Bibi Ferreira

Reportagem de Julio Pires para a revista “O Cruzeiro”:

Como começam as actrizes interessa sempre dizer ao publico que continua a encontrar nas “caixas” de theatro o mesmo mysterio das lojas maçonicas. As antigas lojas, cheias de rituaes ostensivamente complexos. Em verdade, entrevendo apenas o lado de dentro dos palcos quando se demora em sair da sala após os espectaculos, o publico não sabe o que pensar da vida dos bastidores á vista do mundo trevoso que é a scena ás escuras. Dahi a imaginação tenebrosa, ainda hoje por muita gente mantida, em relação ao que se passa para lá do panno de boca.

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Bibi Ferreira. Fonte: O Cruzeiro (1941)

Por isso, no caso de uma iniciação artistica rumorosa, qual a de Bibi Ferreira, convinha ouvir a estreante. Accresce que Bibi Ferreira é alguem cuja primeira apparição no tablado foi feita como “estrella”, isto é, a mais nova e mais jovem artista, começou por onde devem acabar as vidas de actrizes. Mas, vamos immediatamente ás confidencias de Bibi:
– Como pude julgar-me apta a ser “estrella” de theatro?Eu lhes conto. Li, uma vez, numa velha comedia franceza, que meu pae trouxera do theatro para ler em casa, esta phrase – relativa á carreira das actrizes: “Para chegar a ser “estrella” é preciso ter andado nos joelhos dos criticos”.

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Bibi Ferreira. Fonte: O Cruzeiro (1941

Se assim era, pensei commigo mesma, ninguem como eu poderia tão naturalmente vir a ser “estrella”. Eu estive nos joelhos de todos os criticos da imprensa carioca e de quasi todo o jornalismo paulista, pois meu pae, sendo elle mesmo o “enfant gaté” dos chronistas theatraes de ha vinte annos e de hoje, recebia em nossa casa, frequentemente, os redactores das secções de theatro dos matutinos e verspetinos, e muita vez levava-me ao collo para o “Trianon” ou o “Bôa Vista” e outros theatros desta capital e da Paulicéa. Então, os críticos tomavam a filha de procópio nos braços, e logo sentavam a garotinha nos joelhos emquanto conversavam com o velho. Assim, dos braços da ama eu passei aos braços dos mais conspicuos e temidos criticos theatraes, e impressionada com o que se dizia na velha comedia franceza, conclui que estaria preparada para ser primeira figura de uma companhia…

O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 15 de março de 1941.

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia e ortografia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

 

 

Mario Marano, um brasileiro em Hollywood

Ao final da Primeira Guerra Mundial, cerca de 90% da programação exibida no Brasil era importada de Hollywood e, alguns cinemas importantes da época, exibiam, exclusivamente, produções norte-americanas.
A crise gerada pela Primeira Guerra Mundial encareceu os custos para a compra de equipamentos e filmes, impondo um empecilho para a produção cinematográfica brasileira. Além disso, enquanto outros mercados internacionais estavam comprometidos com a guerra, Hollywood começa a produzir filmes que lhe alçariam à posição de “Meca do cinema”.

Embora a produção nacional tenha sido enfraquecida no período, nos anos 1920, surgem os primeiros cineclubes em São Paulo e no Rio de Janeiro, além da importante revista Cinearte, especializada em cinema e abrindo espaço para o debate sobre o desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira, além da cobertura das grandes novidades de Hollywood e da Europa.

É nesse contexto que o Brasil vê sua primeira oportunidade de se projetar internacionalmente, por meio da presença de “astros” brasileiros atuando em filmes hollywoodianos. Um dos primeiros brasileiros a tentar a carreira na “Cinelândia” – como chamavam Hollywood – foi o carioca Mario de Albuquerque Maranhão Pimentel, o Mario Marano.

MARIO MARANO

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Mario Marano. Fonte: O Jornal (1927)

Nascido no Rio de Janeiro, em 24 de fevereiro de 1898, Mario era filho do ilustre paraibano dr. Julio Pimentel, chefe da redação dos debates do Senado Federal, e de Dona Maria Perpetua de Albuquerque Maranhão, membros de tradicional família carioca residente à rua Haddock Lobo nº 427.

Antes de sua carreira nas telonas, o jovem Mario Pimentel aventurou-se pela Europa: formou-se bacharel em leis pela Universidade de Gand (Bélgica) e, em seguida, atuou como correspondente de um jornal do Rio na Europa. Declarada a guerra, serviu como intérprete voluntario durante a Primeira Guerra no 42º regimento de infantaria francesa e, só depois do armistício, tentou ingressar, pela primeira vez, na carreira de ator, mas sem êxito.
Seu nome figurou pela primeira vez na revista mensal “A Scena Muda: Eu sei tudo”, edição de 17 de maio de 1923, em matéria que anunciava a instalação de uma grande companhia cinematográfica no Brasil.
A matéria informava:

“Recebemos do sr. Stuart Forsyth, presidente da  Twin American Film Company, a seguinte communicação:
Reconhecendo quão vasto e opportuno é o bellissimo territorio brasileiro, resolvemos enviar para o Brasil, para ahi fixar residencia, uma companhia completa de cinematographia.
[…] Entre as artistas já contractadas, estou autorizado a mencionar os nomes seguintes – MISSES VIOLA DANA, CLARA KIMBALL YOUNG, MARY MILES MINTER, os SRS. ANTONIO MORENO, RUDOLPH VALENTINO E MARIO CORTEZ. Este ultimo que já tem obtido ruidoso exito na tela norte-americana e é conhecido com a alcunha de MATINEE IDOL, é de nacionalidade brasileira, nascido no Rio de Janeiro e o seu verdadeiro nome é MARIO PIMENTEL.
Pertence a umas das melhores familias cariocas e seu pai, SR. JULIO PIMENTEL, é um alto funcionario aposentado do Senado Federal Brasileiro.”

É possível que Mario tenha usado, inicialmente, a alcunha Mario Cortez, mas a tenha abandonado pouco tempo depois.
Não foi possível identificar qualquer produção que Mario tenha participado no início da década de 1920, seja sob o pseudônimo Mario Cortez ou seu nome verdadeiro. Seja lá qual for a participação que tenha feito, provavelmente não foi creditado, limitando-se à atuação como figurante.

