O terremoto de 1922

Um violento terremoto sacudiu a cidade e seus alicerces

Felizmente não ha registro de uma só ocorrencia desagradavel

A população pode estar tranquilla, porque, na opinião de s. exa., o abalo não se repetirá

O assumpto sensacional do dia é o tremor de terra verificado nesta capital ás 3,55. Durou quatro segundos. E, apesar da rapidez com que se manifestou, o phenomeno sismico foi bastante violento para ser sentido pela quasi totalidade da população. Só o não sentiu quem tem somno de pedra.

O facto, como é natural, alarmou todos quantos lhe perceberam os effeitos. Repetir-se-á o phenomeno? O simples tremor de agora não poderá transformar-se em terremoto, de consequencias mais graves?

Como foi sentido o tremor de terra nesta capital – Algumas impressões

Eram precisamente 3,55 da madrugada quando se manifestou o phenomeno. Muitas pessoas se achavam então nas ruas ou em cafés. Mas a maior parte da população dormia. Os que dormiam, salvo raras excepções, despertaram assustados, não sabendo explicar o caso.
– O que foi? Que seria?
O facto é que a um ruido surdo succedia o abalo das casas, assignalado principalmente nas portas e janellas, seguido em muitos logares de quédas de pequenos moveis.
Perdia-se a população em conjecturas, até que pouco depois, através de communicações telephonicas, os alarmados habitantes de S. Paulo ficaram inteirados da verdade: a nossa capital acabara de ser victima de um tremor de terra, como si fosse as regiões da Italia ou do Japão onde o phenomeno, pela natureza do terreno, se manifesta frequentemente e com as consequencias graves de pavorosas hecatombes.

Tratámos hoje cedo de colher algumas impressões dos leitores.
O primeiro a quem ouvimos foi um illustre advogado residente á rua Padre João Manuel, na parte baixa que dá para o Jardim America.
– Acordei sobresaltado; sentindo a cama tremer. Tremiam tambem as janellas e as portas, como si estivessem abaladas por forte ventania. Levantei-me, a verificar si realmente o tempo havia mudado, tanto mais que o phenomeno durára poucos segundos.
Abri a janella, que dá para o jardim. Noite trevosa, mas atmosphera tranquilla. Apenas ligeira aragem agitava os ramos das arvores. A hypothese de inopinada ventania foi posta immediatamente de parte. Que teria sido então?
Abordei outra hypothese: a da visita de ladrões. Mas em vão percorri, nesse proposito, os aposentos da casa. Não encontrei o menor vestígio de visita de amigos do alheio. E estava ainda a conjecturar sobre o que se passara, quando um amigo, residente á rua Nova de S. José, me telephonou.
– Você sentiu o tremor de terra?
Só então – accrescentou o advogado – soube que se tratava de terremoto. Soube ainda, pelo amigo que me telephonou, que o abalo foi violento no Jardim America, chegando-se a recer a quéda de casas. Conversámos a seguir com diversos moradores da Avenida Paulista, entre outros o conhecido e festejado homem de letras dr. René Thiollier.
Disse-nos elle que acordára, em sobresalto, com o inexplicavel rumor e principalmente com o movimento dos moveis, alguns dos quaes por pouco não vieram abaixo. E a sua impressão é que naquella parte da cidade o phenomeno se assignalou mais intensamente, não tendo durado, entretanto, mais de tres a quatro segundos.

Outros casos

Não é a primeira vez que se verifica tremor de terra em S. Paulo – O que disse o dr. Clementino de Castro.

Não é a primeira vez que o phenomeno se registra em S. Paulo. A um nosso companheiro de trabalho declarou o dr. Clementino de Castro, ministro aposentado do Tribunal de Justiça que identico abalo se verificou em 1864, como repercussão de violento terremoto ocorrido a muitos kilometros de distancia.
O facto alarmou muito a população. Entre outras pessoas que devem recordar-se do facto conta-se o venerando conselheiro Antonio Prado.

As palavras de tranquilidade do Director do Observatorio

O phenomeno não teve grande importancia nem é provavel a sua reprodução

josé-nunes-belfort-de-mattos-500x566
José Nunes Belfort Mattos – Fonte: BELFORT, 1951

O dr. Belfort de Mattos ilustre director do Observatorio Astronomico do Estado, era a unica pessoa autorisada para nos dizer algumas palavras sobre o impressionante acontecimento.
– As primeiras palavras da “A Gazeta” ao publico devem ser de tranquilidade. O povo deve tranquilisar-se. O phenomeno, que alarmou a população pela madrugada, não tem, a meu ver, gravidade. Estamos fóra, felizmente, da zona sujeita a terremotos de origem vulcanica, que são os maiores e mais perigosos […].
– Mas os abalos desta madrugada…
– Devem ter, na minha opinião, origem de desmoronamento de terra no sub-solo. Não foram de origem vulcanica, quero crer. Dahi, a sua relativa pequena importancia […].
– E a hora de duração?
– Precisamente ás 3,55 da manhã e a duração de quatro segundos.

