A misteriosa morte de Costa Vinagre

MORTE MYSTERIOSA

A policia carioca anda agora ás voltas com um caso mysterioso. Num botequim á rua Visconde de Itauna, foi encontrado, hontem, debruçado sobre um tanque de lavar roupas, o cadaver do portuguez Joaquim da Costa Vinagre, alli empregado.

Vinagre apresentava ferimentos, um dos quaes, o que lhe occasionou a morte, na cabeça. Proximo do corpo, cahida no chão, achou-se uma escada, cheia de sangue. Não sabe a policia si se trata de um crime,  ou de um accidente, sendo aliás, muito provavel a primeira hypothese, deante das condições particularissimas de que se reveste o facto. O proprietario do botequim acredita que a escada tombára sobre Joaquim, e que este, indo lavar num supremo esforço as feridas consequentes do desastre, não pudera resistir, succumbindo. Outros, porém, pensam que a posição exquisita em que o cadaver foi achado, não passa, talvez de um disfarce com que o delinquente, ou delinquenter, pretendem desorientar as auctoridades.

1914 gazeta costa vinagre foto
Posição singular em que foi encontrado morto um caixeiro

São Paulo, A Gazeta, 27 de outubro de 1914.


NÃO SE TRATA DE UM CRIME

Referimo-nos em nossa edição de hontem é morte mysteriosa do caixeiro Joaquim da Costa Vinagre, no interior da hospedaria n. 573, da rua Visconde de Itauna, e adeantamos que a policia tinha suspeitas de que se tratasse de um crime.
A posição em que foi encontrado o cadaver – debruçado para dentro de um tanque – e um ferimento que o mesmo apresentava na cabeça seriam talvez causas de leves suspeitas si muitos outros indicios, entre elles o máo estado de saude em que se achava o Joaquim não fizessem crêr muito mais na hypothese de morte natural.

Hontem, feita a autopsia pelo medico legista dr. Antenor Costa, foi verificado que o ferimento encontrado na cabeça de Joaquim não era de natureza a determinar-lhe a morte, si um outro factor mais importante não agisse mais energicamente. A morte foi devida a haver-se rompido um aneurismo, que era causa dos escarros de sangue encontrados no quarto do infortunado Joaquim Vinagre.
Não se trata, pois, de um crime.

Rio de Janeiro, Jornal da Manhã, 28 de outubro de 1914.

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

 

 

Casa Lucio Alfaiataria

Dentre os estabelecimentos de primeira ordem, da capital paulista poderemos considerar a Casa Lucio, situada a R. S. Bento, 35 A, como um dos primeiros no seu genero, que é a alfaiataria.
Esta casa, graças ao esforço do seu fundado e proprietario, o sr. Lucio Occhialini, tem progredido extraordinariamente, tornando-se cada vez mais conhecida e considerada.

Quasi toda a rapaziada elegante de S. Paulo procura hoje a “Casa Lucio”, porque tem a certeza de que ali obtem um terno de fazenda excellente e confecção aprimorada, e é assim que a casa tem progredido, é servindo caprichosamente os seus distinctos freguezes que expontaneamente apregoam a especialidade das suas confecções.

A “Casa Lucio” possue sempre sortimento finissimo de fazendas inglezas, de padrões bonitos, modernos e de todas as especies. Executa com promptidão e muito capricho as suas encommendas e procura sempre satisfazer as mais pequenas exigencias da moda, de sorte que cada cavalheiro que se serve uma vez desta casa, torna-se seu freguez, porque fica plenamente satisfeito com a obra ali executada e encantado com a delicadeza do seu digno proprietario.

As belissimas intallações da “Casa Lucio” e a modicidade dos seus preços são tambem poderosos attractivos para sua selecta e elegante freguezia.

São Paulo, 1911.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

 

Ilha Porchat

Bar e Restaurant Familiar – O ponto chic de SANTOS e S. PAULO

PARQUE DE DIVERSÕES

Composto de attracções que tanto successo fizeram por occasião da Exposição do Centenario, no Rio, em 1922.

CARROUSSEL INFANTIL montado com solidez e capricho, onde a petizada passará horas agradaveis.

Machinas de medir força – Tiro ao alvo – Diversas machinas de vistas – Hippodromo de salão – Vendedores automaticos de chocolates, avelãs, doces, etc., etc.