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Mario Marano. Fonte: A Gazeta (1927)

Segundo jornais da época, ao retornar ao Brasil, Mario manteve relações com as maiores empresas cinematográficas daquele tempo, e chegou a receber propostas da “Ufa”, de Berlim. No entanto, recusou-as, porque estava decidido a ir para os Estados Unidos.

Em matéria do Correio Paulistano, um colega carioca informava o seguinte sobre o futuro “astro” brasileiro:

“Não ha, quem não conheça Mario Pimentel, que é o seu verdadeiro nome, nas rodas de rapazes do Rio, que nelle encontraram sempre um esplendido camarada para todas as brincadeiras.
Mario um optimo dansarino, era figura obrigatorio em todos os banquetes e recepções que se realizavam nesta capita, sendo mesmo uma figura de grande destaque na sociedade carioca.
Viajado, tendo corrido innumeras capitaes do velho mundo, Mario possue interessantes episodios na sua vida, um tanto bohemia, na verdade…
Em Paris, na velha capital do mundo artistico, na alegre cidade dos prazeres, Mario foi, durante muito tempo, um dos mais populares frequentadores dos “cabarets”, onde as suas excepcionaes qualidades de dansarino se evidenciavam.
Foi a dansa que o arrastou até a Nova York e dessa cidade a Los Angeles e Hollywood…”

Além do relato de seu amigo, outra notícia afirmava o seguinte sobre Marano:

“Apaixonado dansarino, Mario viajou muitissimo, tendo por unicas preoccupações o baile e o cinema. Trabalhou na “Pathé”, na “Ufa”, e em fabricas italianas, ao lado de Sarah Bernhardt, de Francisca Bertini e Lydia Borelli.”

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Mario Marano. Fonte: Revista Cinearte (1927

Mario, de fato, foi a Hollywood mas, antes disso, casou-se, no dia 6 de junho de 1925, com Moema Guimarães Natal, filha do ministro do Supremo Tribunal Brasileiro, Joaquim Xavier Guimarães Natal e de Dona Angela de Bulhões Natal. Os atos, civil e religioso, tiveram lugar na própria residência do dr. Guimarães Natal.

Agora casado, Mario, conforme relatado por seu amigo, embarcou para Nova Iorque. Pouco tempo depois, chegou à Hollywood, e não demorou para que Mario virasse notícia novamente.

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Trecho da certidão de casamento de Mario e Moema. Fonte: Family Search.

SURGE UMA ESTRELA

Entre maio e julho de 1927, diversos jornais e revistas celebraram a presença do brasileiro em Hollywood ao reproduzirem uma notícia divulgada pela magazine americana “The World” a respeito da contratação de MARIO MARANO para figurar em 8 filmes a serem produzidos pela Peerless Pictures Co., sob direção de Dallas M. Fitzgerald.

(Algumas notícias de jornais afirmaram que, na verdade, o contrato previa sua participação em 11 filmes, no entanto, essa informação não é relevante, pois, como vocês verão, a carreira de Mario Marano foi muito mais curta do que se esperava).

Os seguintes trechos são dignos de destaque:

“A Cinelandia descobre um astro brasileiro
Mario Pimentel vae produzir oito films para a “Peerless” e um para a “United Artists”

O brasileiro começa a vencer no cinema. Não aqui, como é bem de ver, porque, infelizmente, as empresas de films até hoje organizadas entre nós não vão lá das pernas, mas na propria Cinelandia. Hollywood não é, assim, o reducto inexpugnavel que todos pensavamos. E, si o europeu e raros latino-americanos têm feito lá bem succedidas incursões, agora tambem chegou a nossa oportunidade. É o que se deprehende de uma noticia que acaba de se nos deparar no ultimo numero de “The World”.”

A Gazeta, São Paulo, 2 de junho de 1927.

UM ARTISTA BRASILEIRO

A America Latina custou a enviar um representante á Capital Cinematographica do mundo, mas o grandioso Brasil acaba de nos enviar um dos seus mais ilustre filhos, sendo que o dignisimo representante apenas chegado chama-se Mario Marano.
Mario é o primeiro brasileiro a ser contractado para trabalhar em films americanos, pois entre os artistas estrangeiros de nomeada ora em Hollywood, podemos citar o finado mas immortal Rodolpho Valentino, Ricardo Cortez, Antonio Moreno, Monty Banks, Charles de Roche, Renne Adoree, Jetta Guodal, Gaston Glass, Mathilde Comont, Eugenia Besserer e Grace Cunard, estes vindos da Europa Latina, ao passo que Ramon Novarro e Dolores del Rio, são filhos de Durango, no Mexico.
Marano leva vantagem sobre todos os acima citados. Aquelles chegaram aqui sem experiencia e este traz grande treno dos studios do Oeste, pois não ha muito tempo teve elle occasião de trabalhar ao lado de André Brule e ultimamente tomou parte saliente nos importantes films produzidos pela UFA de Berlin, ha pouco chegada na America e Hollywood, a bordo do vapor Berengeria.

Jornal das Moças, Rio de Janeiro, 16 de junho de 1927.

UM BRASILEIRO EM HOLLYWOOD

Mario Pimentel, do Rio de Janeiro, foi contractado pela Peerless Pictures. Vamos ter, finalmente, no cinema, o nosso embaixador […].

[…] Essa noticia deve encher de jubilo a todos os brasileiros. Já a Argentina e o Chile tinham representantes no mundo dos films. Ha tempos, ali tivemos Antonio Rolando, que posou ao lado de Pearl White e outros “astros” de relevo. Mas depois, si algum patricio nosso ingressou no cinema, isso foi feito em circumstancias taes que o nome brasileiro não chegou a ser inscripto nos cartazes dos cinemas.
Agora, com a iniciativa desse moço carioca, o Brasil já figura nas chronicas cinematographicas dos jornaes e revistas do continente norte, com referencias das mais lisonjeiras. É uma representação de indiscutivel valor para a propaganda do paiz. Facil e utilissima. A que mais convem, na época presente, aos nossos interesses.
Mario Pimentel está ha dois mezes em Hollywood. Seu pseudonymo para o cinema é Mario Marano.

Correio Paulistano, São Paulo, 13 de junho de 1927.

Segundo os jornais, Mario teria assinado seu contrato nos escritórios do advogado Tom Smith, no endereço 1223 Taft Building, Hollywood, California, devendo iniciar as atividades, poucos dias após a assinatura do contrato para as filmagens do longa “Out of the Past, anteriormente intitulado “Webs of Fate.

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Taft Building. Fonte: LAPL (1928)

O filme teve como diretor Dallas M. Fitzgerald, que também era diretor da Peerless e contava entre suas produções:

The Guttersnipe (1922)
Playing with Fire (1922)
Her Accidental Husband (1923)
After the Bal (1924)
Passionate Youth (1925)
Tessie (1925)
My Lady of Whims (1926)

Em Out of the Past, o elenco contaria com as presenças, além de Marano, de Robert Frazer e Mildred Harris, a primeira esposa de Charlie Chaplin, atores que, segundo os jornais, gozavam de grande popularidade no Brasil.
Além de Out of the Past, especulava-se que Marano também interpretaria um dos principais papéis em “Ramona”, de Edwin Carewe para a United Artists, com Dolores del Rio, no papel principal.
A revista Cinearte chegou a confirmar, por meio de telegrama de seu representante L. S. Marinho, de Hollywood, que Mario Marano havia firmado contrato para atuar em “Ramona”, no entanto, Mario jamais apareceu no filme, e não é possível saber se a assinatura do contrato ocorreu, de fato, ou se tratava de um boato.

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Richard Talmadge e Mario Marano. Fonte: Cinearte (1927)

A notícia de que Mario Marano atuaria em filmes norte-americanos ao lado de renomadas estrelas causou grande furor entre os fãs de cinema, em especial entre as fãs. Mario que havia chegado há pouco tempo em Los Angeles já figurava entre os círculos sociais de renomadas celebridades, como Richard Talmadge, Christina Montt, Mary astor, entre outros, alimentando ainda mais a esperança de seus fãs brasileiros de que seria uma estrela de sucesso.

Imediatamente, iniciou-se uma chuva de cartas à revista Cinearte perguntando se era verdade Marano ser brasileiro ou pedindo seu endereço, nos Estados Unidos, para que suas fãs pudessem lhe enviar cartas.

Entre algumas respostas da Cinearte às fãs estão:

“Resposta à Priminha (P. Alegre) – Nada, sou eu mesmo que estou aqui de novo! Como vae a minha adoravel amiguinha? Mario Marano, como todo artista de Cinema, pediu-me que não désse o seu endereço particular. Escreva aos cuidados de Dallas Fitzgerald Taft Building, Vine Street and Hollywood Blvd., Los Angeles, California. Escreve já! Elle me prometteu enviar a primeira carta de “fan” do Brasil!”.

“Resposta à Rosa Ferida (Rio) – Pois é verdade! O Cinema brasileiro não abrirá fallencia. Mario Marano é brasileiro sim. In care of Dallas Fitzgerald, Taft Building, Vine Street x Hollywood Blvd., Hollywood, California.”

Um outro comentário peculiar publicado em um jornal, afirmava que apesar do orgulho em ter o brasileiro nas telonas americanas, a escolha do nome Marano não representava sua terra natal adequadamente, pois soava italiano demais.

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Mario Marano ao lado de Richard Talmadge em um “exercício”. Fonte: Cinearte (1928)

Apesar do sucesso do galã entre as mulheres, inusitadamente, Mario Marano confirmou que a primeira carta de fã que recebeu tinha como remetente um homem:

“Conforme o que tinha promettido a “Cinearte”, Mario Marano acaba de nos enviar a primeira carta de “fan” que recebeu. É do Brasil!
É de Milton Dias, Baurú, Estado de S. Paulo.”

Embora Marano fosse a grande sensação do momento, antes mesmo da estreia de seu filme no Brasil, em 1928, a revista Cinearte jogou um balde de água fria em seus fãs:

“As admiradoras do Mario Marano podem perder a esperança de vel-o na pantalla, como dizem os hespanhóes. Como muitos outros desistiu de querer ser astro… depois de tudo… É um grande “game” como dizem aqui se referindo ao Cinema, esta questão de querer quando não permanece como extra, fracassa, deixando a cidade sem lhe sentir a falta. A industria cinematographica não podia nem pode comportar tanta gente sem juizo… tantos illudidos. E, passando da industria para as opportunidades existentes em Hollywood, estas estão contadas: vender terrenos, automoveis, restaurantes e fabricas mentiras…”.

A notícia de que Mario Marano havia desistido de atuar em Hollywood pegou todos de surpresa, e é muito provável que muitas pessoas não tenham acreditado nesta informação visto que, inúmeras reportagens continuaram a ser publicadas a respeito do “astro” brasileiro.

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Mario Marano visita Christina Montt e Mary Astor durante a filmagem de “The Rose of Monterey” da F.N. Fonte: Cinearte (1927)

SOMBRAS DO PASSADO

Em 3 de março de 1929, o Correio da Manhã noticiava:

“O seu primeiro film, prestes a ser exhibido, nesta capital

O leitor, se é um fan de coração, já deve ter ouvido falar em Mario Marano, um patricio nosso que, ingressando no cinema, só posou para um film da Peerless Pictures, sob a direcção de Dallas Fitzgerald.
Ha um anno mais ou menos, esta noticia causou sensação extraordinaria nos meios cinematrographicos do paiz, assim como foi razão para uma serie enorme de perguntas e commentarios dos fans sobre a pessoa desse brasileiro que, em Hollywood, se apresentava sob o pseudonymo de Mario Marano.
Surgiram entrevistas, biographias, chronicas extensas sobre a personalidade de Mario Marano afim de satisfazer a curiosidade dos que se interessam e apreciam a arte das sombras […].
A curiosidade que ainda perdura entre todos será muito breve saciada á farta com as exhibições de “Sombras do passado”.”

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Anúncio de Sombras do Passado. Fonte: A Gazeta (1929)

Um dia antes da estréia do filme, no Cine-Theatro Rialto, do Rio de Janeiro, jornais especulavam acerca dos principais aspectos que o filme prometia apresentar:

“Sombras do Passado” é uma producção de aspectos variados e que satisfaz, por isso mesmo, a toda e qualquer especie de publico. Ha nesta producção americana, scenas de luxo, ha comedia como lances de grande dramaticidade, momentos de amor intenso, de paixão ardente e sensual, o colorido vivo das regiões dos mares do sul, a seducção das mulheres encantadoras em sua formosura primitiva, trabalho esmerado de direcção, assim como optimo desempenho por parte de todo o elenco.
“Sombras do passado” vae, tudo o deixa prever, ser um dos maiores exitos desta temporada e para elle estão voltadas as vistas de fans e cinematographsitas. No elenco apparecem tambem os queridos artistas Mildred Harris e Robert Frazer, em cuja companhia Mario Marano, o astro brasileiro, faz as honras de um trabalho de arte e bom gosto.

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Cena de Sombras do Passado. Fonte: Cinearte (1927)

Após a estreia, um resumo do enredo do filme foi publicado no Diario Carioca. O texto segue na íntegra:

“A guerra mundial, o sangrento conflicto europeu, que arrastou a Fome, a Peste e a Morte a investidas terriveis contra os homens, não só deixou lares arruinados como a dor e a miseria nos campos da Europa. Dora Prentiss morava na California, quando arrebentou a sangreira mundial. Numa tarde em que ella acalentava sonhos côr de rosa, recebeu um communicado official noticiando a morte do seu noivo Jach Barrister num sector francez. Morrera como um heroe na conquista de um posto inimigo considerado inespugnavel.
Uma dor indescriptivel principiou a dilacerar-lhe o coração. Tudo recordava os dias felizes do seu noivado, tudo a fazia lembras aquelle a quem a morte arrebatára tão traiçoeiramente. Sua mãe, entrementes, tratava de convencel-a a casar-se com o corretor Beverly Carpenter, porque este possuia uma grande fortuna e era homem capaz de custear os caprichos da futura sogra. Sempre perseguida pela proposta de Beverly e acossada pela ambição materna, Dora acaba finalmente cedendo em tornar-se esposa do famoso corretor. Disse-lhe, porém, antes, que não o amava embora promettendo tudo fazer para ser digna do seu affecto.
Os mezes corre. Beverly continuava a viver numa roda de estroinas, entre os quaes encontrava-se o engenheiro Juan Serrano, que preferia á hydraulica os bons vinhos e a companhia de mulheres alegres.
Principiaram a apparecer as primeiras desintelligencias entre os conjuges: as brigas eram constantes e como, por vezes o esposo estava embriagado, dirigiu insultos pesados á sua mulher. Certa tarde deu-se o rompimento fatal e no dia seguinte um novo golpe do destino attingiu o esposo desleal e perverso. As más companhias e os gastos desregrados levaram-no á fallencia commercial.
Envergonhado em tão difficil situação, resolve fugir, deixando um pequeno bilhete que explicava a sua atitude extemporanea. Embarcando num cargueiro, dirigiu-se para os mares do sul e aportou em região estranha, onde imperavam os vicios e as paixões humanas.
Tempos depois Dora deu á luz um filhinho que passara a ser a sua distracção, e seu unico enlevo. Uma tarde ella recebeu a visita de Harold Neszitt, causador da ruina de Carpenter. O visitante vinha propor-lhe casamento, mas a desolada criatura recusou a proposta, respondendo que seu coração estava enterrado em terras da França, junto ao corpo do seu idolatrado noivo. Mas, nessa mesma noite, chegou Jack Barrister, que não morrera na guerra, da qual escapara muito ferido, para ir tratar-se num hospital de sangue. Por esse tempo Beverly fizera-se amante de uma morena chamada Saida e era considerado chefe da região onde fôra curtir os seus dias de amargura.
Ahi tambem foram aportar Harold Nesbitt e Juan Serrano, quando se dirigiam numa viagem para a China. Pelos recem-chegados, o antigo corretor soube do que se passára com sua esposa e, desejoso de vingar-se de Dora, embarca sem perda de tempo para a America. Mas ao encontrar o filho, um dia, sentiu-se preso de uma estranha emoção, que lhe paralysou toda a malquerença que alimentava ha tantos mezes. O pequeno, sem saber com quem falava, enaltece a memoria do papae que desapparecera, pois assim lhe ensinára Dora, como mãe extremosa e uma esposa tolerante e bôa. Beverly, cheio de vergonha e humilhado, abandona aquella residencia e foge para muito longe, para uma região onde podesse esconder “As sombras do passado”.
Aqui temos um pallido e resumido enredo desta encantadora pellicula, que, estamos plenamente certos, angariará os applausos no nobre publico carioca. Nella apparecerá, como dissemos, um moço brasileiro – Mario Marano – cujo desempenho no papel de Juan Serrano muito se recommenda ao lado de Mildred Harris e Robert Frazer.”.

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Anúncio de Sombras do Passado. Fonte: Correio da Manhã (1929)

Infelizmente, apesar da grande empolgação do público brasileiro em ter um representante de nosso país em Hollywood, o desempenho, não só de Mario Marano, mas do próprio filme Out of the Past foi desastroso.

Em 6 de junho de 1929, o jornal A Noite analisava o filme:

“O trabalho de Mario Marano – o conhecido e sympathico Mario Maranhão de que se lembram todos os bohemios do Rio – no film agora em exhibição no Rialto, não é de molde a se deizer se o nosso patricio tem ou não qualidades para seguir a vida de artista cinematographico. Mario Marano perpassa, apenas, pela téla, em tres ou quatro scenas rapidas, tão rapidas que quasi não ha tempo de se lhe fixar as feições.
É desembaraçado, não resta duvida, e tem qualidades photogenicas. Mas, francamente, é cedo para se dizer se elle ainda será um artista digno desse nome. Sómente em outro trabalho, no qual elle realmente appareça, e o publico possa ver em scenas mais demoradas e de maior responsabilidade, as suas qualidades poderão ser fixadas. Por emquanto, fiquemos na expectativa, ma mais sympathica expectativa que possamos alimentar pelo exito do nosso patricio.”.

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Cena de Sombras do Passado. Fonte: Correio da Manhã (1929)

Outra dura crítica ao filme foi feita pela própria revista Cinearte, umas das principais responsáveis pela ascensão da popularidade de Marano no Brasil:

“RIALTO – SOMBRAS DO PASSADO – (Out of the Past) – Peerless – Producção de 1927.
Argumento batido e já abandonado. Não dá mais nada. Principalmente com um tratamento horrivel como o que lhe deram Dallas Fitzgerald e Tipton Stock. Não se aproveita nada. Robert Frazer e Mildred Harris fazem muito mal o par de heroes. Mario Marano, brasileiro, tem um papel secundario. E prova que para o Cinema não tem quéda. Aliás, esta foi uma das opportunidades de encetar carreira em que elle metteu os pés estupidamente.
Cotação: 2 pontos. P. V.”

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Mario Marano. Fonte: A Scena Muda (1929)

Tendo como nota máximo 10 pontos, e mínima 1 ponto, a nota recebida por Out of the Past exibe bem o tamanho do desastre que a produção era considerada pelos críticos.

Diante do fiasco de Out of the Past, não se sabe se por iniciativa do ator, ou da própria produtora, o contrato foi rescindido e Mario Marano jamais voltaria a atuar em Hollywood.

MINHA NOITE DE NÚPCIAS

No entanto, esta não foi a última vez que Mario Marano seria visto nos cinemas. Anos depois de sua curta carreira nos Estados Unidos, e um breve período vivendo em Paris, Mario Marano figurara em uma versão luso-brasileira – desta vez em cinema falado – do filme Her Wedding Night.

Ficou a cargo da Cinearte divulgar, novamente, uma produção que contava com Marano, mas desta vez, avisaram de antemão que sua participação era ínfima, sem criar qualquer esperança para seus possíveis fãs, caso ainda existissem:

“Mario Marano, um brasileiro do qual CINEARTE já muito se ocupou cuja semelhança com Ricardo Cortez foi faladissima, andou pelos Estados Unidos, figurou em um film da Peerless e, depois, sumiu.
Agora, entretanto, volta com Noite de Nupcias, versão falada em português do film de Clara Bow Her Wedding Night, que, por sinal, é versão falada de Miss Barba Azul (Miss Bluebears), que ha anos dez Bebe Daniels para a mesma Paramount, com Frank Tuttle (tambem diretor da versão falada) dirigindo e Robert Frazer. Raymond Griffith (papel que Leopoldo Fróes tem nêste film em português) e Kenneth MacKenna nos principais papeis.
Mario Marano aparece ligeiramente como porteiro de hotel, cantando uma canção em francês.”

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Cenas de Minha Noite de Núpcias. Fonte: cinemaportugues.pt

As resenhas do segundo filme a contar com Marano não foram diferentes daquelas sobre o primeiro. Mais uma vez, Mario Marano e companhia eram severamente criticados pela Cinearte:

“MINHA NOITE DE NUPCIAS – Film da Paramount – Producção de 1930

Não vimos aqui e nem veremos, naturalmente, o Film original que originou este, feito em Joinville e com elenco luso-brasileiro. Chamava-se, o mesmo, Her Wedding Night e tinha Clara Bow, Ralph Forbes e Skeets Gallagher nos primeiros pepeis.
Este, em versão portuguesa ao argumento de Avery Hopwood, teve a direcção de E. W. Emo, um allemão e a interpretação de Beatriz Costa, Alberto Reis, Estevão Amarante, Leopoldo Fróes, Mario Marano e outros. Mal orientados, fizeram theatro deante da camera e, mal dirigidos, theatro do peor.
Este é o melhor da serie que a Paramount já exhibiu aqui: Canção do berço, Mulher que ri e este. Mas assim mesmo deixa muito a desejar.
Cotação: – REGULAR”

As tragédias não se limitavam às atuações de Mario Marano no cinema, e como “desgraça pouca é bobagem”, outros incidentes indiretamente relacionados ao filmes “Minha noite de núpcias” ocorreriam em seguida.

Em 12 de setembro de 1931, com o Cine São José, no Rio de Janeiro, funcionando como cine-teatro, após a apresentação de “Amores e Modas”, de Mauro de Almeida, quando tinha início o filme “Minha noite de núpcias”, o prédio incendiou-se, só ficando de pé a fachada e as escadas laterais da sala de espera.
Se já não bastassem as críticas negativas e o incêndio do Cine-Theatro, o ator principal, Leopoldo Fróes, que havia adoecido ainda durante as gravações do filme, faleceu meses depois de pneumonia.

Em um período de menos de 10 anos, Mario Marano foi de “astro” promissor brasileiro em Hollywood a ator desqualificado.

Sem sabermos se isso teve qualquer ligação com seu fracasso como ator, vale dizer que em 8 de julho de 1936, Mario e Moema se divorciavam. Era o fim de um conturbado período na vida de Mario.

Apesar dos reveses, não se pode dizer que Mario teve uma vida ruim. Mesmo fracassando como ator, Mario pertencia a uma tradicional e abastada família do Rio de Janeiro e, certamente, quando as coisas não estava indo bem, Mario poderia afogar as mágoas às margens do Sena e se afastar dos problemas.

Aliás, Mario era tão fã da França que, em 27 de agosto de 1938, casou-se novamente, desta vez com a francesa Josephe Jeanne Simône Ballot, filha de

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Trecho da certidão de casamento de Mario e Josephe. Fonte: Family Search.

Henri Ballot (sem ligação com o famoso fotógrafo) e de Mme. Camille Anne Marie Augustine Layer.
Seu segundo casamento durou 14 anos, chegando ao fim em 4 de dezembro de 1952.

Sem pretensões de retornar ao mundo do cinema, Mario deixou seu pseudônimo para trás, e agora usando seu verdadeiro nome dedicou-se a publicação de livros.

VIDA PÓS-FAMA

Em 1940, Mario organizou o livro Brasil-1940, uma homenagem ao progresso do Brasil e também às tradições portuguesas.

A Gazeta de Notícias noticiava em 4 de junho de 1940:

“Brasil – 1940 – Uma edição monumental que honra o Paiz

Esteve em nossa redacção o Sr. Mario de Albuquerque Maranhão Pimentel, organizador do Album “Brasil-1940, de que quiz ter a gentileza de nos offerecer um exemplar. Trata-se de um trabalho do mais alto valor, mostrando, em bellos artigos e abundante clicheria, as realidades do Brasil em todos os campos da actividade. É um trabalho de propaganda que sobremaneira honra o seu organizador e o Paiz. Esta edição monumental, de que foi feita a tiragem de vinte mil exemplares, foi patrocinada pela Camara

Portugueza de Commercio e destina-se a ser distribuida gratuitamente, por intermedio do DIP, na exposição do Mundo Portuguez, em Lisboa, para onde foram enviados quinze mil exemplares. abre o escripto prologo do Sr. Lourival Fontes, director do DIP e explicando a finalidade da obra, seguindo-se logo uma extensa monographia do jornalista e escriptor Sr. Simão de Laboreiro, que sob o titulo “O Brasil da Actualidade” estuda a nossa evolução e focaliza a grande figura do Presidente Dr. Getulio Vargas, monographia essa que foi irradiada para todo o territorio nacional na “Hora do Brasil”.O Sr. Mario Pimentel, que já em annos anteriores tinha realizado trabalhos semelhantes, apresenta-nos agora uma obra sob todos os pontos de vista notavel.”

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Mario Marano. Fonte: Gazeta de Notícias (1940)

Além de Brasil-1940, também foi possível identificar outras duas publicações em nome do mesmo Mario Pimentel:

São Paulo de Piratininga 1554-1942 – (organizador) de 1942 e “Orientador Fiscal do Imposto de Consumo e Renda” (Autor/Director responsável da revista técnica) de 1951.

É possível que Mario Marano tenha participado

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de outras publicações, no entanto não foi possível localizá-las.

Em 1953, o nome de Mario figurava entre os sócios da Associação Brasileira de Imprensa, indicando que o ex-astro atuava nesta área durante as décadas posteriores às suas aventuras cinematográficas.

O FIM

Em uma sexta-feira, dia 27 de junho de 1986, faleceu Mario Albuquerque Maranhão Pimentel, 88, de parada cardiorrespiratória, em sua casa na Tijuca. Mario deixou dois filhos.

Independente de seu desempenho como ator, certamente a história de Mario Marano nos mostra um riquíssimo retrato da realidade brasileira frente à ascensão de Hollywood como principal produtor de obras cinematográficas no mundo.

Em um tempo em que Hollywood passou criar irresistíveis mecanismos de atração e a alimentar sonhos de pessoas comuns em todo o mundo, a imprensa brasileira se empenhou na fabricação de astros e estrelas nacionais, que acabaram rejeitados pela indústria cinematográfica americana, e rapidamente tiveram suas carreiras terminadas.

Mario Marano é um dos primeiros, de muitos, a tentarem, em vão, brilhar na “terra do cinema”.

O sonho do estrelismo brasileiro em Hollywood só seria alcançado na década de 1940, com o estrelato de Carmen Miranda.

Periódicos e revistas consultados:

Boletim da Associação Brasileira de Imprensa
Cinearte
Correio da Manhã
Correio Paulistano
Diário Carioca
Diário de Notícias
Diário Nacional
A Gazeta
Gazeta de Notícias
O Jornal
Jornal das Moças
Jornal do Brasil
A Manhã
A Noite
A Scena Muda

Sites consultados:

Cochinilha
cochinilha.blogspot.com/2016/05/a-minha-noite-de-nupcias.html

Centro de Investigações para Tecnologias Interactivas
http://www.citi.pt/cultura/teatro/artistas/beatriz_costa/noite_nupcias.html

Centro Virtual Camões
http://cvc.instituto-camoes.pt/cinema/cronologia/cro033.html

Carlos Correia
http://www.carloscorreia.net/citi2/cultura/teatro/artistas/beatriz_costa/noite_nupcias.html

Cinema Português
http://cinemaportugues.com.pt/?tag=a-minha-noite-de-nupcias

Bibliografia:

GOULART, Isabella Regina Oliveira. A Ilusão da Imagem: o sonho do estrelismo brasileiro em Hollywood, USP, São Paulo, 2013.

HAUSSEN, Luciana Fagundes. Cinema Transnacional e tendências estéticas nas revistas brasileiras Fon-Fon e Cinearte (1927 a 1932), PUC, Porto Alegre, 2015.

SILVA JUNIOR, Nelson. Cinema brasileiro primeiros anos: origens e história. UTFPR, Paraná, 2016.

Tragédia do Edifício Joelma – 45 Anos

O fogo, o desespero, o salto para a morte

De repente, o grito de pânico: – Fogo!
As mais de mil pessoas que ocupavam os escritórios e apartamentos do Edifício Joelma, na Praça das Bandeiras, em São Paulo, sentiram que estavam ilhadas pela morte, numa repetição da dolorosa experiência da tragédia do Edifício Andraus, dois anos antes, quando 16 morreram e mais de 400 ficaram feridos.

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O edifício Joelma, na Praça da Bandeira. À esquerda, a Câmara dos Vereadores, o ponto de apoio para o salvamento. Fonte: O Cruzeiro 1974.

Vinte minutos depois do início do fogo, as chamas já atingiam grande parte do prédio, para desespero de centenas de pessoas, que procuravam chegar ao terraço em busca da salvação. Lá embaixo, cartazes e megafones pediam calma, enquanto os bombeiros tentavam chegar até aos andares superiores. De repente, a multidão, horrorizada, viu despencar no espaço um homem, vencido pelo desespero. Em questão de segundos, seu corpo estava no asfalto.

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Fonte: O Cruzeiro, 1974.

A morte começava a vencer a luta contra a vida, e um cheiro de tragédia se espalhava pela manhã paulistana. Minutos depois, mais dois corpos despencavam no ar, aumentando o horror da multidão e o desespero dos que lá em cima, procuravam manter um fio de esperança na salvação que cada vez parecia mais distante.

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Uma pessoa jogou-se do 19º, caiu sobre a escada a que se atirara do 16º e derrubou uma terceira na escada. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

O prédio, sem qualquer condição de segurança – não havia escadas de emergência nem heliporto -, estava se transformando, pouco a pouco, num túmulo gigante para mais de uma centena de pessoas.

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Quando o helicóptero descia, várias macas eram levadas para transportar sobreviventes. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

As sirenas dos bombeiros e das ambulâncias cortavam o ar e muitos já começavam a ser salvos. Outros, porém, iam ficando pelo caminho, carbonizados ou pisoteados pela avalancha do desespero em busca de uma chance de sobrevivência. E o foto continuou ardendo e matando, durante todo o dia. O centro da cidade parou, o tráfego congestionou e a confusão, aliada ao desespero, em cima e embaixo, aumentava a cada minuto a negra estatística da morte. Os hospitais se enchiam de vítimas e o IML de corpos. À tarde, o número somava mais de 100. Perto de duas mil pessoas se aglomeravam em frente ao Instituto Médico legal em busca de parentes. Outras procuravam os hospitais das Clínicas e da Municipalidade para doarem sangue. Bombeiros, policiais, médicos, enfermeiros, motoristas de táxis e os homens anônimos das ruas uniam-se na tentativa de salvar o maior número possível de vidas.

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Muitas pessoas esperaram socorro até durante quatro horas nos andares mais altos. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.
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Helicóptero ajudou na retirada dos que subiram ao terraço, onde muitos tiraram a roupa. Fonte: Jornal do Brasil, 2 fev. 1974.

No final da noite, o IML anunciava o trágico número de mortos recolhidos às suas dependências: 188. Mas só hoje, após o resfriamento do prédio, é que se saberá, de fato, quantos morreram. São Paulo acordou com a tragédia, parou durante todo o dia para tentar salvar muitas vidas e foi dormir chorando seus mortos.

É bom que ninguém esqueça.

Jornal da Noite, Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 1974.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Galeria de Imagens

ATENÇÃO: Algumas imagens são fortes e inapropriadas para pessoas sensíveis.  Siga por sua conta e risco!

Fontes das imagens:

Revista O Cruzeiro, 13 fev. 1974
Folha de S. Paulo, 1 fev. 1974.
O Jornal, 2 fev. 1974.
Jornal do Brasil, 3 fev. 1974.
Revista Veja, 6 fev. 1974.
Revista Manchete, 16 fev. 1974.
Diário de Notícias, 2 fev. 1974.

Acervos consultados:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervo Folha de S. Paulo
Acervo VEJA

Onde deverá ser construído o novo edifício [dos Correios]?

Escrevem-nos:

Sr. redactor. – Está interessando, e com muita razão, a população paulista, o assumpto da mudança da repartição postal para um predio a se construir, materia que diz respeito a cada habitante desta vasta capital, nem v. s. e tambem dos seus muitos leitores acharão que seja impertinencia de minha parte tambem trazer para a discussão o contingente de umas despretenciosas observações.

É assim, sr. redactor, que eu julgo improprios os logares ora em vista, para num delles se erguer a fatura posta paulistana a qual, não muito longe estará de se tornar uma das primeiras do mundo. E permitta que aqui de as razões dessa impropriedade.

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1- Fundações do futuro Prédio dos Correios (1916) – Autor Desconhecido
2- Prédio dos Correios (28-11-1942) – Autor Desconhecido
3 – Prédio dos Correios (década de 1940) – Autor Desconhecido
4 – Prédio dos Correios (1993) – Juca Martins – Acervo IMS

O seminario da Gloria, embora tenha uma area assaz sufficiente, acha-se situado em um buraco, do qual, para se entrar ou sahir, ter-se-á necessidade de botar os bofes pela bocca. Que no presente me occorra, só lucrará o transporte de malas para as estações da Luz e Sorocabana, cujo trajecto se faz em pequeno declive. Isto mesmo não é caso de se estimar tanto, quando se sabe que tal serviço é feito por meio de bondes e de automoveis, para os quaes uma declividade menor ou maior pouco ou nada influe. No mais, a grande massa de povo, dos que andam a pé, dos que tem pressa, e que, além disso, terão de ir ou vir para aquella repartição sobraçando volumes e volumes de correspondencia, para esses não será indifferente a collocação da repartição no fundo de um valle, como seria o caso, ou nas grimpas de uma montanha, si para um tal logar a mesma tivesse de ir… Poupe-se, portanto, o cançaço de toda uma população, livrando-a de ir postar a sua correspondencia naqulle buraco onde, outr’ora, os avoengos iam depositar as suas educandas…

O Convento de Santa Thereza, si bem que tenha a desvantagem de ser menor, fica num centro mais “central”, num nivel egual ao da maioria do commercio urbano propriamente dito. Mas é pequeno, e, portanto, está fora de discussão.

Agora, reunindo todas as condições exigidas e exigiveis para o caso, ahi está o terreno onde actualmente se ostenta o pardieiro, embora de tradições gloriosissimas, da Faculdade de Direito, aquelle que na nossa opinião melhor se presta, em toda a cidade para nelle ser edificado o Palacio dos Correios e Telegraphos do Estado de São paulo.

Quanto ao velho convento, e toda esta questão é mesmo conventual, pois todos os tres logares são occupados por conventos, que seja elle transferido para outro local, para a Avenida Paulista, por exemplo, dando-se á nossa gloriosa escola de Direito um predio condigno, como ha muitos lustros vem a mesma reclamando.

Na Bahia, não há muito, o fogo, ou alguem por elle, se encarregou de dotar a Faculdade de Medicina de um predio novo, e assim se fez.
Aqui em S. Paulo, Deus nos proteja do auxilio extremo de um incendio, e seja esta a occasião para lucrarmos dois palacios dignos do fim que collimam, o da Posta e o da Faculdade de Direito. E, para tanto, basta que aqueles que no caso têm ingerencia se resolvam a dotar o Estado de mais esses melhoramentos que já vêm demorando o seu tantinho.

Si a isto se objectar que é muita edificação, muita despesa, etc., etc., responderei como aquelle Calino irlandez:

1º) Construa-se o novo Correio no local da Academia;
2º) Empregue-se para construir o Correio o matrial aproveitavel da Faculdade;
3º) Não se proceda á demolição do edificio da Faculdade antes de estar prompto o do correio…

Do leitor Fulgencio da Luz

Correio Paulistano, 04 de fevereiro de 1914.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

 

Cidade abandonada

Embora pareça exagero, tem muita razão o paulistano quando afirma que a metropole bandeirante é uma cidade abandonada. Tantos são os motivos de queixa dos municipes contra as falhas da administração que a impressão de abandono chega mesmo a impressionar. Não falemos da buraqueira das ruas, que essa avulta aos nossos olhos por onde quer que volvamos a vista e é sentida materialmente nos solavancos dos onibus, nas avarias dos veiculos, nos acidentes quase diarios provocados pelas manobras precipitadas dos que, em alta velocidade, se vêem, de repente, diante de um buraco maior, sem espaço para evitar o impacto do trambolhão. Desnecessario será destacar o tremendo perigo que os buracos da pavimentação representam nos dias de chuva, quando ficam cobertos pelas aguas da enxurrada: aí a ameaça não é apenas para os automoveis, mas tambem para os pedestres, principalmente as crianças.

1963-02-21 buraco na frei gaspar x hipodromo
Quase coube”, buraco na rua Frei Gaspar com a do rua do Hipódromo

O pessimo estado dos passeios, inclusive na area central da cidade, contribui para impressionar mal os forasteiros e é outra evidencia do desleixo reinante na cidade, por parte da Prefeitura. Sabe-se que a conservação da faixa do passeio cabe aos proprietarios dos imoveis, não movendo o governo municipal uma palha nesse sentido. Cabe-lhe, isso sim, fiscalizar e intimar os responsaveis a proceder aos reparos necessarios ou a construir os passeios nas ruas providas de guias. Essa fiscalização não existe e se existir os fiscais amolecem o corpo, deixando de cumprir o seu dever, em prejuizo da cidade.

E há mais: nessa questão, a propria Prefeitura concorre para a devastação dos passeios ao deixar de consertar as extensas faixas utilizadas para canalização de aguas, telefones, etc. conforme acordos existentes e jamais cumpridos.

O abandono se patenteia tambem ao observar-se o numero consideravel de mendigos, marreteiros, desocupados e quitandeiros que ocupam os melhores pontos do centro da cidade e obstruem o transito, perturbam a tranquilidade da vizinhança, espalham lixo e imundicies em torno, sem que surja um guarda, um inspetor, alguem com parcela de autoridade disposto a expurgar os logradouros dessa forma infestados.

Não é preciso que se fale dos malandros, muitos deles conhecidissimos da Polícia, que exercem sua atividade criminosa como batedores de carteira nos pontos de tomada de coletivo, aos olhos dos agentes da Delegacia Especializada destacados para esses locais. Nem se faz necessario acrescentar os bandos de “play-boys” atrevidos, das corridas de automoveis e lambretas, pelas vias mais movimentadas da metropole, altas horas da noite, com apoteose de taças e curras nos confins do Morumbi.

Cidade abandonada, mesmo.

Correio Paulistano, São Paulo, 6 de fevereiro de 1963.

¹O texto original foi transcrito em sua integralidade, mantendo-se a grafia e ortografia da época, assim como quaisquer erros tipográficos.

²A imagem não possui relação direta com o texto, possuindo caráter meramente ilustrativo.

Legenda e fonte da imagem:

“Quase coube”, buraco na rua Frei Gaspar com a do rua do Hipódromo
Folha de S. Paulo, São Paulo de 21 de fevereiro de 1963.

 

 

Imitando os homens!

Um casal de cães assenhoreia-se de uma sala de visitas

Ella dorme, elle véla carinhosa e valentemente

1914-01-24 a noite cães invasores foto
A casa da rua Sete “tomada” pelos cães. A sala onde elles se accommodaram está marcada na gravura.

O solicitador Sr. Diogo Ramirez reside com sua familia no 2º andar da casa n.101 da rua Sete de Setembro.
Hoje, logo ás primeiras horas, quando uma criada ia penetrar na sala de visitas do Sr. Ramirez, teve seus passos embargados por um respeitavel molosso. Justamente amedrontada, a criada deu alarme, acudindo outras pessoas da casa, inclusive o Sr. Ramires, os quaes tambem não conseguiram entrar na sala, taes eram as disposições do enorme cão e sua companheira, uma cadella de proporções não menos respeitaveis.

Intrigados com as informações acima, fomos pessoalmente á casa em questão. Num corredor que leva á peça occupada pelos cães achava-se a familia do Sr. Ramirez, que nos convidou a ver com os nossos olhos os seus importunos hospedes.
E, nós vimos: junto a um sofá, commodamente escarrapachado e a nos olhar curiosamente, estava um enorme cão amarello; a seu lado dormia calmamente a sua companheira, tambem de côr amarella. Para experimentar demos dous passos á frente, mas recuámos de prompto, tal o olhar severo e o feroz rugido do “salvador” da casa do Sr. Ramirez.

– E então? – perguntámos ao “oligarcha” deposto.
– É o que o senhor vê. Esses cães subiram ás 6 horas com o lixeiro; temos feito varias, mas vãs tentativas; primeiro, ameaçando-os com uma bengala, ao que elles se dispunham a reagir temerosamente, e depois acenando-lhes até com postas de carne.
– E o que pretende fazer?
– Não os quero matar a tiros. Espero que elles se dignem desoccupar, quando entenderem, a minha sala. Isso até logo mais, quando pedirei auxilio da limpeza publica.

E o Sr. Diogo Ramirez lá se ficou pacatamente, aguardando melhores disposições dos seus estranhos assaltantes.

A Noite, Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1914
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

O Progresso e S. Paulo

Ó compadre, o tal “São Paulo”
É “político!” Não crê?
Pois olhe que o acredito,
E digo a razão por que:

Não é mentira, compadre!
Sinceramente confesso
Que este santo padroeiro
Se não teve – tem “progresso!”

Veja lá como na “Sé”
Não querendo estar sosinho
Convidou ao outro apostolo
“São Pedro” para visinho.

Uma “cadeira” era pouco
P’ra servir de detenção:
Foi á Luz, e forjou outroa
Chamando-a de – “Correcção”.

Não quiz que houvesse um só “credo”
N’este paiz de doutores;
Poz em campo as duas hostes,
“Liberaes – Conservadores”.

O “Correio Paulistano”
Não bastava p’ra polemica;
E foi á “Direita – rua”
Fundar a “Imprensa Academica”.

D’Uma “Crença” de papel
Outra “Crença” fez brotar;
Muitos lêem as duas “Crenças”
sem “crença” de as assignar.

Era pouco um só “theatro”,
Outro “maior” fez erguer;
E alem da “estrada de ferro”
A de “rodagem” quer ter!

Dizem tambem que das “lojas”
É freguez e santo membro,
Quando não vae na “Amizade”
Vae á “Sete de Septembro”.

Mesmo a respeito de “bancos”
Faz as suas transações;
Porisso, conta e desconta
No “Mauá” nos “Gaviões”.

Emfim, se na freguezia
Do norte, o céo faz-se azul,
O céo se torna negro
Na freguezia do sul.

Creia, compadre, que o santo
É sancto d’ideias lactas!
Não sei se gosta de “ligas”
Mas gosta das “duplicatas”.

Diabo Coxo (Jornal domingueiro), São Paulo, Anno 1, n.2, 1864.

*A grafia original foi mantida.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Legenda da foto: Commodidades de uma estrada de rodagem.

 

 

O Box na Guarda Civil

1928-02-18 boxe na guarda civil cp img

Esse “peso pesado” que o nosso “cliché” apresenta não é outro sinão o popular Benedicto, instructor de box da Guarda Civil de São Paulo, apanhado em flagrante quando, hontem, realizava uma demonstração do violento sport, perante os directores da Associação Commercial, em vista á séde daquela corporação policial.

Correio Paulistano, São Paulo, 24 de outubro de 1928.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira