINUTA, DE APENAS 17.418,50 CRUZEIROS

Decresceu de tal forma o interesse do publico paulista pelo Sul-Americano de Futebol, que nem a estreia do Peru em São Paulo conseguiu levar ao Pacaembu uma assistencia numerosa. Foi diminuto, numericamente insignificante, o numero de assistentes que ontem à tarde compareceram ao Estadio Municipal, para assistir ao prelio entre peruanos e chilenos.

Os que lá estiveram, entretanto, não sairam descontentes, porque, se os chilenos continuaram a demonstrar que não possuem qualidade, os peruanos conseguiram impressionar favoravelmente. Praticando um futebol vistoso, tecnico, os “incas” dominaram os “andinos” do principio ao fim do prelio, conseguindo brilhante e merecida vitoria, por três tentos a zero. E maior teria sido a contagem, se Livingstone não estivesse num de seus grandes dias, praticando defesas sensacionais, uma atrás das outras.

OS VENCEDORES

Os peruanos alinharam o seguinte conjunto: Ormenio, Fuentes e Da Silva; Heredia, Gonzales (Lavale) e Colunga; Castillo, Drago, Gomes Sanchez, Mosquera e Pedrazza.

O QUADRO DO CHILE

Foi o seguinte o quadro do Chile: Livingstone, Negri (Hormazabal) e Flores; Machuca, Muñoz e Ramos; Riera (Castro), Prieto, Rojas, Cremaschi e H. Lopes (Riera).

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Livingstone, o melhor elemento chileno, e uma das maiores figuras do gramado, praticando sensacional defesa de um chute do centro-medio Gonzales, de longa distancia. Vêem-se ainda, Flores, Ramos e Negri do Chile, e Pedrazza, do Peru.

Livingstone esteve soberbo, no arco. É possivel afirmar, sem receio, que o Chile deve a Livingstone a exiguidade da contagem, pois se não fôra o goleiro, a derrota teria sido muito mais contundente. Os peruanos dominaram do principio ao fim o prelio, e quase sempre arrematavam as suas escaladas, obrigando o eximio guardião a praticar empolgantes defesas.

O ARBITRO

Funcionou na arbitragem Mario Gardelli. Tecnicamente, não teve nenhuma falha importante.

RENDA

A renda foi de Cr$ 17.418,50

Jornal de Notícias, São Paulo, 1 de maio de 1949¹

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹A data do jogo foi 30 de abril de 1949.
²O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

 

Tiros no Cine Meia-Noite

Uma senhora, após disparar varios tiros num cinema, pelo que foi detida, suicidou-se na Central, precipitando-se de uma altura de quinze metros

A scena imprevista que hontem se registrou no cinema Meia Noite, á rua Formosa, não podia senão deixar em cada testemunha uma grande impressão de tristeza, tanto mais quanto, pouco depois, um desfecho de todo inesperado veiu ainda mais augmentar a violenta sensação de quantos vieram a conhecel-o.

Eram 22 horas, mais ou menos, quando appareceu na referida casa de diversões, denotando extrema agitação, a senhora Nair Werneck de Souza Lima, de 30 annos de idade, casada, moradora á rua Albuquerque Lins, 196.
Essa senhora, que ha algum tempo vivia separada do espozo, tinha uma filhinha de 11 annos de idade, talvez o pomo da discordia que persistia entre os conjuges, mesmo após a separação.

OS TIROS

Vendo a agitação daquella senhora desconhecida, o porteiro Manuel Januario de Carvalho, de 45 annos de idade, casado, residente á rua Biguá, n.º 41, achou prudente vedar-lhe a entrada.

31-05-1927 tiros no cine meia noite s
Manuel Januario de Carvalho. Fonte: Diario da Noite, 31-05-1927

Com essa prohibição mais ainda cresceu a agitação daquella mulher, de tão extranhas attitudes. Inesperadamente ella sacou de um revólver e olhando fixamente para alguem que permanecia no botequim do cinema, deu ao gatilho varias vezes. As successivas detonações produziram grande reboliço na casa e immediações. Numerosas pessoas trataram de sahir do local, precipitadamente, e, entre ellas, houve um homem que, desabando o chapéo e erguendo a gola do casaco, esquivou-se no meio dos populares alarmados.

A PRISÃO DA TRESLOUCADA

Entrementes varios populares, auxiliando um policial, effectuaram a prisão de d. Nair Werneck, que então, foi tomada de violenta crise nervosa chorando copiosamente. Procurando acalmal-a, os populares fizeram com que ella seguisse, sem mais escandalo, para a Central, afim de prestar declarações.

Desarmada, d. Nair Werneck ficou numa das salas da repartição, aguardando a chegada do dr. Gilberto de Andrade e Silva. Sua agitação não diminuira, antes, crescia progressivamente, exigindo a vigilancia dos guardas.

O INTERROGATÓRIO

Quando o dr. chegou, não lhe foi possivel interrogar immediatamente a mulher, devido ás suas condições nervosas. Ella estava impossibilitada de dizer a propria identidade, num alheiamento de doida, sempre soluçando amargamente, o que causava penosa impressão.

Também presente, o porteiro declarou que lhe parecia ter sido alvejado por d. Nair, o que, entretanto, não podia positivar. Ella disparou, depois, varios tiros visando alguem, no interior do predio. Os projecteis, entretanto, não attingiram pessoa alguma, felizmente.

O DESFECHO INESPERADO

Burlando a vigillancia que sobre ella exerciam, d. Nair Werneck, correu célere, para o parapeito da esplanada, precipitando-se sobre a pavimentação que fica a 15 metros abaixo.
Sua morte foi instantanea, em consequencia do esmagamento do craneo.

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Cadáver de Nair Werneck no necrotério da rua 25 de março. Fonte: A Gazeta, 31-05-27.

O ESCLARECIMENDO DO FACTO

Com as investigação a que o “Diario da Noite” procedeu em torno do suicidio de Nair Werneck, perde o caso boa dóse de aspecto com o que se recobria a principio.
Está mais ou menos averiguado que d. Nair não procurou, no cinema, um encontro com o marido, com quem não mais se incommodava, pois ia ultimamente, levando existencia de aventuras romanescas.

Assim sendo, não se trata, como a principio parecia, de uma vingança premeditada por uma esposa abandonada contra o marido que a atirára á miseria e ao vilipendio.
Ao contrario, a suicida levava existencia folgada, tanto que era possuidora de joias valiosas, presentes de seus intimos.

Nair Werneck, acalentava, entretanto, a idéa de suicidio, talvez arrependida da vida a que se entregára, uma vez separada do esposo.
Prova-o um recado escripto por ella no verso da photographia de um de seus intimos, em que, entre outras coisas, dizia ella que, se ninguem quizesse tratar de seu enterro, uma vez que resolvesse suicidar-se, “elle poderia providenciar a respeito”.

A scena violenta que provocou no cinema, disparando tiros contra o porteiro, que é pessoa de bons costumes e de confiança, foi unicamente porque elle vedou-lhe a entrada na casa, visto Nair estar só, o que não é permittido ás senhoras que frequentam o cinema. Além disso, notou o porteiro as attitudes inconvenientes da moça, que, á viva força, queria entrar, promovendo o escandalo e insultando o emrpegado, para afinal, fóra de si, disparar a arma que trazia comsigo.

Diário da Noite, São Paulo, 31 de maio de 1927

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

¹O texto original foi transcrito mantendo-se a grafia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.