E os celebres ESPELHOS MAGICOS

Fabrica de gargalhadas – 12 comicos mudos – Os unicos no Brasil – Rir, a bom ir – Verdadeiro templo do riso

Só na ILHA PORCHAT

SANTOS – S. VICENTE – EUGENIO BOUCAULT

Folha da Manhã, 21 de novembro 1925.
Foto: Ilha Porchat, 1911

Fontes:
Acervo Folha
Hemeroteca Digital Brasileira

S. Paulo é uma cidade onde não acontece nada…

ALGO MÁS

Ha muitos annos, esteve em S. Paulo certo especialista em composição typgraphica, o qual veiu contratado para trabalhar a serviço de uma grande casa editora. Nem bem chegou, portanto, começou a ganhar dinheiro. Aqui viveu feliz um, dois, tres mezes. Depois, começou a entristecer. Os amigos e conhecidos, chegavam-se a elle e perguntavam, apreensivos:
– Mas, que é que você tem, homem? Falta-lhe alguma cousa?
O typographo não respondia. Mudo como um peixe. Tudo, aliás, em sua vida estava em ordem; o lar, a saude, a situação financeira… Nada existia que justificasse aquelle abatimento espiritural.
Em certa occasião, porém, afim de se vêr livre de tantas e tão incommodas perguntas, o typographo abriu-se:
– Vou-me embora para a Allemanha. S. Paulo é uma cidade onde não acontece nada…

Estava explicado, afinal, o mysterio daquella tristeza intima. Tratava-se de um homem, cujo temperamento não se acostumava com uma vida morna, insipida, sem vibrações.
Teria razão o typographo? S. Paulo será, de facto, uma cidade, onde nada acontece?
Depende. Depende sobretudo do temperamento de cada qual. Porque, afinal, onde quer que se encontre o homem, ha “cousas acontecendo”. E cousas “interessantes”: tragedias, crimes, desastres, escandalos, etc. Mas, ás vezes, isso não basta. É preciso “algo más”. Foi o que se deu, provavelmente, com o typgrapho allemão. – C.

Diário Nacional, 10 de novembro de 2018.
Fontes:
Hemeroteca Digital Brasileira
Arquivo Histórico Municipal de São Paulo

Antônio da Silva Prado

O FUTURO PREFEITO

Ligeira entrevista

IDEIAS GERAES DE ADMINISTRAÇÃO

Devendo ser hoje empossada a camara municipal eleita a 30 de outubro do anno passado para o triennio de 1899 a 1902, e, correndo com certo fundamento, que para o lugar de prefeito deverá ser escolhido o conselheiro Antonio Prado, o Correio paulistano julgou que seria de bom aviso ouvir esse illustre cidadão sobre pontos diversos da administração local que s. exa., parece, vai superintender.

Nessas condições, pedimos a um de nossos melhores amigos que nos fizesse approximar do futuro prefeito afim, de que, em entrevista ligeira, pudessemos conhecer o programma que s. exa. pretende expor á corporação municipal de S. Paulo.
Não foi difficil a tarefa, já porque s. exa. accedeu promptamente aos nossos desejos, já porque não teve duvida em fallar-nos com a maior franqueza, como se verá.
Ás 8 12 da noite de hontem, procuramos o conselheiro Antonio Prado no bello palacete da alameda que tem o seu nome.
Fomos introduzidos em elegante peça onde s. exa. tem o seu escriptorio.
Um quadrilatero, temdo em uma das paredes estante de carvalho com 3 corpos. Ahi se encontravam volumes diversos em pequena bibliotheca.
Ao lado duas estatuetas de bronze sobre pedestaes de madeira preta.
Fronteiramente, secretária com artistica pasta e objectos varios para moveis dessa natureza.
Em outros planos, largo bureau ministre, ainda de carvalho, ladeado por duas columnas sustentando jarrões de porcellana azul.
A um canto divan inglez, tendo inferiormente uma pelle de onça, debruada casimira encarnada.
Custosas e ricas cortinas, pequenas e finas cadeiras, poltronas, etc., completam a ornamentação da confortavel peça.

013 Conselheiro Antonio Prado acervo iconografico usp

O futuro prefeito não se demorou em apparecer-nos, dando-nos pouco tempo para maior inspecção do local onde foramos introduzidos.
Trajava costume leve de casimira escura e recebeu-nos com toda a gentileza.
Feitas as apresentações pelo illustre cavalheiro que nos approximára de s. exa., trocados os devidos cumprimentos, sentamo-nos e conversamos, é o termo, sobre o motivo que alli nos levára.
E essa conversa passada em tom inteiramente amistoso publicamol-a em dialogo, como se deve acontecer ás entrevistas, mesmo de caracter intimo.