E o dr. Belfort de Mattos leva-nos a ver o grande barometro-registrador de gravidade que, alem da pressão barometrica, dá o componente vertical do abalo. O abalo desta madrugada estava lá nitidamente registrado com um forte traço de tinta verde, alcançando exactamente oito centimetros na zona da capital. E como ha uma escala classica para medir esses traços, chega-se a conclusão de que o abalo de hoje está classificado como médio, o que importa dizer que foi realmente forte.
A produção sismica parece ter sido approximadamente de “sul para norte, talvez declinando um pouco para leste”.
Em seguida, o distincto director do Observatorio lamenta que não tenha apparelhos modernos e capazes de poder registrar o abalo em todas as suas minucias. O Observatorio não tem sismographos, pelo que os seus estudos não podem ir muito além.

1922-01-28 o jornal terremoto foto
A zona de irradiação do tremor de terra sentido em S. Paulo e no sul de Minas, na madrugada de hontem – A flecha, do Rio a Poços de Caldas, marca a extensão do epicentro do phenomeno com esta cidade – 380 kilometros, em linha reta

Morreu de susto!

Por occasião do tremor de terra, a Policia foi chamada ao predio n.36 da rua Fortunato, onde acabava de fallecer um homem. Acudiram ao local o delegado de serviço na Central, dr. Andrelino de Assis e o medico legista dr. Azambuja Neves.
Tratava-se do viuvo Vicente Julio de Novaes Junior, de 58 annos, operario e que, tendo talvez alguma lesão cardiaca, morreu de susto.

Do interior

Do interior chegaram-nos tambem noticias tranquilizadoras, apezar de ter o phenomeno naturalmente causado muito desassocego e mesmo panico em algumas localidades.
Assim foi o phenomeno bem comprovado, attribuindo-se-lhe maior ou menor violencia, nas seguintes cidades: Jundiahy, Campinas, Amparo, Casa Branca, Ribeirão Preto, Lorena, Taubaté, Piracicaba, Jahú, Baurú, Porto Feliz, Itapetininga, Mogy das Cruzes, Descalvado, Itapira, Espirito Santo do Pinhal, Mogy Guassu bem como em Monte Santo, Guaxupé, Pouso Alegre e Poços de Caldas, em Minas.
Santos, Iguape e outras cidades do littoral, mencionam o phenomeno notando que o mar permaneceu tranquillo.

Episodios interessantes occoridos na capital paulista

A intensidade do terremoto hoje verificado, na escala organizada pelo celebre scientista Mercatali, foi violento e póde ser classificado entre 7 e 8 gráos.
– Na rua Anna Cintra, ruiu o telhado da casa n.28, mas, felizmente, não houve victimas.
– No largo da Sé um chauffeur dormia pesadamente na almofada do seu automovel. O abalo da terra foi tão forte que o atirou ao solo e fez com que a sua machina saisse do logar em que estacionava.
A primeira impressão no largo fôra de que havia caido uma das paredes velhas do predio em demolição na rua Marechal Deodoro, junto ao edificio da Casa Pratt; depois, apareceu gente assustada por todo o largo, sobrevindo, então, a convicção geral de que se tratava de um phenomeno sismico.
– Na fachada do predio do Banco do Commercio e Industria, ha uma linda estatueta – o Commercio – que devido ao abalo soltou de uma das mãos e o respectivo caduceu.

1922-01-28 a gazeta terremoto foto
O povo, na rua 15, com o nariz espetado no ar, deante da séde do Banco Commercio e Industria. Na fachada do bello edificio existem varias estatuetas de marmore, entre as quaes uma de Mercurio, da qual cahiu, por occasião do teremoto, o caducêo. Notada a falta por um curioso, não houve quem, durante o dia, não estacionasse nesse ponto do triangulo, a admirar o facto. E em certos momentos o transito chegou a ser interrompido…

– Na Basilica do Coração de Jesus tambem se desprendeu das mãos de uma imagem do Anjo Gabriel, a respectiva espada.
– Á rua Maria Theresa 13, em consequencia do tremor, caiu um armario que estava na sala de jantar, quebrando toda a louça que elle continha.
– Em varias partes da cidade, sobretudo nos logares altos, como na Avenida Paulista, Villa Marianna, Sant’Anna e outros, o terremoto foi mais sensivel e racharam-se varias paredes de residencias particulares.
– Á rua Asdrubal Nascimento, apresentava um aspecto interessante. Varias familias ali residentes transportaram-se para o meio da rua, com camas, colchões, armarios, mesas, cadeiras e outros objectos do mobiliario domestico.