– Sei, disse o nosso representante, que não é extranho a v. ex. o motivo da minha visita.
– É exacto. O nosso amigo, que está presente, tinha-me avisado; mas, com pesar o digo, não posso satisfazer o seu pedido, pois não sou o prefeito municipal da capital de S. Paulo.
– Perfeitamente. Mas, sei-o-a em poucas horas e nessas condicções poderia adiantar-me alguma cousa. A reportagem tem indiscrições e, si eu cometter alguma, v. ex. tenha a bondade de ordenar que eu não prosiga.
– Mas, eu não tenho plano algum de administração, não tenho programma, preciso conhecer bem a actual organisação municipal, as leis, regulamentos, etc., para então operar com conhecimento de causa.
– Sim: senhor. Mas permitta-me perguntar a v. exa. Qualquer administrador, que vai hoje começar um serviço não terá ideias assentadas sobre questões economicas e financeiras, assumpto palpitante e de actualidade.
– De certo. E eu devo declarar-lhe. Fui presidente da Camara de S. Paulo ha 20 annos, quando as rendas attingiam a 200:000$; hoje vão a 2.500:000$. Penso que poderão em pouco tempo chegar a 4.000:000$ e para isso basta o seguinte, e que farei: dedicar-me especialmente ao estudo de lançamento e arrecadação dos impostos, base principal da reorganisação a estabelecer-se.
– E quanto a despezas?
– Ah! Terei de cingir-me á lei do orçamento votada. Não poderei certamente occupar-me de grandes melhoramentos, pois as verbas orçamentarias são exiguas. Pretendo, porém, rever o quadro de empregados, cortar despezas inuteis, aproveitar elementos bons e gastar apenas o essencial, fazendo as maiores economias.
– E naturalmente levará isso a cabo, pois v. exa. não tem ligações politicas que lhe offereçam obstaculos…
– De certo. Pretendo mesmo pedir o auxilio de todos os municipios para que se interessem pelos assumptos locaes, nomeando comissões particulares para estudo de materias diversas. Pedirei o concurso de todos, e assim acho facil a minha tarefa.
– Acha facil?
– Acho. O meu programma é administrar bem. Desde que a maior parte dos serviços que deveriam ser municipaes se acham a cargo do Estado, basta, para chegar a resultado satisfactorio, que eu peça ao governo estadual execução das disposições legaes, nunca provocando attritos. O serviço da municipalidade não é para espantar ninguem. Desde que um administrador tenha bôa vontade e bons auxiliares, pode contar que levará a cabo a tarefa, a contento geral. E quando eu vir que se me antolham obstaculos que não possar vencer, voltarei á tranquilidade de minha casa, porque, o sr. deve saber, acceitei, a inclusão do meu nome na chapa de vereadores, desinteressadamente, com um unico fito: servir o meu paiz e o Estado onde nasci.

 


E a essas ultimas palavras do illustre cidadão, levantamo-nos, pois que alguma cousa haviamos obtido sobre o assumpto que nos levára ao palacete Prado.
Despedimo-nos de s. exa. que tão gentilmente nos recebera, renovando os protestos de agradecimento, que ainda uma vez aqui deixamos consignados.

Correio Paulistano, 7 de janeiro de 1899.
Fontes:
Hemeroteca Digital Brasileira
Acervo Iconográfico USP

O secular convento do M’Boy

Tem apenas trezentos e cincoenta annos, este convento, carinhosa reliquia da villa do M’Boy.

“A actual povoação de M’Boy, foi antigo aldeamento de Indios, fundado pelos Padres Jesuitas, os primeiros habitantes dos campos de Piratininga; existe ainda intacta, constituindo precioso monumento historico, a Egreja sob a invocação de Nossa Senhora do Rosario, construida ha perto de 350 annos pelo Missionario Paulista, Padre Belchior de Pontes.

As obras de madeira esculpida, que se conservam nos altares da Egreja, o esplendido tecto esculpido e dourado da sachristia e outros documentos historicos d’aquella época remota dos primeiros Paulistas merecem ser visitadas pelos intelligentes e estudiosos. – São, talves, as ultimas e unicas reliquias incorruptas da fundação deste S. Paulo, tão assombrosamente adeantado no caminho do progresso e da civilisação. – O velho convento de M’Boy, foi a sède do Noviciado do legendario Collegio de S. paulo de Piratininga.”

Revista A Vida Moderna, 1911.
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira

Destruir o Ester, a ilógica opção

1º exemplo da arquitetura racionalista

O edifício Ester, considerado por muitos como um dos melhores exemplos da arquitetura moderna do Brasil, é olhado como um marco, e por mais de uma razão. Foi concebido e projetado por Alvaro Vital Brasil, um paulista que estudou e trabalhou muitos anos no Rio, considerado um solitário, porque seus contemporâneos Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Carlos Leão trabalhavam em equipe.

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Álvaro Vital Brasil projetou o Ester – o primeiro exemplo de arquitetura racionalista brasileira – com Ademar Marinho. A construção terminou em 1938, dois anos antes que se concluissem as obras do Ministério da Educação, feito por aquele grupo carioca a partir de um “croquis” de Le Corbusier, de 1936.
O Ester, alem de ser também o primeiro edifício comercial do Brasil com estrutura livre, fixou o gabarito de dez andares da Praça da República, em sua época.
Despertando desde logo a atenção dos habitantes da São Paulo logo que foi concluído, nele moraram e moram muitos intelectuais e artistas, nos andares superiores (os primeiros andares são ocupados por escritórios comerciais). Ali mora o poeta e escritor Francisco Luis de Almeida Salles, e moram, durante muitos anos, o pintor Di Cavalcanti e a pintora Noemia Mourão.
Álvaro Vital Brasil nasceu em São Paulo em 1909, e formou-se em 1934 na Escola Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro).

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NO PRÉDIO

A reação de alguns proprietários e moradores do edifício Ester, localizado na esquina da rua 7 de Abril com a avenida Ipiranga, diante da possibilidade do prédio ser desapropriado para dar lugar à Estação República do Metrô, foi de total perplexidade.
A maioria dos entrevistados não havia sequer ouvido falar em desapropriação, e não foram poucos os que disseram que o prédio já faz parte do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, pois sua arquitetura foi um marco para a época em que foi construído.
Segundo o sindico Elis Antunes, o edifício Ester, tem 38 anos de vida útil, e foi construído pela família Coutinho Nougueira para moradia e para abrigar os escritórios da Usina Ester, de sua propriedade.
“A partir de 1963 o prédio passou a condomínio, e desde essa época, cerca de vinte apartamentos do 1º ao 5º andar, funcionam como escritórios comerciais, e cerca de trinta, do 5º ao 11º, são residências particulares.”
Elis Antunes foi um dos primeiros moradores do prédio; ele mora há 31 anos no apartamento 805. No entanto, ele se tornou proprietário somente há onze:
“Trabalhei a vida toda como contador da Usina Ester, no próprio prédio, e em 1964 consegui comprar o apartamento onde morava naquele ano paguei Cr$ 10 mil pelo imóvel, e hoje acredito que esteja valendo cerca de Cr$ 350 mil.”

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JÁ DESCONFIAVA

O síndico afirmou ontem que nunca ouviu nenhum boato sobre uma possível desapropriação, mas desconfiou de alguma coisa quando os engenheiros do Metrô estiveram, por duas vezes, no prédio para examiná-lo e estudar as plantas.
O síndico não entende porque o Instituto de Educação Caetano de Campos não pode ser demolido e dar lugar à Estação do Metrô, como o prefeito havia anunciado.
“O prédio é tão velho, e na minha opinião não tem valor histórico nenhum porque já foi reformado duas vezes. O prédio tem um arquitetura confusa além de não ser original”.
Falando sobre o edifício Ester, Elis Antunes disse que o prédio sofreu apenas uma reforma externa: as placas de vitrolite (espécie de mármore vitrificado) da fachada foram trocadas por placas de concreto.
As coisas que o síndico mais admira no prédio são as colunas de mármore – importado – do hall de entrada, as escadarias de mármore e os corrimões de bronze. Segundo ele, a construção do prédio custou quase Cr$ 10 milhões antigos em 1938.

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Autor: B. J. Duarte 8/4/1938

DESESPERO

Manoel Brodskyn, sem dúvida, foi a pessoa que ficou mais desesperada com a idéia da desapropriação: “Não pode ser, é brincadeira do prefeito – não acredito”. Todo o seu desespero é provocado pelo fato de já ter gasto uma fortuna na reforma da joalheria onde é gerente: a Sauer Joalheiros, filial da loja do mesmo nome.
Para ele, o prejuízo será “monstruoso, incalculável”, pois tem certeza de que o preço pago pela desapropriação não chegará “nem à metade do valor real do imóvel, sem contar os investimentos feitos na reforma”.
Ele diz que a reforma da loja começou há cerca de quatro meses, e os engenheiros prometeram entrega-la pronta em dez dias. Porém, com a possibilidade da desapropriação, ele já não sabe o que fazer:
“Tenho vontade de mandar os operários pararem de trabalhar”.

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DISPARATE

Para Sten S. Detthow, advogado com escritório no prédio, a desapropriação do edifício Ester é o maior absurdo que já ouviu:
“É um disparate tão grande que não sem nem como reagir; não entendo como é que podem desapropriar um prédio que já faz parte do Patrimônio Histórico do Estado”.
O advogado também não se conforma com o tombamento do Instituto de Educação Caetano de Campos, apesar de ter sido aluno da escola há 57 anos:
“É um prédio velho, feio e grande demais para a área que ocupa, além de ter menos importância arquitetônica que o Ester”.

Folha de S. Paulo 21 de novembro de 1978.

Fontes:
Acervo Folha
Arquivo Arq

Episódios de Intolerância

Em 1933, a Folha da Noite noticiava o confisco das propriedades do físico Albert Einstein, por parte do governo alemão:

“O governo allemão acaba de confiscar as propriedades de Einstein, o grande sábio, honra e orgulho do nosso tempo.
É mais um episodio da intolerancia politica, racial e religiosa do governo do Reich, intolerancia que encontrou no mundo culto uma tão grande e espontanea reacção. Toda a gente faz justiça á Allemanha, ao seu espirito, á sua admiravel capacidade. Por isso mesmo é que podemos nos sentir a vontade para oppôr as maiores reservas aos methodos politicos do seu actual gabinete, cujos intuitos e recursos de propaganda o “Petit Parisien” acaba de revelar em reportagem sensacional.

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Precisamos estar attentos contra os manejos da “Transocean”, hoje controlada e dirigida pela propaganda hitlerista. O Brasil, paiz de immigração, deve saber defender-se contra a possibilidade de se transplantarem para o seu territorio, ainda que restrictos as colonias estrangeiras, methodos politicos contrarios aos seus usos e costumes. A sua indole liberal, contra toda a intervenção de elementos estranhos na vida e na orientação de sua imprensa.

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Se é exacto que as questões politicas internas não estão ao alcance da critica dos que pertencem a outras nações, não é menos exacto que o imperialismo hitlerista deve ser combatido.

Folha da Noite, 21 de novembro de 1933.
Fontes:
Acervo Folha
The Bully Pulpit

 

Os “gangsters” paulistanos estão em scena

Um inspector de policia gravemente ferido pela turma do “quebra tudo”

No ambiente policial, notava-se hoje desusada effervescencia. Um inspector de policia, aggredido pelas costas, cerca das 4 horas da madrugada de hoje, tombou gravemente ferido em plena avenida São João sendo, despojado das armas, dinheiro e da capa que levava no hombro.
Todos os collegas do policial – que se encontra recolhido ao leito em estado melindroso – traziam o cenho carrancudo e só pediam uma cousa aos chefes, um revide em regra.

Os autores da façanha são os mesmos que ha tempos aterrorizam os centros bohemios da capital: a turma do “Quebra Tudo”. Hoje o chefe é outro: o “Rosquinha”, elementos de pessimos antecedentes se bem que pertença á burguezia da nossa “urbs”…
Verdadeiros “gangsters”, dispostos a qualquer crime, dedicam-se a treinos… suaves, assaltando, espancando, depredando. Uma verdadeira vergonha que deve cessar.

Cabe á nossa policia empregar um drastico immediato para acabar com esse cancro social que perambula, saturado de cocaina, pelas ruas do centro, altas horas da madrugada.
Nenhuma contemplação para os “quebra-tudo”. É necessario combatel-os sem treguas, fazendo-os expiar o mal que praticam.

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Largo do Paissandu, 1935

UMA AGGRESSÃO COVARDE

O inspector da Delegacia de Ordem Politica e Social, Affonso Mendes, n. 106, ás 4 horas da madrugada de hoje, depois de ter effectivado uma diligencia, encaminhava-se para a sua residencia. Para tanto, teve que atravessar a avenida São João. Nas proximidades do largo do Paysandú, foi abordado por dois rapazes, elegantemente trajados. Enquanto o inspector respondia a uma pergunta de um delles, outros individuos se lhe acercaram desferindo-lhe, na nuca, uma fortissima pancada. Atordoado, o inspector cahiu ao solo. Então o grupo saciou a sanha, esbordoando impiedosamente a victima, que teve todos os dentes partidos e o osso do nariz fracturado. Em seguida arrancaram o revolver do policial e o ordenado que ha pouco tinha recebido. Não contentes com isso, carregaram uma capa gabardine.
Unica testemunha do caso foi um padeiro que ouviu perfeitamente dizer:
– Mata esse… É um “tira”!

INSPECTORES QUE PEDEM UMA LICENÇA “SUI GENERIS”

Sentindo justissima revolta contra o attentado que victimou um companheiro, os inspectores da Delegacia de Ordem Politica e Social pediram ao delegado uma licença “sui generis”: carta branca para “quebrarem” os valentes. Havia lagrimas nos olhos dos rudes inspectores, quando fizeram o pedido. Sentiam grande ansia para revidarem á altura o covarde attentado.
O dr. Costa Ferreira recommendou calma, fazendo ver que, sem se recorrer á violencia, os culpados seriam punidos. Uma communicação do succedido foi enviada ao major Cordeiro de Faria que determinará quaes as medidas a serem tomadas contra os criminosos que formam o grupo de assaltantes.

Folha da Noite, 21 de novembro de 1931.
Fontes:
Acervo Folha
Acervos da Cidade

Uma imagem pornô para o Cine Jóia

A partir do próximo dia 27, o público interessado no cinema japonês perde uma sala de exibição. O cine Jóia, que há vinte anos, através do circuito Serrador, exibia as produções da Toho, mudou sua orientação, anunciando que dedicará a sala às pornochanchadas, com programa triplo e preços populares.

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Há muito tempo essa situação já estava sendo adivinhada, desde que o rigor dos mecanismos protecionistas, adotados pela Embrafilme para fortalecer o cinema nacional, passou a ser sentido com mais intensidade. Ficou claro – explicam os exibidores – que as imposições da Embrafilme só poderiam ser atendidas pelas exibidoras norte-americanas, fechando o marcado para filmes com certificados de outras nacionalidades.
Depois do Cine Nikkatsu, na rua São Joaquim, que durante algum tempo funcionou com o nome de Cine Álamo, o primeiro a ser vencido pelas dificuldades impostas pelo Governo foi o cine Jóia, na Praça Carlos Gomes.
Agora, apenas duas salas, o cine Niterói na avenida da Liberdade e o cine Nippon, na rua Santa Luzia, exibirão filmes japoneses.

Francisco Sanchez, gerente do Jóia e funcionário da exibidora Serrador desde setembro de 1945, admite que o movimento no cinema há muito tempo deixa a desejar: ontem à tarde, desde o início das sessões, haviam vendido apenas 400 ingressos.
Poucos transeuntes, que passavam pela praça Carlos Gomes, davam atenção aos cartazes, anunciando o filme da semana – “O Fantástico Renegado” – série com Wakayama Tomisaburo, que deve encerrar a programação japonesa do cinema. Para os exibidores isso é consequência direta das restrições colocadas pela Embrafilme para a importação de filmes estrangeiros, cujas exigências acabam só podendo ser satisfeitas pelos produtores norte-americanos, detentores de um mercado exibidor compensador.
Francisco não está muito preocupado com o fim do cine Jóia, lembrando que dentro em breve deverá se aposentar. Com 75 anos, já é difícil para ele lembrar datas com exatidão, mas não nega que a casa teve melhores tempos.
O cine Jóia exibia filmes japoneses há vinte anos, logo depois que Hajime Sakai, diretor da Toho, veio ao Brasil em 1956 e assinou um contrato com a Serrador para distribuir seus filmes.

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Cine Jóia nos anos 1950. Acervo: Alexandre Kishimoto

Durante muito tempo, relativamente pequeno para o público que o procurava, o cinema teve a lotação praticamente tomada a cada novo filme que colocava em cartaz. No entanto, de dois anos para cá, com os problemas criados pela Embrafilme, a exibição de novos filmes se tornou cada vez mais difícil e os exibidores recorreram às reapresentações, vendo o público diminuir.
Há tempos, os interessados no cinema japonês já previam o problema e explicavam suas causas.
Segundo funcionários das distribuidoras de filmes japoneses, que evitam se identificar, há quase um ano os seus cinemas só exibem reprises, pois as barreiras para a importação de um filme são “excessivas”. Quando o certificado de Censura dos filmes ainda disponíveis vencer, não haverá mais filmes e os cinemas terão de fechar as portas
Nas distribuidoras das empresas Shochiku (cine Nipon), Toei (cine Niterói) e Toho (cine Jóia), o clima é de desalento e inconformismo. mas seus diretores procuram não criticar a ação da Embrafilme e se negam até a dar entrevistas.
“Há um clima de medo, de que a situação piore ainda mais, pois a ação da Embrafilme é ditatorial”, comenta um funcionário.
Recentemente, a Toho Filmes, que importou quase todos os filmes do mais famoso diretor japones Akira Kurosawa, fechou seu escritório, que mantinha na avenida da Liberdade. Seu diretor-presidente foi chamado de volta ao Japão e seus interesses no Brasil passaram a ser defendidos por um antigo funcionário da empresa, que se instalou numa modesta sala da rua dos Estudantes, também no bairro da Liberdade.

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Cine Jóia nos anos 1950. Acervo: Alexandre Kishimoto

Um crítico especializado no assunto reconhece que o cinema japonês encontra-se há muito tempo em completa decadência, devido à forte concorrência da televisão. Os grandes diretores, que fizeram do cinema do Japão um dos melhores do mundo, na década de 60, como Heinosuke Gosho, Tadashi Imai, Hiroshi Inagaki e Keisuke Kinoshita deixaram de trabalhar há muito tempo, desiludidos com a queda no nível de produção.
“Mas – ressalta – existe uma produção independente bastante ativa, que se não oferece filmes de alto nível, como há anos, tem feito obras polêmicas, revelando diretores novos e de bastante talento. Como as distribuidoras internacionais não se interessam por filmes desse tipo, de escassas possibilidades comerciais, a única saída era a importação através de empresas japonesas. Mas nas atuais condições isso está difícil, pois com o alto custo da importação, as distribuidoras preferem, quando podem, trazer filmes de karatê ou policiais, que têm bilheteria certa”.
Segundo o crítico, no caso do cinema japonês os mecanismos protecionistas da Embrafilme funcionam como uma faca de dois gumes. Isso porque, pela legislação atual de proteção aos laboratórios nacionais, os distribuidores japoneses são obrigados a fazer no Brasil uma cópia de todos os filmes que importam. “Como eles precisam de apenas uma cópia, para exibição no cinema da colônia, acabam vendendo a outra a preço baixíssimo para um distribuidor brasileiro qualquer. Com isso, um filme japonês, que teoricamente deveria ser exibido apenas num cinema especializado, vai para as salas comuns, do centro, fazendo concorrência com a produção nacional”.

Esse expediente, que vinha sendo usado pela Toho Filmes, com seus filmes de guerra e de monstros espaciais, não serve para a Toei Filmes, que controla o cine Niterói. Pelo contrato celebrado no Japão, a produção da Toei importada pelo cine Niterói só pode ser exibida nesse cinema da colônia. Os direitos para a exibição no resto do Brasil pertencem à multinacional americana CIC (Cinema International Corporation).
Para um crítico a única forma de evitar o fechamento dos cinemas japoneses de São Paulo é a criação de uma regulamentação específica para os cinemas da colônia. A Embrafilme poderia baixar a taxa e dispensar a copiagem brasileira de qualquer filme de exibição restrita, proibindo-se a projeção no circuito comercial comum. Dessa forma, um filme japonês somente poderia ser exibido nos cinemas da colônia (Nipon e Niterói). E, quem sabe, os cinemas poderiam exibir filmes de melhor qualidade.

“Não somos contra o cinema brasileiro, diz o funcionário de uma distribuidora. mas achamos que os japoneses, que contribuíram para o progresso do Brasil, têm o direito de continuar a assistir aos filmes produzidos em seu País”.

Folha de S. Paulo, 21 de novembro de 1978.
Fontes:
Acervo Folha
SP da Garoa