A Gazeta (SP)
27 de janeiro de 1922
28 de janeiro de 1922

O Jornal (RJ)
28 de janeiro de 1922

BELFORT, Fabio. José Nunes Belfort Mattos – a vida de um cientista brasileiro, 1951

SãoPauloCity, Série Avenida Paulista: a história de 5 gerações dos Belfort Mattos, do Observatório de São Paulo e da Dumont Adams. Disponível em: Série Avenida Paulista: a história de 5 gerações dos Belfort Mattos, do Observatório de São Paulo e da Dumont Adams. Acesso em: 24 jan;2019

 

 

25 de janeiro de 1554 – Fundação de S. Paulo

A data em que se comemora a fundação de São Paulo é uma grande data brasileira, porque nella se evoca o nome da terra bandeirante como uma das regiões mais progressistas da terra.
O burgo modesto que Anchieta lançou no Pateo do Colegio one hoje, defrontando arranha-céos, se ergue o airoso monumento da fundação da cidade, transformou-se em esplendida metropole. Com um milhão e duzentos mil habitantes é, em população, a segunda cidade brasileira e, como centro de trabalho industrial, o maior da America do Sul. É tambem poderoso centro de actividades scientificas e culturaes.

Decerto multiplos foram os factores que concorreram para o engrandecimento de São Paulo. Quem os coordenou, porém, realizando administrações modelares, dando altissimo grau de efficiencia aos serviços publicos e tomando as iniciativas mais fecundas foi o antigo Partido Republicano Paulista. Este facto histórico é indestructivel: quarenta annos de administrações republicanas, succedendo-se harmoniosamente, deram ao nosso Estado um admiravel periodo de ordem, de segurança, de regularidade financeira, de credito universal, de trabalho constructor e de fervoroso cuidado pelos interesses collectivos.

1938-01-25 fundação de sp foto

O MARAVILHOSO CRESCIMENTO DA CIDADE

O boletim diario de informações “Commercio e Industria”, especialmente para a data de hoje, reuniu os seguintes dados sobre o desenvolvimento da cidade anchietana:

Em 1850 ha em S. Paulo 1.300 casas para 15.300 habitantes.
Em 1860, 18.600 pessoas e 2.500 casas.
Em 1870, 23.200 pessoas e 3.250 casas.
Em 1880, 27.800 pessoas e 4.088 casas.
Em 1890, 64.934 pessoas e 10.321 casas.

Até essa época o numero de casas vae correspondendo ao numero de habitantes. Dahi por deante a progressão é prodigiosa. As linhas se separam. Ha mais gente e menos casas em relação aos decennios passados affirmam as estatisticas.
O augmento repentino da população é explicado pela elevada natalidade e, principalmente, pela affluencia de imigrantes. Por outro lado, as lavouras de café se estendem pelas novas regiões desbravadas e dão lucros compensadores. O desequilibrio persiste, chegando ao ápice em 1910, quando ha 11,4 habitantes por casa, média muito elevada para a época. De 1910 a 1913 a febre de construcção é geral. Depois decae – de 1914 a 1918 – mas o augmento da população tambem descreve um pouco.
Em 1920 a differença se desfaz: ha 9,6 habitantes por casa. Dahi por deante succede o desequilibrio inverso! S. Paulo progride como nunca, principalmente de 1920 a 1928. Ha affluxo de dinheiro e facilidade de credito a par de um incontido optimismo sobre a estabilidade desse bem estar economico. Constróem-se casas e mais casas. Só em 1928, 6.867 novos prediso se erguem! Existem predios demais em relação ao numero de habitantes.

De 1929 a 1933 o periodo é de restricções: a crise economica mundial reflecte-se em S. Paulo, o collapso da economia cafeeira attinge em cheio a cidade, as revoluções e periodos de desconfiança, anteriores e subsequentes, diminuem a intensidade do esforço paulista. Em 1932 constroe-se 4 vezes menos que em 1928. O preço dos imoveis, que fôra elevado artificialmente, desce a niveis mais baixos. O excesso da offerta em relação á procura reajusta os valores em desequilibrio. Entretanto, emquanto esses choques põem á prova a resistencia economica de S. Paulo, a população cresce. Augmentando a população e decrescendo a marcha as construcções, o nivelamento entre aquella e estas vae se processando.
Em 1934 ha, aproximadamente, 8,5 habitantes para cada predio.
De 1934 a 1937 o numero de construcções augmenta bastante. Em 1937, supera o dos ultimos annos. As médias entre “habitantes” e “casas” são razoaveis: quasi sempre em torno de 8 habitantes por casa. O reajustamento já se processou, e acreditamos que se mantenha.

Correio Paulistano, 25 de janeiro de 1938.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira